Oposição se afasta de Cunha

 

ISABEL BRAGA

O globo, n. 30046, 11//11/2015. País, p. 3

 

A bancada do PSDB decidiu romper com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, investigado na Lava-Jato e no Conselho de Ética da Casa. Filho do exdeputado Fernando Diniz, Felipe Diniz negou ontem ter indicado ao lobista João Augusto Henriques conta na Suíça para depositar dinheiro para Cunha. -BRASÍLIA- Após dez meses de batalhas permanentes com o PT e o governo, o destino do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), poderá ficar nas mãos de dois deputados petistas. O GLOBO ouviu segunda e terça-feira 16 dos 21 integrantes do Conselho de Ética e oito deles disseram que as declarações de Cunha à imprensa no fim de semana reforçam a necessidade levar adiante as investigação por quebra de decoro: quatro deputados da oposição (PSDB, DEM e PPS), um do PSB, um do PDT e um do PT, além do presidente do Conselho, José Carlos Araújo (PSD-BA), que só votará em caso de empate. Caso o relator da representação, Fausto Pinato (PRB-SP), confirme a sinalização de que dará seguimento ao processo contra Cunha, faltariam dois votos para obter a maioria. Além de Zé Geraldo (PT-PA), que disse que votará pela abertura, o PT tem mais dois integrantes no Conselho: Valmir Prascidelli (SP) e Leo de Brito (AC).

O GLOBO ouviu Prascidelli, que disse que irá aguardar o relatório de Pinato para se pronunciar, mas sinalizou que, com base no que veio à tona até agora, há indícios suficientes para dar andamento ao processo. Brito não atendeu às ligações do jornal. Zé Geraldo, no entanto, disse que sua posição será de defender a continuidade do processo. Ele diz que não houve qualquer pressão do PT ou do governo e que, em relação à admissibilidade, não adiantarão apelos para que mude de posição.

— Eu defenderei a continuidade, ainda mais agora, depois da defesa que ele apresentou na imprensa. Não dá para brincar com a inteligência do povo brasileiro. O PT não falou nada e nem acho que vá falar, mas nessa coisa aí não adianta apelo — disse Zé Geraldo.

Ontem, o PSDB reuniu à noite sua bancada e, por unanimidade, decidiu romper com Cunha. Os tucanos prometem discursar em plenário pedindo a saída do presidente, o que agrava a situação do deputado na Câmara. Ao longo do dia, reforçando a posição da oposição no Conselho de Ética, os líderes do PSDB, Carlos Sampaio (SP), e do DEM, Mendonça Filho (PE), fizeram declarações contra Cunha.

— Nunca contei com o PSDB pra nada. Aliás, o candidato do PSDB (à presidência da Câmara) foi o Julio Delgado, investigado na Lava-Jato — disse Cunha.

Os tucanos Betinho Gomes (PE) e Nelson Marchezan Júnior (RS) também afirmaram que não há como evitar o andamento do processo. Marchezan disse que a sociedade não “perdoaria o parlamento” caso o Conselho arquivasse sumariamente o processo contra Cunha. Betinho Gomes reforça o entendimento:

— Há elementos suficientes para dar seguimento ao processo no Conselho. Seria um escândalo nacional arquivar sumariamente.

— O que foi apresentado contra o presidente Eduardo Cunha é sério e grave, e, até agora, a defesa que ele apresentou é confusa e deficiente. Mesmo sabendo que há uma causa maior, que é o impeachment, o PSDB jamais vai transigir com a ética — disse Sampaio.

— O que levou a oposição a se posicionar foi o embaraço do presidente em sair com entrevistas à imprensa achando que ia cessar os questionamentos. Ao meu ver, ele aumentou os questionamentos. A defesa tem furos e evidentemente a imprensa, a sociedade e o próprio parlamento irão questionar isso em busca dos esclarecimento às graves denúncias. Eu sempre disse que não ia blindá-lo e nem prejulgá-lo. O tempo só complica ainda mais o cenário — acrescentou Mendonça Filho.

A oposição pressiona Cunha pela abertura do impeachment contra a presidente Dilma e vinha dando declarações pouco efetivas contra o presidente da Câmara. Cunha, por sua vez, vinha usando sua prerrogativa de decidir sobre os pedidos para equilibrar-se entre o apoio do governo e da oposição. Ontem, em mais um movimento para não perder de vez o apoio dos oposicionistas, Cunha sinalizou a líderes que pode assinar o pedido de impeachment até o dia 24, data prevista para a votação do relatório no Conselho de Ética.

Todos os deputados da oposição tomam cuidado de não entrar no mérito da representação feita pelo PSOL e pela Rede contra o presidente da Casa, para evitar acusação de prejulgamento, mas afirmam que existem evidências que obrigam o conselho a aprofundar as investigações.

— É até importante que se dê continuidade para que o presidente possa se defender. O foro adequado é o conselho. O processo deve andar — afirmou o deputado do DEM, Paulo Azi (BA).

Mesmo entre os deputados mais próximos de Cunha no Conselho, muitos preferem não declarar voto e dizem querer aguardar o relatório de Pinato. É o caso dos deputados Arnaldo Faria de Sá (PTBSP), Cacá Leão (PP-BA), Ricardo Barros, Washington Reis (PMDB-RJ) e Wellington Roberto (PB). O único a defender abertamente o arquivamento imediato da ação é Paulinho da Força (SD-SP).

