Governo vence, e Câmara aprova projeto que repatria recursos

 

Simone Iglesias

O globo, n. 30047, 12//11/2015. País, p. 5

 

A Câmara dos Deputados aprovou ontem o programa que permite a regularização de recursos enviados ao exterior sem declaração à Receita. O texto prevê que a origem do dinheiro precisa ser lícita. O projeto é parte do pacote de ajuste fiscal do governo. -BRASÍLIA- O governo conseguiu aprovar ontem à noite na Câmara dos Deputados, sob protestos da oposição, o programa que permite a repatriação ou regularização de recursos enviados ao exterior sem declaração à Receita Federal. O texto-base aprovado permite a legalização de dinheiro e bens e concede anistia a vários crimes, como sonegação fiscal, evasão de divisas, lavagem de dinheiro, descaminho, sonegação de contribuição previdenciária, uso de identidade falsa para operação de câmbio, crime contra a ordem tributária, falsificação de documento público e de documento particular e falsidade ideológica.

Apesar de o projeto frisar que a lei só se aplica a recursos lícitos, deputados reconhecem ser difícil fazer essa aferição, principalmente nos casos de descaminho e lavagem de dinheiro. O projeto original previa que o declarante provasse a origem dos recursos com documentos, item que saiu do texto final aprovado. O interessado na regularização só será excluído do programa se apresentar documentos falsos para provar a origem do dinheiro. O placar da aprovação foi apertado: 230 favoráveis, 213 contrários e sete abstenções. NA VOTAÇÃO DE DESTAQUES, DERROTA DO GOVERNO Na votação dos destaques ao texto-base, o governo sofreu uma derrota e não conseguiu restabelecer o destino original dos recursos provenientes da repatriação, que seriam para constituir um fundo de equalização do ICMS. Apesar de PT, PMDB, PDT, PCdoB, PSOL, PV, Rede e PSB terem encaminhado apoio pela mudança, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), rejeitou com base na leitura visual do plenário. O governo não pediu verificação dos votos, o que obrigaria um resultado numérico. Pelo texto do relator, que foi aprovado, o destino dos recursos será a distribuição pelos critérios do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).

O prazo para adesão ao programa será de 210 dias, mas não há como definir ainda o início de sua vigência porque a proposta precisa ser votada pelo Senado, onde o governo poderá tentar restabelecer a destinação dos recursos para a criação do fundo de equalização do ICMS. Caso os senadores façam alterações, o projeto voltará à Câmara para nova votação. O líder do governo, deputado José Guimarães (PT-CE), rebateu as críticas e negou que possa haver legalização de recursos ilícitos:

— A oposição é contra por uma razão básica: inviabilizar o governo. Não quer que o governo arrecade. Vai chegar dinheiro no Brasil, e não vamos comprometer a ética — disse.

Apesar da expectativa de arrecadação de até R$ 50 bilhões, o governo tem dúvidas sobre o valor real, porque isso dependerá da adesão ao programa.

Para a oposição, o projeto é complexo, e o momento vivido no país, com a Operação Lava-Jato, ruim para que esse tipo de medida vigore. O deputado Moroni Torgan (DEM-CE) disse que a aprovação do projeto cria “a lei da lavanderia”:

— Vai oficializar o laranjal, porque tudo quanto é laranja vai virar fonte lícita, vai incentivar o crime organizado no nosso país — afirmou. PSDB IMPEDE BENEFÍCIOS A POLÍTICOS DA LAVA -JATO O único partido que votou integralmente com o governo foi o PCdoB. Os demais aliados tiveram dissidências. Dos 60 petistas que votaram, dois foram contra. No PMDB, foram 51 a favor e 11 contra. Divisões maiores ocorreram no PDT (7 a 5 ); no PP (18 a 14 e duas abstenções); no PR (18 a 7 e três abstenções); no PRB (8 a 11); no PSD (12 a 15); e no PROS (8a 3). Na oposição, PSDB, Rede, PSOL e PPS votaram contra. No DEM, dois a favor; no PSB, um.

A Procuradoria-Geral da República divulgou nota pela reprovação do projeto. Policiais federais conversaram com deputados e explicaram que a anistia de recursos provenientes de lavagem de dinheiro beneficiará os envolvidos na Lava-Jato. Um parlamentar que pediu reserva, disse que os empreiteiros que se beneficiaram de recursos da Petrobras poderão legalizar o dinheiro sem problemas, porque suas empresas têm lastro e podem burlar a proibição de legalizar recursos de caixa dois e associação criminosa.

Numa reviravolta nos minutos finais de votação, o PSDB aprovou um destaque proibindo que quem tem cargo eletivo e seus familiares possam se beneficiar da repatriação. O texto foi aprovado por 351 votos a favor, 48 contra e cinco abstenções. A emenda teve apoio de praticamente todos os partidos. Com isso, nenhum político envolvido na Lava-Jato, por exemplo, que tenha recursos no exterior, poderá se beneficiar do programa.

No início da votação da mudança houve confusão no plenário. Assim que o PSDB apresentou o destaque com a proposta, Eduardo Cunha rejeitou a emenda sem que os deputados presentes votassem individualmente. Os tucanos começaram a vaiar e acusaram Cunha de manobrar a votação para se beneficiar com a matéria.