‘Denúncia espontânea’ à Receita é nova estratégia de deputado

 

FRANCISCO LEALI

O globo, n. 30047, 12//11/2015. País, p. 7

 

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDBRJ), determinou que seus advogados procurem ainda esta semana a Receita Federal para tentar regularizar a situação fiscal de sua mulher, Cláudia Cruz. Documentos da Suíça mostram que ela tinha conta naquele país e nunca as declarou às autoridades brasileiras.

Será apresentada à Receita pela defesa de Cunha e da mulher a chamada “denúncia espontânea”, reconhecendo que ela não declarou a movimentação dos recursos dos quais fez uso no exterior. Como determina a legislação, ela terá que pagar multa sobre o valor de toda a movimentação na conta no período de 2011 até hoje. A Receita só pode cobrar débitos referentes aos últimos cinco anos. Sobre o valor movimentado, Cláudia Cruz terá que pagar imposto de 27,5% e multa de 20%. Os valores serão atualizados pela taxa Selic. Caso esperasse ser autuada pela Receita, Cláudia Cruz pagaria multa de até 100% sobre valor não declarado.

Os papéis que foram remetidos ao Supremo Tribunal Federal (STF) mostram que Cláudia Cruz usou os recursos depositados para pagar despesas pessoais e da família no exterior. Entre os gastos estão cursos em escolas europeias para os filhos de Cunha. O dinheiro depositado na conta também foi usado para ressarcir as despesas de dois cartões de crédito internacionais da mulher do presidente da Câmara.

Em entrevista na semana passada, Cunha só admitiu que haveria problema fiscal na conta de sua mulher.

— A discussão que vai acontecer com a Receita é que (a Receita) vai considerar que isso é uma omissão de rendimento e vai ficar discutindo. Mas não considero como sonegação, porque ela (Cláudia) não teve um ganho e gastou, não teve rendimento omitido — disse Cunha na entrevista ao GLOBO.

Indagado se pretendia resolver o assunto com a Receita, reconheceu sua intenção:

— Encerrar o debate. É pagar algo que posso discutir a vida inteira e não ter que pagar. NADA MUDA NA ESFERA PENAL Já em relação a ele mesmo, Cunha sustenta que o patrimônio estava sob controle de uma trust e, portanto, os ativos não eram mais seus. Por isso, não seria obrigado a declará-los. Auditores da Receita entendem, no entanto, que todos os beneficiários de trusts no exterior são obrigados a declarar os rendimentos ao Fisco.

O pagamento da multa à Receita teria efeito limitado na esfera penal. Cláudia é investigada ao lado do marido em inquérito no STF. O reconhecimento do débito e sua quitação só poderiam livrar a mulher de Cunha do crime de sonegação fiscal, mas não de eventual processo de evasão de divisas, já que, no caso dela, os recursos estão no exterior. Cunha e a mulher são investigados também pela suspeita de lavagem de dinheiro. O presidente da Câmara responde ainda por corrupção.

Para tentar justificar que os recursos que abasteceram sua conta tem origem em negócios lícitos no exterior, Cunha apresentou a líderes partidários registros em seu passaporte de dezenas de viagens realizadas à África no final dos anos 80. O GLOBO pediu a sua assessoria cópia desses passaportes antigos, mas não houve resposta.