Pessoa muda de tom e diz que propina não abastecia campanhas

 

RENATO ONOFRE THIAGO HERDY

O globo, n. 30046, 11//11/2015. País, p. 4

 

Em novo depoimento, o dono da UTC, Ricardo Pessoa, um dos delatores da Lava-Jato, disse que as propinas para obter contratos na Petrobras abasteciam partidos, mas não campanhas. -SÃO PAULO- Em depoimento ao juiz Sérgio Moro divulgado na noite de segunda-feira, o dono da UTC e delator da Lava-Jato, o empresário Ricardo Pessoa, afirmou que as doações da empresa durante as campanhas eleitorais não tinham relação com a propina paga no esquema de corrupção na Petrobras. Segundo o empreiteiro, as doações a políticos eram realizadas com o intuito de manter influência política, e está dissociada dos repasses ligados ao esquema da estatal.

AILTON DE FREITAS/15-09-2015Lava-Jato. Pessoa, dono da UTC: à PGR, ele afirmou ter doado R$ 54 milhões para campanhas políticas em 2014

A veracidade da tese do presidente da UTC, que voltou a trabalhar em sua empresa usando tornozeleira eletrônica desde quando assinou um acordo de colaboração, ainda deverá ser confirmada pela força-tarefa da Lava-Jato que atua em Brasília, responsável por apurar eventual vínculo entre as doações com atos de corrupção na Petrobras.

Em depoimentos anteriores, Pessoa chegou a afirmar que “costumava atrasar os pagamentos de propina porque sabia que, na época das eleições, iria ser demandado novamente a fazer novos pagamentos”. Em outro depoimento, ele relacionou a doação à campanha de Dilma em 2014 a uma conversa que teve com o então tesoureiro da campanha, Edinho Silva. Pessoa disse ter sido pressionado a fazer doação pelo agora ministro. Isso motivou a abertura de inquérito no Supremo sobre Edinho. DOAÇÃO: PERÍODO ESPECÍFICO No novo depoimento, realizado na 13ª Vara Federal Criminal da Justiça Federal em Curitiba, Pessoa negou haver vínculo entre os pagamentos.

— Na época de campanha, as contribuições de campanha não tinham nada a ver com propina. Eram contribuições de campanha mesmo. O restante não, era como se pagava a comissão da propina da Petrobras — disse o empreiteiro.

A tese enfraquece a disposição da oposição de associar as contas de campanha de 2014 de Dilma à corrupção no relacionamento da UTC com a Petrobras, em discussão no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Na audiência, Moro perguntou se, em época de campanha, o empreiteiro fazia doações a políticos vinculadas a acertos decorrentes de contratos da Petrobras.

— Vinculadas? Não, senhor. Porque as doações de campanha vinham com pedidos específicos para candidatos. O (João) Vaccari (ex-tesoureiro do PT) também, às vezes, pedia doações de campanha e ele não vinculava (a propina) a isso (doação).

O juiz questionou, ainda, se houve algum tipo de vantagem por conta de doações a campanhas políticas.

— Não, senhor — respondeu o empresário.

Em depoimentos anteriores, Pessoa havia revelado manter um controle contábil em sintonia com João Vaccari, para administrar o pagamento de propina ao PT, diretamente relacionada a percentual de obras obtidas na Petrobras. Os pagamentos totalizaram entre R$ 15 milhões e R$ 20 milhões, e ocorriam por meio de doações a partido político ou em dinheiro vivo.

Segundo ele, doações para campanha eram realizadas em períodos específicos, mas por outro motivo: em troca de influência e poder junto aos candidatos de diferentes partidos, inclusive do PT, para manter o “status” da UTC junto aos contratantes governamentais.

Dessa forma, segundo Pessoa, doações eleitorais ao PT não eram debitadas do cálculo de propina devida e relacionada a obras da Petrobras.

Em depoimento realizado no início do ano a representantes da Procuradoria-Geral da República (PGR), o empresário afirmou ter doado R$ 54 milhões na campanha de 2014, valor bem maior que o registrado em anos anteriores, devido a “estratégia da UTC em ampliar sua área de relacionamento, visando o aumento do volume de negócios da empresa”.

