Depois de ‘massacre’ de críticas, Levy agradece aos senadores

 

CRISTIANE JUNGBLUT E MARTHA BECK 

O globo, n. 30047, 12//11/2015. Economia, p. 26

 

O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, passou por constrangimentos em jantar oferecido na noite de terçafeira pelo líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira (CE). No encontro, que contou também com parlamentares de vários partidos, senadores criticaram a política econômica, o ajuste fiscal e avisaram que o Congresso não aprovará a recriação da CPMF. Alguns perguntaram diretamente se o ministro deixaria o cargo, mas não tiveram respostas.

O senador Roberto Requião (PMDB-PR), da base aliada, chegou a ser grosseiro, contou um colega de partido. “Gosto do senhor como pessoa, mas detesto sua política econômica” disse Requião. Do PSDB, vieram críticas de senadores como Tasso Jereissatti (CE) e Antonio Anastasia (MG), em um clima definido como um verdadeiro “massacre” ao ministro. Acuado, Levy defendeu o ajuste e reclamou do silêncio do PT, afirmando: “cadê o meu partido?” Ainda assim, ontem, o ministro divulgou uma carta de agradecendo aos senadores.

EUNÍCIO: ‘FOFOCALHADA’ O anfitrião do jantar, Eunício Oliveira, foi ontem o único a sair em defesa explícita de Levy. Ele criticou a postura do PT, de querer minar Levy. Nos bastidores, o ex-presidente Lula trabalha pela saída do ministro.

— Não se trata de amor ao Levy, e sim ao Brasil. A conversa no jantar foi muito dura, muito franca com ele. Mas para ajudar. O que não pode é essa fofocalhada sobre a saída dele. Minha preocupação é como o Brasil vai resistir a essa fofocalhada. Não acho certo que o próprio partido dele, o PT, faça pressão para ele cair — disse Eunício.

O jantar, que durou quase seis horas, foi apelidado por senadores de “massacre” e “sabatina”. Falaram ainda em clima de velório.

O senador Romero Jucá (PMDB-RR) disse que o ministro foi alvo de um verdadeiro “comício” de críticas. Jucá, que conversa com Levy com frequência, não falou no encontro.

— Foi um massacre. Disseram ao ministro que a CPMF não passa, porque só aumento de imposto não adianta, são necessárias medidas estruturantes — disse Jucá.

R$ 32 BILHÕES EM RECEITAS Levy defendeu a aprovação da CPMF, afirmando que precisa dos R$ 32 bilhões de receita do novo tributo: — Tenho que ter receita. O senador Walter Pinheiro (PT-BA) argumentou que as críticas não são a Levy, e sim ao ajuste. A reclamação é que o governo só fala nos cortes, sem falar no pós-ajuste, afirmou.

— Sempre disse que o Levy tem que ir para além do ajuste, para o day after do ajuste. Estou com afta esperando o day after — brincou Walter Pinheiro.

Ontem, Levy tentou agradecer o apoio do PMDB, mas cometeu um ato falho. Enviou carta agradecendo pelo jantar, mas dirigida aos “senadores do PMDB”. Alertado sobre o fato de que o jantar tinha 52 senadores, de vários partidos, divulgou nova versão, endereçada a todos.

“Obrigado pela oportunidade de ouvir o sentimento e avaliação de cada um ontem à noite, e especialmente a receptividade com que fui brindado. O compromisso com o Brasil e o espírito de cooperação entre a mais alta liderança do país na busca de soluções neste momento de tantas incógnitas foram as principais impressões que levei daqueles momentos”, diz a carta.

O documento também reforça o discurso de Levy em defesa do ajuste fiscal como a saída para que o país volte a crescer. Segundo o ministro, o reequilíbrio das contas públicas requer ações para melhorar a qualidade dos gastos e garantir as receitas necessárias.

