Título: Soluções para a Líbia não podem tardar
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Fonte: Correio Braziliense, 27/08/2011, Opinião, p. 18

A sombra do Iraque não deve pairar sobre a Líbia. A experiência, sim. O primeiro foi massacrado ao arrepio da comunidade internacional, em 2003, sob a falsa premissa de deter arsenal de armas de destruição em massa. Ataques brutais comandados por George W. Bush tinham a marca do ódio ¿ eram motivados pelo insano desejo de vingança dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos. O país do Golfo Pérsico virou terra arrasada, vítima de um genocídio que deixou mais de 100 mil mortos. A infraestrutura nacional restou destruída. O Estado entrou em colapso. As animosidades de diferentes grupos religiosos, tribais e étnicos sobressaíram, agravando a situação interna com a explosão de novos focos de violência.

Esse é o saldo da derrubada da ditadura Saddam Hussein (1979-2003). De positivo, nem sequer dá para vislumbrar um alento de democratização. O Iraque é hoje uma enorme interrogação. Nesse aspecto, até pode-se dizer que se assemelha à Líbia. Mas a história deste país é bastante diferente. Primeiro, não houve invasão estrangeira. A iniciativa de pôr fim aos 42 anos de tirania de Muamar Kadafi tem cor nacional. Nasceu de crescentes manifestações populares, que terminaram por angariar forte simpatia mundial. As Nações Unidas respaldaram a revolta, e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) entrou em operação, com missões militares determinadas não a destruir, mas a abrir caminho à chegada do povo ao poder.

Bem-sucedida a empreitada, os líbios se veem, como os iraquianos, diante de futuro incerto, com a necessidade de começar do zero ¿ nem tanto pela destruição, mas do ponto de vista da organização social e política. Sem caça às bruxas, com espírito pacificador, será possível estruturar o Estado, ainda que contaminado pelo regime deposto. É essa a nova contribuição a ser dada pela comunidade internacional. Enquanto o Iraque, até hoje, vive o dilema da retirada de tropas estrangeiras, a pauta da Líbia livre já é a recuperação da situação política, econômica e social do país. Os caminhos, obviamente, são uma decisão interna. Mas o olhar do mundo para os insurgentes e a nação em si está longe de conter as animosidades com que muitos miravam a antiga Mesopotâmia.

Para a Primavera Árabe suceder de vez o inverno dos déspotas, o mundo, sobretudo o Ocidental, precisa respeitar a soberania dos libertadores. Acompanhar, sim. Apoiar, com certeza. Interferir, jamais. A bandeira a ser erguida é a humanitária, sob o signo da ONU. No caso específico da Líbia, urge ocupar o vácuo de poder. São muitos os passos a dar, mas esse, sem dúvida, é o primeiro. Organizada a vida política, a nação poderá se estruturar com a contribuição da comunidade internacional. Sem a ditadura, os embargos deixam de ter sentido, assim como o descrédito. Uma experiência a ser tirada do Iraque é que intervenções costumam ser desastrosas. Outra, é que ações positivas jamais podem tardar. Ou as soluções se apresentam já, ou o sofrimento do povo ganhará a forma de violenta guerra civil.