 

Operação Congo

 

Para tentar provar que realmente vendeu carne enlatada, na década de 1980, do Brasil para o Congo e o Zaire (que hoje se chama República Democrática do Congo), o presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), apresentou cópias de seus passaportes a líderes partidários que recebeu ontem, em almoço na sua casa. Segundo os líderes, os documentos mostram 37 carimbos de entrada nos dois países africanos em dois anos.

Os documentos foram apresentados durante o cafezinho. Conforme publicado pelo GLOBO, Cunha justificou como fonte para ter obtido o dinheiro que manteve no exterior a venda de produtos, entre eles carne enlatada, aos dois países africanos, e operações no mercado financeiro.

Líderes que viram os documentos foram receptivos às explicações. Para eles, o fato de Cunha ter ido 37 vezes à África a trabalho, e não a passeio, é positivo. Cunha fez questão de dizer que comercializava não só carne, mas arroz, feijão e açúcar.

Aliado próximo de Cunha, o líder do PTB, Jovair Arantes (GO), disse ter ficado convencido:

— Achei bem consistente. Ele mostrou passaporte da época em que fazia exportação para a África. Ninguém vai à África 37 vezes passear, são business (negócios).

O GLOBO não conseguiu acesso à cópia do passaporte de Cunha, que foi pedido à sua assessoria.

Cunha afirmou ontem que entregará sua defesa no Conselho de Ética, relativa à fase preliminar, até a próxima segunda-feira.

— Meu advogado vai apresentar defesa formal até segunda. Fui notificado só ontem, vamos aguardar o parecer. Não quero antecipar qualquer fato formal, apenas mostrei (os passaportes a alguns líderes partidários), dei uma simples prova de que o conteúdo que a gente estava apresentando era verossímil. (Apresentei) para combater a especulação, a esteriotipização, de que não teria existido isso — afirmou Cunha.

Cunha disse estar “completamente confiante” na sua absolvição.

 

Empresário nega ter indicado conta de deputado

 

EDUARDO BRESCIANI

 

O empresário Felipe Diniz, filho do ex-deputado Fernando Diniz (PMDB-MG), negou em depoimento à Procuradoria-Geral da República ter indicado ao lobista João Augusto Henriques a conta do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDBRJ), na Suíça para que fossem feitos depósitos. Henriques repassou 1,3 milhão de francos suíços, mais de R$ 5 milhões, em 2011 a uma das contas de Cunha e disse que a indicação foi de Felipe Diniz.

ANDRE COELHOLava-Jato. Eduardo Cunha durante reunião com líderes partidários: o presidente da Câmara diz ter emprestado dinheiro para o ex-deputado Fernando Diniz, que morreu em 2009

O presidente da Câmara afirmou em entrevista ao GLOBO que tinha passado o número da conta para Fernando Diniz quando lhe fez um empréstimo, mas que nunca cobrou o valor ao filho após a morte do pai, em 2009.

O conteúdo do depoimento de Felipe foi revelado pelo site do jornal “Folha de S. Paulo” e confirmado ao GLOBO pelo advogado dele, Cleber Lopes. O empresário negou ter indicado a conta e disse nem saber que o pai tinha uma dívida com Cunha.

— Ele (Felipe) não indicou nenhuma conta. Ele diz que não tinha conhecimento se o pai tinha algum negócio com o Eduardo que pudesse render algum crédito para o Eduardo. Ele disse, inclusive, que não tinha esse tipo de conversa com o pai. O pai era um mineiro por excelência, recatado, e ele não tinha esse tipo de conversa. Ele não pode dizer se tinha ou não tinha qualquer débito. Ele não tinha conhecimento e, consequentemente, não indicou nenhuma conta para que fosse feito qualquer pagamento — afirmou o advogado.

O depoimento de Felipe Diniz foi dado dia 20 de outubro, na sede da PGR, em Brasília. A oitiva faz parte do inquérito aberto no Supremo que investiga supostos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro que possam ter sido praticados por Cunha, sua mulher, Cláudia Cruz, e uma de suas filhas, Danielle, nas contas secretas que tinham na Suíça.

Cleber Lopes afirmou que seu cliente também negou acusações feitas por João Augusto Henriques sobre a entrega de malas de dinheiro. Segundo o advogado, Felipe “não tem nada a ver com essa atividade clandestina” e tem vocação empresarial.

Em entrevista ao GLOBO, Cunha afirmou que já tinha lido o depoimento de Felipe. Cunha tratou como “suposição” que o repasse de Henriques para uma das contas das quais era beneficiário fosse a quitação do empréstimo ao ex-deputado. Disse que esteve algumas vezes com Felipe após o falecimento do pai, mas negou ter cobrado o empréstimo. Cunha ressaltou que o dinheiro “não foi reconhecido pela trust” e que não houve movimentação. Afirmou que no extrato da conta da empresa não havia o registro da origem do dinheiro.

Segundo o “Jornal Nacional”, Felipe esteve ontem na casa de Cunha. Cleber Lopes disse desconhecer o encontro. A assessoria de Cunha divulgou nota sobre a visita. “Em relação à visita do Sr. Felipe Diniz ao Presidente da Câmara, os advogados assim se manifestam: A defesa do deputado Eduardo Cunha esclarece que, por volta das 7h, desta terça-feira, 10/ 11, o deputado foi informado pela segurança da residência oficial que uma pessoa o estava aguardando. Ao abrir a porta, foi surpreendido com a presença do senhor Felipe Diniz. Por não o ter convidado, e por desconhecer a motivação da sua presença — que aliás causou profunda estranheza — de imediato o informou ser totalmente impertinente a visita. O parlamentar disse a ele, ainda, que caso tivesse algo a dizer, que procurasse seus advogados.”