Governo aperta o cerco

 

SIMONE IGLESIAS, JAILTON CARVALHO, DE CATARINA ALENCASTRO, DAIANE COSTA E MÁRCIO MENASCE 

O globo, n. 30046, 11//11/2015. Economia, p. 21

 

Medida provisória fixa punição de até R$ 38 mil para quem organizar paralisação nas rodovias e amplia penalidade por interdições para até R$ 11.492. Greve perde força, mas já afeta produtores agropecuários

DENNY CESARE/CODIGO19Menos fôlego. Bloqueio em Paulínia (SP): número de interdições e de estados afetados foi menor ontem

No segundo dia de greve de caminhoneiros, os protestos afetaram oito estados, contra 12 na véspera. Ainda assim, o governo baixou medida provisória fixando multa de R$ 19.154 para quem organizar bloqueios. No caso de reincidência, a punição é de R$ 38.308. A multa inicial para o motorista que perturbar a circulação nas vias foi ampliada de R$ 1.915 para R$ 5.746, podendo chegar a R$ 11.492. A presidente Dilma criticou as interdições: “Há muito tempo que se manifestar no Brasil não é crime. Mas atrapalhar a economia popular e paralisar o abastecimento de uma cidade é crime.” Em São Paulo, produtores de laranja não receberam fertilizantes. E exportadores de carnes temem dificuldades para o embarque. -BRASÍLIA E RIO- Apesar de a greve dos caminhoneiros ter enfraquecido ontem, o governo aumentou a pressão pelo fim da mobilização iniciada na segunda-feira. Ontem, a presidente Dilma Rousseff disse que “paralisar o abastecimento de uma cidade é crime”. Mais tarde, o governo aumentou o valor das multas e ampliou as sanções aos caminhoneiros que bloquearem estradas. A greve já está afetando a lavoura de laranja, que ficou sem fertilizantes.

— Há muito tempo que se manifestar no Brasil não é crime. Mas atrapalhar a economia popular e paralisar o abastecimento de uma cidade é crime — disse Dilma durante visita às obras da Linha 4 do metrô do Rio.

A presidente assinou medida provisória acrescentando um artigo ao Código Nacional de Trânsito para punir quem usar veículos para restringir ou perturbar a circulação na via. A partir de hoje, a multa de R$ 1.915 passa para R$ 5.746. No caso de reincidência, o valor dobra: R$ 11.492. A punição é ainda mais pesada para quem organizar os bloqueios: R$ 19.154 e, se houver reincidência, R$ 38.308. Quem for multado não poderá se habilitar para receber crédito subsidiado para compra de veículo. Além da medida provisória, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, autorizou o uso da Força de Segurança Nacional para desbloquear estradas. Cardozo disse que as medidas não são uma tentativa de “brigar contra opositores”:

— Há uma tentativa de atender ao interesse público. A pergunta que faço é: qual a pauta? Não há pauta. Como se senta para dialogar sem pauta? É um movimento claramente político.

Ontem, o líder do Comando Nacional do Transporte (CNT), Ivar Schmidt, fez chegar ao ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, a informação de que gostaria de se reunir com ele. Foi informado de que o governo não receberá qualquer liderança enquanto houver bloqueio nas estradas.

A Advocacia-Geral da União (AGU) estuda entrar com ação contra caminhoneiros que bloquearem estradas federais. Ontem, advogados da AGU estavam em contato com representantes do Ministério da Justiça e da Polícia Rodoviária Federal (PRF) para definir a linha de atuação no caso. A ideia é repetir a estratégia adotada na última greve da categoria em fevereiro, quando, a pedido da AGU, a Justiça Federal determinou o desbloqueio das rodovias e estabeleceu multas para quem descumprisse a ordem.

PRODUTORES TEMEM EFEITOS DA GREVE Mesmo com o enfraquecimento da paralisação — eram 36 bloqueios em oito estados ontem, contra 48 em 11 estados no dia anterior, conforme boletim da PRF — a greve preocupa produtores do país, que temem problemas nas exportações e na produção.

— Os exportadores trabalham com contrato e podem ser punidos caso as entregas atrasem. No máximo até o início de dezembro, esses produtos precisam chegar à Rússia, porque, depois, o inverno congela a água, e os portos param — explica o presidente da Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo), Péricles Salazar.

Segundo a entidade, cerca de 10% do volume de carne bovina a ser exportado este mês vão para Rússia, que deve receber 15 mil toneladas, gerando entre US$ 60 milhões e US$ 70 milhões às empresas brasileiras. A Rússia é o terceiro maior comprador do produto brasileiro, atrás de China e Egito. Como o embarque é feito ao longo do mês, a Abrafrigo não soube precisar quanto ainda precisa ser embarcado. Mas, como restam 19 dias até dezembro, a maior parte ainda deve ser despachada.

Francisco Turra, presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), que representa os produtores de suíno e frango, lembrou que a indústria tinha sido afetada em outubro pela greve dos fiscais agropecuários e pelo fechamento de portos da Região Sul — por onde a maior parte da exportação é escoada — reduzindo em 30 mil toneladas a exportação de frango e em 5 mil toneladas a de suínos.

— Este mês tínhamos a necessidade de recuperar isso. E é um mês crucial porque também aumenta o consumo interno por conta das festas de fim de ano — explica Turra.

A ABPA não tem uma estimativa do volume que será exportado no mês. A Rússia é o principal comprador externo de carne suína do Brasil. Em outubro importou 21,47 mil toneladas, gerando receita de US$ 47,43 milhões, mas sequer está entre os dez maiores compradores de frango do país.

FALTA DE ADUBO PODE AFETAR PREÇO A preocupação dos produtores de laranja do interior de São Paulo é com a adubação das lavouras, feita mensalmente entre outubro e janeiro. O bloqueio de estradas já impede a entrega de fertilizantes em algumas fazendas, pondo a safra em risco, disse o presidente da Associação Brasileira de Citricultores (Associtrus), Flavio Viegas:

— Sem adubo, dificilmente as árvores poderão produzir sua capacidade máxima. E, se houver queda na produção, sobe o preço do quilo.