 

Rumores sobre mudanças na Fazenda derrubam dólar

 

RENNAN SETTI

 

Os rumores de que o ex-presidente Banco Central (BC) Henrique Meirelles estaria cotado para assumir o Ministério da Fazenda agradaram ao mercado financeiro e fizeram a cotação do dólar recuar ontem. Pela manhã, a moeda chegou a cair 2,3%, mas recuperou o fôlego após o encontro amistoso entre Meirelles e o atual ministro, Joaquim Levy, e fechou em queda de 0,55%, a R$ 3,77. Na mínima do dia, atingiu R$ 3,70 — a menor cotação registrada ao longo de uma sessão desde 2 de setembro, antes do rebaixamento da nota do Brasil pela Standard & Poor’s, quando chegou a R$ 3,69. A Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) subiu 1,86%, para 47.065 pontos.

— Os rumores esfriaram ao longo da tarde. O mercado vinha dando alívio no dólar, provavelmente com a expectativa de que Meirelles teria maior habilidade para negociar os pontos do ajuste fiscal. Mas a questão é que não bastaria apenas a trocar o ministro. O problema é estrutural, e a agenda de reformas necessárias está dada. Ela precisa é ser implementada — afirmou Maurício Pedrosa, da Queluz Asset Management.

Na Bolsa, o dia foi de ganhos para as ações da Petrobras, dos bancos e do setor elétrico.

— O mercado avançou como um todo motivado por esse oba-oba de Meirelles, interpretando que ele teria um trâmite melhor com o Legislativo e com o próprio setor financeiro — comentou Luiz Roberto Monteiro, operador da corretora Renascença.

‘ARTICULADOR MAIS HÁBIL’ Em comentário enviado aos clientes, o economista-chefe da Gradual Investimentos, André Perfeito, avaliou que faria sentido Meirelles assumir a Fazenda. “Meirelles é uma espécie de coringa político. Ele foi eleito deputado pelo PSDB, não assumiu porque foi nomeado presidente do Banco Central por Lula, se filiou ao PMDB e hoje está no PSD de Kassab. Meirelles tem trânsito político e pode ser ‘de todos’ sem ser de ninguém”, escreveu.

— A maior parte dos agentes do mercado vê no Meirelles um articulador político mais hábil que Levy. Pelo que parece, o Congresso não tem mesmo qualquer boa vontade com ele — afirmou Daniel Weeks, da Garde Asset.

 

Discurso de Meirelles agrada a empresários em evento

 

ELIANE OLIVEIRA

 

 Empresários ouvidos pelo GLOBO que assistiram às apresentações do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e do ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles no primeiro dia do Encontro Nacional da Indústria (Enai) gostaram mais do discurso do segundo palestrante.

Praticamente todos afirmaram que a crise atual é politica, e vários disseram preferir Meirelles à frente do Ministério da Fazenda, devido não apenas à sua experiência no campo político e à frente do BC, mas também por ter apontado em sua fala ações de médio e longo prazos.

O empresário Roberto Lima, do setor de higiene e limpeza, avaliou que Levy se preocupa mais com o curto prazo, enquanto Meirelles apresentou dados levando em conta o futuro. Para ele, Meirelles teria mais condições de resolver os problemas de ordem política, onde Lima acredita estar a solução para a economia.

Edilson Batista Trindade, da indústria de laticínios, disse que Levy e Meirelles não apresentaram nada de novo. Ainda assim, ele prefere Meirelles.

O empresário Roberto Lima, do setor de madeira, afirmou que os discursos de ambos foram “pura enrolação”. Para ele, o ministro da Fazenda deveria ter um perfil mais dinâmico, voltado para o que o Brasil realmente precisa no momento.

— O ministro Levy não trouxe soluções. Já o Meirelles mostrou quem ele é — disse Guido Raupp, empresário da indústria de reparação de veículos.

CARGO INFLUENCIA Segundo José Antonio Buhaten, do setor de panificação, Levy não fez nada diferente do que se esperava, até por causa da função que ocupa. E Meirelles foi mais realista, avalia.

Já o presidente do Sindicato da Construção Civil do Paraná, José Eugênio Gizzi, disse que, se Meirelles estivesse no lugar de Levy, também seria obrigado a fazer um ajuste, provavelmente idêntico ao proposto pelo atual ministro da Fazenda.

Igor Ploger, do setor de serviços e presidente do Conselho Empresarial da América Latina, lembrou que Levy sofre forte pressão para aprovar o Orçamento de 2016. Meirelles, por sua vez, está em uma situação de espectador e pode falar de uma maneira completamente livre.