Correio braziliense, n.19.111, 22/09/2015. Política, p. 2

 Juiz condena doação legalizada pelo PT

Ao confirmar a prisão do ex-tesoureiro João Vaccari na manhã de ontem, Sérgio Moro reforçou, na prática, a tese de que financiamento oficial ao partido serviu para lavar dinheiro de corrupção na Petrobras. Dinheiro foi registrado no TSE

 Eduardo Militão
O juiz da Operação Lava-Jato no Paraná, Sérgio Moro, confirmou ontem a tese de que doações eleitorais oficiais ao Partido dos Trabalhadores foram usadas para mascarar dinheiro desviado em esquema de corrupção da Petrobras. O magistrado da 13ª Vara Federal de Curitiba condenou a 15 anos de prisão o ex-tesoureiro da legenda João Vaccari Neto, o ex-diretor de Engenharia Renato Duque, ligado à sigla, a 20 anos. Também foram condenadas outras oito pessoas, como o presidente da empreiteira Setal, Augusto Mendonça, operadores e funcionários públicos. Ontem, o procurador Carlos Fernando Lima afirmou que todos os esquemas apurados refletem “compra de apoio político-partidário para sustentação do governo federal através de corrupção”.

A defesa de João Vaccari tem afirmado que seu cliente jamais recebeu dinheiro ilegal. “Não procedem as acusações dirigidas ao senhor Vaccari, pois ele nunca foi arrecadador de propina”, disse o advogado Luiz Flávio Borges D’urso, no início de agosto. Cabe recurso da decisão de Moro ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

A tese de que doações oficiais ao PT e ao PMDB serviram para lavar dinheiro desviado da Petrobras está em discussão nas delações premiadas do empreiteiro Ricardo Pessoa, da UTC. Ele disse que usou “dinheiro sujo” para financiar com R$ 7,5 milhões a campanha eleitoral da presidente Dilma Rousseff no ano passado — argumento usado pela oposição para pedir a cassação do mandato no Tribunal Superior Eleitoral. Pessoa relaciona uma série de políticos nas mesmas condições, inclusive o senador e ex-presidente Fernando Collor (PTB-AL) e o deputado Júlio Delgado (PSB-MG). Sobra até para a oposição. No caso de Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), por exemplo, há acusação de caixa 2, mas sem vinculação com a Petrobras. Os parlamentares negam qualquer irregularidade.

Na sentença de ontem, Moro afirma que o empresário Augusto Mendonça, da Setal, pagou R$ 4,2 milhões ao PT com dinheiro do esquema Petrobras. O recurso foi acertado em pagamentos junto com Duque, de acordo com o magistrado. Para o juiz, o valor não é tão importante se comparado ao risco para a democracia. “Mais do que isso a corrupção gerou impacto no processo político democrático, contaminando-o com recursos criminosos, o que reputo especialmente reprovável”, disse Moro. “A corrupção com pagamento de propina de milhões de reais e tendo por consequência prejuízo equivalente aos cofres públicos e a afetação do processo político democrático merece reprovação especial.”

Para o juiz, a situação se mostra “perversa”. “O fato comprovado revela um aspecto perverso do esquema criminoso que afetou a Petrobras, a utilização de dinheiro de propina para financiar atividades político-partidárias, com afetação do processo político democrático.”

Depósitos na conta
O PT tem negado receber quaisquer doações ilegais. A defesa de Vaccari também. Ontem, a reportagem não conseguiu esclarecimentos do partido e do advogado do ex-tesoureiro, Luiz Flávio Borges D’urso”. “O Sr. Vaccari tão somente cumpriu sua atribuição, enquanto tesoureiro do PT, que consistia em solicitar doações legais para o seu partido, as quais sempre foram realizadas por meio de depósitos bancários na conta do partido, com recibo e prestadas as contas às autoridades competentes”, afirmou ele, no início de agosto. Entre os condenados, vários são delatores (leia quadro). Eles confessaram os crimes e entregaram informações e documentos sobre o restante dos esquemas investigados. Em troca receberam de Sérgio Moro uma redução de suas penas, que vale para este e os demais processos a que respondem na operação.

O senador tucano Aécio Neves, de Minas Gerais, disse ontem que a condenação de Vaccari representa a “condenação de todo um esquema institucionalizado de corrupção que o PT estabeleceu no país para se manter no poder”.

A lista

Juiz sentencia a prisão acusados de desviar dinheiro da Petrobras e repassar ao PT como doação oficial:

Corruptores

Augusto Mendonça Neto*
Presidente da empreiteira Setal. Corrupção ativa e lavagem de dinheiro

Júlio Camargo*
Dirigente da Toyo, empresa associada à Setal. Corrupção ativa, lavagem e associação criminosa

Corruptos

João Vaccari Neto
Ex-tesoureiro do PT. Corrupção passiva, lavagem e associação criminosa. 15 anos e 4 meses de prisão e multa

Renato Duque
Ex-diretor de Engenharia da Petrobras. Corrupção passiva, lavagem e associação criminosa. 20 anos e 8 meses de prisão mais multa.

Pedro Barusco*
Ex-gerente da Petrobras, corrupção passiva, lavagem e associação criminosa

Operadores

Adir Assad
Operador, e pessoas de seu grupo, Mariza Blanco e Dario Teixeira. Lavagem de dinheiro e associação criminosa. Nove anos e dez meses de prisão para cada um, mais multas.

Mário Góes*
Lobista. Corrupção passiva, lavagem e associação criminosa

Alberto Youssef*
Doleiro. Lavagem.

* Tiveram penas reduzidas porque fizeram acordo de delação premiada com o Ministério Público


PERSONAGEM DA NOTÍCIA

Eficiência nas finanças

João Vaccari Neto é um quadro de destaque no Partido dos Trabalhadores. Ingressou na Secretaria de Finanças em 2010, no ano da primeira eleição da presidente Dilma Rousseff. Já atuava na era pós-mensalão, quando o caso o rifou do cargo o tesoureiro Delúbio Soares. Bancário, Vaccari atuou no movimento sindical. Foi presidente da Cooperativa Habitacional da categoria (Bancoop). Isso lhe trouxe problemas. O Ministério Público de São Paulo o denunciou à Justiça Estadual sob acusação de lesar famílias e usar o dinheiro deles para financiar o PT.

Ao assumir as finanças do partido, foi eficiente. Antes de chegar ao posto, o partido arrecadou R$ 8,9 milhões em 2007 e R$ 11,2 milhões em 2009, anos não-eleitorais, segundo levantamento do jornal O Globo. Quando Vaccari chega, as cifras sobem para R$ 50,7 milhões em 2011 e R$ 79,8 milhões em 2013.

A sorte do tesoureiro mudou quando os delatores da Lava-Jato, Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef, afirmaram que ele era o operador do partido na Diretoria de Engenharia, comandada por Renato Duque. Outros depoimentos de colaboradores e pagamentos eleitorais além de anúncios em gráficas ligadas aos petistas fecharam o cerco a Vaccari. Com sua prisão, no semestre passado, o PT se viu obrigado a retirá-lo do cargo.