Preso, Dirceu prepara a própria defesa

 

MARIANA SANCHES E SÉRGIO ROXO

O globo, n. 30037, 02//11/2015. País, p. 4

 

O ex-ministro José Dirceu, que amanhã completa três meses preso devido à Lava-Jato, dedica o tempo a elaborar sua defesa. Ele divide cela com o ex-tesoureiro do PT, João Vaccari. -SÃO PAULO- Às vésperas de completar três meses de prisão, acusado de compor o esquema investigado pela Operação Lava-Jato, o exministro da Casa Civil José Dirceu divide uma cela no Complexo Médico Penal, na Região Metropolitana de Curitiba, com o extesoureiro do PT João Vaccari Neto e com o ex-deputado federal e ex-petista André Vargas, também réus no mesmo caso. Embora mantenha boas relações com ambos, Dirceu dedica pouco tempo aos colegas de cela e passa os dias estudando o teor dos processos nos quais responde por organização criminosa, corrupção passiva qualificada e lavagem de dinheiro.

Segundo a investigação, Dirceu, que foi preso em 3 de agosto, teria sido beneficiado pelo esquema de desvio de dinheiro público operado na Diretoria de Serviços da Petrobras. Graças ao esquema, o exministro teria recebido mais de R$ 11 milhões em propinas disfarçadas de pagamento por falsas prestações de consultoria, além de ter despesas pessoais, como um jato particular e a reforma de sua casa, pagas pelo esquema.

EX-MINISTRO ESTUDA PROCESSO

Como já fizera no processo do mensalão, Dirceu trabalha ao lado do advogado Roberto Podval na formulação de sua defesa. Formado em Direito, o ex-ministro teve seu registro na Ordem dos Advogados do Brasil cassado pouco depois da prisão. Ele se queixa de não ter acesso às integras dos depoimentos de delação premiada de outros réus, como o operador Milton Pascowitch, que o incriminaram, e diz que será improvável que não acabe condenado. A expectativa da defesa é que a sentença saia entre o fim deste ano e o começo do próximo, e que, depois disso, Dirceu possa recorrer em liberdade.

Quando não está dedicado aos processos, o ex-ministro costuma ler livros, especialmente biografias. Repete o comportamento que já mantivera ao longo dos dez meses em que cumpriu pena pelo mensalão, em regime fechado na Penitenciária da Papuda (DF), quando chegou a ler 64 livros.

Desde que chegou ao Complexo Penal, Dirceu caminha diariamente pelo pátio e toma banho de sol com outros presos. Nunca foi alvo de hostilidade. Recebe visitas semanais do filho Zeca, da mulher, do advogado Podval e de um médico, que afere sua pressão arterial, controlada com ajuda de medicação. A filha mais nova de Dirceu, de 4 anos, a quem ele é muito ligado, não o visitou por pedido do próprio pai. Visitas de amigos e colegas de partido não são autorizadas pela Justiça.

Dentro do PT, o futuro de Dirceu não deve entrar em pauta, no momento.

— Não tem nenhuma discussão sobre isso (situação de Dirceu) — afirma Carlos Árabe, secretário de Formação Política do PT, integrante da corrente Mensagem ao Partido, que, historicamente, cobra uma posição mais rigorosa da legenda com militantes envolvidos em questões éticas.

DIRCEU NÃO COGITA DEIXAR O PT

Pontualmente, alguns líderes petistas consideram que seria conveniente para o partido se Dirceu se desfiliasse, para diminuir os flancos de ataque de adversários. Dirceu não cogita deixar o partido, mas reconhece que se tornou um tema sensível para os correligionários e que o PT vive um momento tão delicado que sequer consegue defender a contento seu principal líder, o ex-presidente Lula, menos ainda poderia fazer qualquer tipo de desagravo ao ex-ministro.

Os petistas avaliam que a situação do ex-ministro é diferente da do ex-tesoureiro João Vaccari, preso desde abril. O presidente do PT, Rui Falcão, tem destacado que Dirceu foi envolvido na Lava-Jato por atividades privadas, enquanto Vaccari estava atuando para arrecadar recursos para o partido. O Código de Ética do PT prevê a expulsão de filiados apenas em casos de condenações definitivas (sem possibilidade de recurso). A regra não foi aplicada ao próprio Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares e João Paulo Cunha no mensalão, porque o partido contestou a forma como se deu o julgamento, alegando que os quatro petistas foram condenados sem provas.

 

Outras duas CPIs patinam e pouco esclarecem

 

A CPI da Petrobras encerrou seus trabalhos há duas semanas com um relatório que frustrou expectativas. Mas duas outras comissões em funcionamento na Câmara (Fundos de Pensão e BNDES) operam como uma espécie de segundo tempo daquela que deu em água e não se aprofundou nas investigações além do que já era de conhecimento público — com o agravante de que o relatório final passou longe de nomes de parlamentares graúdos, mesmo com a citação deles na Lava-Jato.

Alguns deputados que participaram da CPI da Petrobras também atuam nessas outras duas comissões. Eles foram nomeados antes mesmo de a primeira acabar. André Moura (PSC-SE), que foi sub-relator no caso da estatal e apresentou requerimentos para ouvir 40 executivos de multinacionais — e não chamou nenhum deles —, é titular na CPI do BNDES. Pela CPI dos Fundos de Pensão, Efraim Filho (DEM-PB), que a preside, integrou a da Petrobras, assim como Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP) e Marco Feliciano (PSC-SP).

Embora tenham como objetivo investigar irregularidades nos fundos de pensão e em empréstimos concedidos pelo BNDES, essas duas CPIs têm aprovado requerimentos para ouvir depoimentos das mesmas pessoas citadas na Operação LavaJato e que também foram chamadas pela CPI da Petrobras, mas nada acrescentaram.

EMBATE POLÍTICO DÁ A TÔNICA

Em alguns casos, os requerimentos apresentados às CPIs do BNDES e dos Fundos de Pensão são natimortos. Na semana passada, por exemplo, o deputado Marcus Pestana (PSDB-MG) apresentou pedido à CPI dos Fundos de Pensão para ouvir Fernando Soares, o Fernando Baiano, considerado operador do PMDB, que já fez delação premiada, além do empresário José Carlos Bumlai, amigo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e que, segundo denúncia, teria intermediado um repasse de R$ 2 milhões para a nora do petista, que nega. O documento referente a este último sequer foi votado.

Na CPI do BNDES, assim como na da Petrobras, o embate político entre o PSDB e o PT dá a tônica. Enquanto tucanos têm como alvo os empréstimos do banco para obras em países como Cuba e Venezuela, mirando um suposto tráfico de influência de Lula, os petistas visam o governo de São Paulo, buscando informações sobre o cartel dos trens.

O relator da CPI dos Fundos, Sérgio Souza (PMDB-PR), observa que há uma diferença entre a comissão na qual atua e a da Petrobras: a dos Fundos não tem uma investigação da polícia em andamento, como a Lava-Jato, e, por isso, ele está confiante de que muitos fatos virão à tona:

— Tem muita coisa para ser investigada e vamos investigar.