Novas frentes de investigação

 

JAILTON DE CARVALHO 

O globo, n. 30045, 10//11/2015. País, p. 3

 

O Ministério Público apura se o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, usou testas de ferro para movimentar dinheiro, entre 1998 e 2002, no exterior. -BRASÍLIA- A revelação do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), de que manteve conta não declarada no Delta Bank, nos Estados Unidos, e que também entregou recursos para serem administrados por “terceiros” no exterior pode complicar ainda mais a sua situação. A partir das declarações de Cunha, em entrevista ao GLOBO, a força-tarefa da Procuradoria-Geral da República decidiu abrir mais duas frentes de investigação: uma para saber se Cunha usou testas de ferro para movimentar recursos entre 1998 e 2002, antes de criar as chamadas contas em nome de trusts; e outra sobre a conta no Delta Bank. Cunha não declarou às autoridades brasileiras nem a conta no banco americano, nem o repasse de recursos ao que ele chamou de “terceiros” no exterior.

ANDRÉ COELHO/5-11-2015Transação suspeita. Cunha disse que deixou suas aplicações financeiras no exterior com terceiros com base no “instituto da confiança”

Na entrevista publicada no sábado, Cunha disse que ganhou dinheiro no mercado internacional de capitais depois de deixar a Telerj, em 1993, e manteve os recursos em nome de terceiros, no Merrill Lynch. O Ministério Público Federal, que desconhecia essa ramificação dos negócios do presidente da Câmara, entende que o uso de terceiros em tais circunstâncias pode configurar ocultação de movimentação financeira, conduta tipificada no Código Penal como lavagem de dinheiro.

Cunha falou sobre o uso de terceiros ao responder a uma pergunta sobre o que aconteceu com o dinheiro que ele diz ter obtido no comércio exterior, depois que iniciou carreira política.

—De 98 a 2002 não ficou em conta minha direta, ficou aplicado lá fora.

Quando perguntado em nome de quem o dinheiro estava, ele respondeu:

— São terceiros, coloquei a aplicação com eles, porque não tinha condições de gerir. (Eram) pessoas que faziam gestão de recursos. Eram estrangeiros. TRANSAÇÕES COM BASE NA “CONFIANÇA” Em seguida, Eduardo Cunha disse que a transação foi baseada no “instituto da confiança”, mas negou que os gestores fossem “laranjas”, pessoas que emprestam nome a uma outra para acobertar a identidade do verdadeiro dono dos recursos. Para investigadores, não é normal que investidores do mercado internacional, como Cunha se apresenta, façam transações de milhões de dólares lastreadas em amizade.

O Ministério Público Federal tentará, agora, descobrir quem são estes operadores do mercado internacional que, por um determinado momento, mereceram tanta confiança do presidente da Câmara. Os procuradores querem também mais informações sobre a conta no Delta Bank, que Cunha diz ter usado para movimentar dinheiro obtido no exterior no final da década de 80. Relatório do Ministério Público da Suíça informa que Cunha e a mulher, Cláudia Cruz, eram donos de quatro contas no Julius Baer. Nos documentos da Suíça há apenas uma citação ao Delta Bank. O nome da instituição financeira dos Estados Unipasse dos aparece na ficha cadastral do Merril Lynch como sendo uma referência bancária de Eduardo Cunha.

Na CPI da Petrobras, perguntado mais de uma vez sobre o assunto, Cunha disse não ter “qualquer tipo de conta” no exterior. Para o Ministério Público, as informações adicionais fornecidas por Cunha são pistas para o completo mapeamento da movimentação financeira dele em outros países. Investigadores entendem que, em linhas gerais, a defesa de Cunha é frágil e reforça as suspeitas sobre corrupção passiva, lavagem e sonegação.

Documentos enviados pelo MP da Suíça mostram que uma das contas do presidente da Câmara foi abastecida com recursos oriundos de um negócio da Petrobras. Foram cinco depósitos, em 2011, que totalizaram 1,3 milhão de francos suíços, o equivalente a mais de R$ 5 milhões. Os recursos saíram da conta de João Augusto Henriques, lobista que atuou na aquisição pela Petrobras do direito de exploração de petróleo em um campo no Benin. Ele recebeu US$ 10 milhões pelo negócio e disse ter feito o recomo retribuição a “informações privilegiadas” que recebeu. Disse ainda que a conta lhe foi indicada por Felipe Diniz, filho do ex-deputado Fernando Diniz, e que somente neste ano ficou sabendo que a conta era de Cunha. O presidente da Câmara disse que não conhecia a origem do dinheiro e que não houve movimentação dos recursos.

Cunha já foi denunciado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro por, supostamente, receber US$ 5 milhões dos lobistas Júlio Camargo e Fernando Soares, o Baiano, para facilitar a contração de dois navios sondas da Samsung Heavy Industries pela Petrobras, um negócio de US$ 1,2 bilhão. Também responde a inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) sob a acusação de usar contas na Suíça para movimentar dinheiro de propina oriundo da Petrobras. 