“O aumento das doações políticas (...) propicia a abertura de portas para que você tenha legitimidade para propor e discutir oportunidades de negócios”, disse Pessoa, na ocasião.

O ex-executivo da Camargo Corrêa Eduardo Leite admitiu o pagamento de propina como doação às campanhas. Leite, ex-vice-presidente da Camargo Corrêa, disse que R$ 10 milhões foram para a campanha de Dilma em 2010, a pedido de Vaccari. À PGR, ele confirmou o “uso do caixa oficial da campanha para o pagamento de propina”.

O dono da UTC foi convocado para prestar novo depoimento dia 20 de novembro, no processo em que é réu, em Curitiba. TRANSFERÊNCIA DA PRISÃO O juiz Sérgio Moro autorizou ontem a transferência de Nestor Cerveró, ex-diretor da Área Internacional da Petrobras, da carceragem da PF para o Complexo Médico-Penal em Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba. Além dele, serão transferidos: o lobista ligado ao PMDB João Augusto Henriques e José Antunes Sobrinho, um dos donos da Engevix. O pedido de transferência foi feito pela PF.

 

O eixo internacional da Lava-Jato

 

CLEIDE CARVALHO RENATO ONOFRE

 

Forças-tarefas de pelo menos três países já negociam acordos de colaboração premiada com delatores da Operação Lava-Jato. Autoridades dos Estados Unidos, Itália e Peru estiveram em Curitiba, em contatos com advogados e procuradores para colher informações. Entre os procurados estão o doleiro Alberto Youssef, o ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco e o lobista Júlio Camargo. Os trabalhos mais adiantados até agora, porém, são os da força-tarefa italiana, que apura a participação das empresas Techint e Saipen no esquema de corrupção da Petrobras.

A força-tarefa da Itália já teve acesso a depoimentos de João Antonio Bernardi Filho, que foi funcionário da Saipen e atuou como operador de propina para o ex-diretor da Petrobras Renato Duque. Os investigadores querem saber se ele operou pagamento de propina para a Saipen e para a Techint, empresas italianas. Bernardi forneceu detalhes sobre pagamentos da Saipen, que desembolsou propina para assegurar contrato nas obras do gasoduto submarino, que interliga os campos de Lula e Cernambi. Contou ter movimentado cerca de R$ 9,4 milhões para Duque.

O maior interesse das autoridades italianas, no entanto, é a participação da Techint. Em relatório da Polícia Federal, ela aparece como dona do segundo maior volume de contratos obtidos entre as 27 empresas do cartel, atrás apenas da Odebrecht. O nome da companhia apareceu envolvido nas irregularidades da usina Angra III, por suposto pagamento de propina a Othon Silva, ex-presidente da Eletronuclear. A multinacional colabora com as investigações. Até o fechamento desta edição, a Saipen e Techint não se pronunciaram.

O ex-ministro José Dirceu também é alvo. Investigadores peruanos pediram informações sobre os contratos de consultorias que Dirceu fez. O ex-ministro é acusado de intermediar reuniões com políticos do Peru com auxílio de Zaida Sisson, mulher do ex-ministro da Agricultura do Peru Rodolfo Bravo. Dirceu é alvo ainda da Procuradoria de Portugal, que investiga corrupção em negócios da Portugal Telecom e do Grupo Espírito Santo no Brasil. O advogado do ex-ministro disse que não teve acesso as investigações, mas que tem “certeza de que não há irregularidade” da parte de Dirceu.

Desde o início das investigações, os americanos tiveram acesso às informações da Lava-Jato. O objetivo é garantir ressarcimento de perdas a fundos de investimentos e a fundos de pensão que entraram com ação na Corte de Nova York contra a Petrobras.

Ontem, o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa reafirmou que o lobista Fernando Baiano era o operador do PMDB no esquema de corrupção da Petrobras. Em depoimento ao juiz Sérgio Moro, Costa disse que Baiano tinha uma relação próxima com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDBAL), e que “com certeza colocava dinheiro no PMDB”. Desde o início das investigações, Renan nega envolvimento no esquema. Costa voltou a citar políticos que teriam recebido propina.