Suposta obstrução na Lava-Jato motiva prisão de senador e banqueiro

Maíra Magro, Juliano Basile e Letícia Casado 

26/11/2015

O líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT-MS), e o dono do BTG Pactual, André Esteves, foram presos ontem por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF) por tentar obstruir as investigações da Operação Lava-Jato. Em ato classificado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) como "diabólico" e "digno de máfia", Delcídio atuou para evitar o acordo de delação premiada do ex-diretor da área internacional da Petrobras Nestor Cerveró. Até um plano de fuga de Cerveró para a Espanha foi discutido em conversa entre Delcídio, seu chefe de gabinete, Diogo Ferreira, e seu advogado, Edson Ribeiro, com o filho do ex-diretor, Bernardo.

A operação foi inédita: marcou a primeira prisão de um senador desde a promulgação da Constituição de 1988. Delcídio tornou-se a 37ª pessoa com foro privilegiado investigada na Lava-Jato pelo STF.

Ferreira também foi preso. Já o mandado de detenção de Ribeiro não pode ser cumprido, pois ele está fora do Brasil. Ribeiro é responsável pela defesa de Cerveró na Lava-Jato, mas, segundo o Ministério Público Federal, o advogado foi "cooptado" por Delcídio para favorecer seus interesses nas negociações contra a delação.

O acordo de delação de Cerveró foi fechado pelo MPF em 18 de novembro, mas ainda não foi homologado pelo STF. O acordo tem pelo menos 29 anexos e a expectativa é que cada um deles leve a uma nova apuração ou reforce os indícios de crimes já identificados na Lava-Jato. Com isso, a operação deve crescer ainda mais. Na delação, Cerveró disse que Delcídio teria recebido propina em duas operações: na aquisição de navios-sondas pela Petrobras e na compra da Refinaria de Pasadena, nos EUA. O ex-diretor afirmou ainda que Esteves pagou vantagem indevida ao senador Fernando Collor (PTB-AL), no âmbito de contrato de embandeiramento de 120 postos de combustíveis em São Paulo, que pertenciam em parte ao BTG Pactual.

"Essa ordem de fatos deixa transparecer a atuação concreta e intensa do senador Delcídio Amaral e do banqueiro André Esteves para evitar a celebração de acordo de colaboração premiada entre o MPF e Cerveró", afirmou o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Ele levou o pedido ao relator da Lava-Jato no STF, ministro Teori Zavascki, no domingo à noite. Na terça, Zavascki conversou com os integrantes da 2ª Turma antes de determinar as prisões.

Após o cumprimento dos mandados, na manhã de ontem, a 2ª Turma do STF decidiu, por unanimidade, ratificar a decisão de Zavascki.

As prisões decorreram de uma gravação feita por Bernardo Cerveró, durante um encontro, em Brasília, com Delcídio, Ferreira e Ribeiro, em 4 de novembro. Na conversa, Delcídio ofereceu uma mesada de pelo menos R$ 50 mil à família de Cerveró, para que o executivo se recusasse a firmar acordo de delação na Lava-Jato, ou deixasse o senador de fora de eventual depoimento. O dinheiro seria repassado por meio de Esteves, usando como justificativa um contrato fictício de advocacia com Ribeiro.

Esteves também teria oferecido apoio financeiro à família de Cerveró em troca do silêncio do executivo em torno de seu nome e do BTG Pactual. O banqueiro teria prometido o pagamento de R$ 4 milhões em honorários a Ribeiro, que repassaria os valores gradativamente à família do ex-diretor da Petrobras.

Em outro ponto da conversa, Delcídio sugeriu que Cerveró fugisse do Brasil. Ele iria de avião até o Paraguai e de lá embarcaria para a Espanha, país escolhido porque o ex-diretor tem cidadania espanhola. Os participantes chegaram a propor o uso de um jato Falcon 50, capaz de fazer o trajeto sem escalas para reabastecimento. Ribeiro ainda se vangloriou de ter ajudado outras pessoas investigadas a fugir do país e prometeu anular delações de outros investigados na Lava-Jato.

Delcídio chegou a prometer influência junto a ministros do STF para beneficiar Cerveró. O senador relatou que teria falado com Zavascki e Dias Toffoli sobre um suposto habeas corpus em favor do executivo. Ele adiantou ainda que pediria ao vice-presidente, Michel Temer, e ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que intercedesse junto a Gilmar Mendes. Edson Fachin também foi citado como um ministro do STF que seria procurado por Delcídio.

O teor das gravações desagradou ministros do Supremo e foi um dos pontos que contribuiu para a determinação das prisões. "Jamais tive tratativas com esse senador a respeito de tema específico sobre o qual ele se gabava de ter tido esse tipo de conversa", reclamou Toffoli, que presidiu o julgamento. Ele disse que o STF não vai aceitar nenhum tipo de intrusão nas investigações. O decano do STF, Celso de Mello, classificou as acusações como "gravíssimas" e afirmou que "ninguém, nem mesmo o líder do governo no Senado, está acima da autoridade das leis que regem o país".

"Na história recente de nossa pátria, houve um momento em que a maioria de nós, brasileiros, acreditou no mote de que a esperança tinha vencido o medo. Depois, nos deparamos com a Ação Penal 470 [o mensalão] e descobrimos que o cinismo venceu a esperança. E agora parece se constatar que o escárnio venceu o cinismo", disse a ministra Cármen Lúcia.

Além da prisão de Delcídio, no hotel em que ele mora em Brasília, e de Esteves, na casa de sua família no Rio, a PF cumpriu busca e apreensão em 13 endereços comerciais, residenciais e funcionais no Distrito Federal, em São Paulo, Rio de Janeiro e Mato Grosso.

Em nota, a defesa de Delcídio manifestou "inconformismo" com a decisão do STF e a "convicção de que o entendimento inicial será revisto".

Valor econômico, v. 16 , n. 3891, 26/11/2015. Política, p. A6