 

BC também apura recursos no exterior

 

GABRIELA VALENTE

 

O Banco Central (BC) abrirá um processo para apurar a movimentação de recursos do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), no exterior. Cunha admitiu publicamente que é beneficiário de ativos financeiros registrados em nome de trusts, empresas criadas em paraísos fiscais e oficialmente controladoras de recursos do deputado na Suíça. Ele reconheceu que não declarou isso às autoridades brasileiros, mas alegou que não era preciso.

Resolução do BC estabelece, porém, que residentes no país são obrigados a declarar recursos que detém no exterior, incluindo quando são beneficiários de trusts que não estão em seu nome. A declaração é obrigatória para toda pessoa que possua recursos acima de US$ 100 mil. A informação deve ser prestada ao BC ao fim de cada ano. O chamado Censo de Capitais no Exterior (CBE) é como uma declaração de Imposto de Renda. Nele, o cidadão informa ao Banco Central sobre o patrimônio fora do país. A diferença é que o objetivo da declaração não é a cobrança de impostos, mas mapear os recursos no exterior, cumprir acordos internacionais, ter estatísticas melhores para formular política econômica e combater a lavagem de dinheiro.

— O trabalho de fiscalização tem ficado cada vez mais intenso e mais fácil com acordos internacionais. Hoje em dia, é muito difícil esconder dinheiro — afirma uma fonte do governo. CONTAS BLOQUEADAS NA SUÍÇA

Cunha aparece como beneficiário de três trusts: Orion, Triumph e Netherton. A mulher do deputado, Cláudia Cruz, é beneficiária de uma conta identificada com o nome Kopek. Orion e Triumph tiveram contas na Suíça bloqueadas a pedido do Ministério Público local que abriu investigação por suspeita de lavagem de dinheiro e corrupção. A investigação foi transferida para o Brasil, e Cunha responde a inquérito no Supremo Tribunal Federal. No caso da omissão ao BC, Cunha pode ter no máximo que pagar multa de R$ 125 mil. Já no STF, a investigação criminal pode se transformar em ação penal, com pena de prisão, caso as acusações sejam confirmadas.

Oficialmente, o BC não comenta o caso. “O Banco Central não comenta casos relacionados à sua ação supervisora, seja por motivo de governança para preservar a estratégia de investigação, seja por se tratar de procedimentos e informações protegidos por sigilo legal”, diz resposta da assessoria do BC ao jornal.

 

Deputado reafirma que não vai deixar a presidência da Câmara

 

JÉSSICA MOURA E CATARINA ALENCASTRO

 

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), afirmou ontem que seus advogados devem apresentar uma prévia de sua defesa ao Conselho de Ética ainda nesta semana, antes mesmo da divulgação do parecer preliminar do relator sobre o prosseguimento ou não da representação por quebra de decoro. Cunha reiterou ainda que não vai deixar a presidência da Casa, apesar do processo no Conselho de Ética.

— Não estou preocupado com o clima, chuva ou sol. Vou continuar presidindo a Casa — disse o peemedebista.

Eduardo Cunha afirmou ainda que cabe aos seus opositores provar que ele é culpado:

— Estou fazendo meu papel. Recebi uma acusação e vou apresentar minha defesa. Se a minha defesa conquista ou não, é parte do processo. Quem quer me acusar, que diz que pratiquei algo errado, tem que provar isso. O nosso Direito é claro: o ônus da prova é de quem acusa.

EXPLICAÇÕES POUCO CONVINCENTES

No fim da semana passada, Cunha admitiu ser beneficiário de trusts que administram um patrimônio milionário na Suíça. Ele negou que os recursos fossem oriundos de corrupção e alegou não ter mentido à CPI da Petrobras ao dizer que não possuía contas no exterior — já que se tratariam de contratos do qual é beneficiário, não proprietário.

Depois das declarações, Cunha foi criticado por integrantes do Conselho de Ética. Para os parlamentares, as explicações não convenceram. Contudo, Cunha disse que não está preocupado com as reações dos colegas.

— Cada um pode ter sua opinião, não me preocupa, não muda meu posicionamento. Já fiz o que tinha que fazer.

Embora a avaliação nos bastidores do Palácio do Planalto seja de que o presidente da Câmara chegou ao fim da linha, a orientação é evitar desgaste para aprovar as medidas do ajuste fiscal. Depois da reunião de coordenação da presidente Dilma Rousseff com seus principais ministros, Edinho Silva (Comunicação Social) foi escalado para dizer que Cunha tem assegurado seu direito de defesa.

— Eu espero que o presidente da Câmara tenha todas as condições de fazer a sua defesa, que ele possa se utilizar de todo o nosso aparato legal. O governo espera que o Brasil possa caminhar com estabilidade política. Sem estabilidade política fica muito difícil nós aprovarmos medidas econômicas. É fundamental a paz política — afirmou Edinho.

O agravamento da situação de Cunha incomoda o governo por paralisar o andamento das matérias que o Executivo quer ver aprovadas para tentar tirar o país da estagnação econômica.

RENAN NÃO LEU ENTREVISTAS DE CUNHA

Também alvo da operação Lava-Jato, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), evitou ontem comentar as últimas explicações de Cunha sobre suas contas no exterior. Renan disse não ter lido as justificativas do presidente da Câmara para o patrimônio encontrado no exterior.

— Sinceramente, não vi ainda (as declarações de Cunha). Vou procurar a partir de agora olhar, ver — desconversou Renan.