Gigantes da cerveja entram na disputa por sabores exóticos

 

BRUNO ROSA E EDUARDO ZOBARAN 

O globo, n. 30043, 08//11/2015. Economia, p. 36

 

De olho em um segmento em que uma cerveja pode custar até R$ 120, as maiores companhias do setor têm investido pesado na ampliação dos chamados rótulos especiais. Na busca por uma maior rentabilidade nos negócios, gigantes como Ambev (dona de Skol e Brahma), Brasil Kirin (Schin) e Petrópolis (Itaipava) decidiram partir para o ataque com novos sabores. Para incluir em seus catálogos bebidas com ingredientes inusitados como pimenta-rosa, jabuticaba, abacaxi e até mel, estão comprando cervejarias locais e firmando parcerias com as “pequenas” concorrentes.

CUSTÓDIO COIMBRADiversidade. As maiores cervejarias do país apostam em novidades, de olho na rentabilidade dos rótulos especiais

Mas, segundo analistas, o segmento vai passar ainda por novos processos de aquisições. Recentemente, a Ambev, por exemplo, comprou a mineira Wäls e a paulista Colorado. Há quem acredite em novos negócios, já no curto prazo, envolvendo as rivais Petrópolis e Kirin. Segundo o dono de uma microcervejaria do Rio que pediu para não ser identificado, as grandes companhias estão “sedentas” pelas inovações das empresas menores:

— Eu, que tenho uma cervejaria pequena no interior do Rio, já recebi pedido de conversas com as grandes do setor — disse.

CERVEJA EM BARRIL DE VINHO

Segundo o consultor Alexandre Loures, diferentemente do que ocorreu nos Estados Unidos e na Europa, onde as maiores empresas assistiram a um crescimento do segmento especial e só depois começaram a comprar as marcas menores, no Brasil, esse processo foi diferente:

— As grandes companhias querem participar desse movimento. Então, esse processo começou quando a Brasil Kirin comprou Baden Baden e Eisenbahn (a partir de 2007). O crescimento de renda nos últimos anos permitiu que o brasileiro descobrisse novos sabores. E, agora, o segmento de cervejas especiais vem crescendo porque muitos consumidores estão trocando os vinhos pelas cervejas. As artesanais ainda ganham vantagem em relação às importadas, suas principais concorrentes, já que o dólar alto encareceu esses produtos.

Assim, as empresas correm com os lançamentos. A Ambev, por exemplo, com mais de 50 rótulos, apresenta no fim deste mês uma nova cerveja, feita em parceria com a Wäls e a americana Goose Island (da AB InBev), envelhecida em barris de vinho. Segundo Ricardo Amorim, diretor de Conhecimento Cervejeiro da Ambev, deve chegar ao mercado em breve a nova cerveja Travessia, feita em parceria com a rival Therezópolis, que tem aroma de tangerina:

— Queremos oferecer novas opções para os consumidores. E há a questão da rentabilidade, embora os volumes sejam pequenos. Reformulamos o site Empório da Cerveja, que só vende cervejas especiais.

Quem também prepara novidades é a Petrópolis, dona de marcas como Black Princess e Petra, e que é a única a produzir, fora da Alemanha, as cervejas da marca Weltenburger Kloster, criada em 1905. Ao todo, são 11 rótulos. Segundo Eliana Cassandre, gerente de Propaganda do grupo, a companhia prepara um novo rótulo para 2016.

— Vamos ainda ampliar a distribuição e aumentar os investimentos em marketing. Apesar da crise, o segmento cresce. Hoje a nossa fábrica em Teresópolis só produz as marcas especiais — disse Eliana.

Para Glaucia Gomes, diretora de marketing da Brasil Kirin, a aposta em cervejas especiais é um caminho sem volta. Segundo ela, há enorme potencial de crescimento, “já que essa é uma fatia de mercado que começou a ser explorada há pouco tempo”.

— Sempre estamos atentos para trazer novos paladares. Em março, lançaremos a cerveja vencedora do 6º Concurso Mestre Cervejeiro Eisenbahn.

 

A questão agora é quais tomaremos

 

PEDRO MELLO SOUZA

 

V amos tomar uma cerveja? A resposta a esse convite bem carioca já foi mais simples, mas também bem menos saborosa, instigante e surpreendente. Decidíamos entre duas ou três marcas e escolhíamos o lugar onde era servida. Hoje, as casas onde encontramos as chamadas cervejas especiais têm a cara de um pequeno armazém, onde dezenas — às vezes, centenas — de rótulos dos mais diversos formatos, das mais inesperadas origens, das mais diferentes intensidades, cores e sabores se acotovelam nas prateleiras ou se enfileiram nas chopeiras. São

.Eas e e as assinadas por personagens, principalmente europeus e americanos, que se tornaram cultuados e admirados como artistas e celebrados como astros do futebol.

Como isso aconteceu? Em dois momentos. No primeiro, no início dos anos 90, quando o governo Collor abriu as importações. Com o dólar favorável, chegaram levas de cervejas estranhas ao nosso paladar e ao nosso bolso. Mas, quando começávamos a gostar, as remessas, que chegavam sem qualquer solução de continuidade, se esgotavam. Depois dos choques do dólar, quase sumiram — mas não sem antes deixar uma série de sementes plantadas em nosso paladar.

Foi nesse subterrâneo cambial que aquelas sementes começaram a brotar em nosso paladar fértil. E, sutilmente, veio o segundo momento, após a virada do século XXI. Foi o tempo em que cervejeiros caseiros dos mais diversos pontos do país faziam as primeiras tentativas, seguindo os modelos americanos de cervejas caseiras. Para as panelas domésticas, buscavam lúpulos e maltes importados e produziam primeiro para amigos, depois para grupos locais, escalas estaduais e, hoje, para prateleiras nacionais. Mas há um tempero admirável na veia do cervejeiro brasileiro: a criatividade. Graças e ela e a sabores bem nossos, do açaí ao maracujá, que caímos no mundo e retornamos com prêmios, medalhas e distinções na bagagem, entre elas as que firmaram o Brasil como núcleo global da cerveja artesanal. Essas cervejas, com destaque para as pioneiras Wäls, de Minas Gerais, e Colorado, do interior de São Paulo, mandam nas cartas de casas especializadas e conquistam mais e mais e mais adeptos. E adeptas, já que os próprios comerciantes celebram a multiplicação das mesas exclusivamente femininas em um espaço que já foi insuportavelmente masculino.

O fenômeno de consumo tornou-se uma explosão cultural. Já fomos 40, somos 400, chegaremos, fácil, aos 4 mil. Não é otimismo, é projeção do mercado. No rastro desse estouro, comunidades inteiras acompanham os novos lançamentos e os barris de tiragens limitadas numa romaria por bares e beer trucks, convocadas por redes sociais, como aconteceu recentemente com a cerveja Miwok, do carioca Afonso Dolabella. E com as irreverentes 2 Cabeças e 3 Cariocas. Ou ainda com a simpática Jeffrey, adotada por chefs como Thomas Troisgros e Roberta Sudbrack, que nos ajudam a rebater nossa pergunta inicial. Não queremos mais saber quantas tomaremos. Mas sim quais.