Sem sirenes, empresa usou telefone para alertar população

 

DANIELLE NOGUEIRA, MARCELO REMIGIO E MARIANA SANCHES

O globo, n. 30042, 07//11/2015. País, p. 4

 

Na falta de sirenes para avisar os moradores do distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), sobre o rompimento das barragens de Fundão e Santarém, a mineradora Samarco afirmou que o seu plano de contingência, posto em prática anteontem, consistiu apenas em ligar para líderes comunitários alertando para a tragédia. Especialistas ouvidos pelo GLOBO dizem que o plano de ação de emergência da empresa é precário e deveria prever, por exemplo, sirenes.

FELIPE DANA/APAbrigo. Menina caminha entre os colchões colocados em ginásio de Mariana que recebeu vítimas da tragédia

A estratégia do uso de telefones foi colocada em xeque, já que o volume de rejeitos e água atingiu o povoado em questão de minutos. Questionados ontem diversas vezes em entrevista coletiva, os porta-vozes da empresa não souberam nominar os seus interlocutores, dizendo apenas que avisaram “líderes comunitários”. Tampouco souberam detalhar o teor da mensagem que supostamente foi dada.

O presidente da associação de moradores de Bento Rodrigues, José do Nascimento Jesus, de 70 anos, que passou a madrugada ilhado e quase foi atingido pelo mar de lama, disse não ter recebido qualquer informe da empresa sobre o acidente ou orientações para deixar a área:

— Eles não ligaram para mim não, em nenhum momento. Fui avisado pelo barulho da água. Perdemos tudo, só não perdemos a vida porque Deus olhou.

DIVERGÊNCIA NOS HORÁRIOS

Durante a entrevista, o diretorpresidente da empresa, Ricardo Vescovi, defendeu o procedimento tomado pela mineradora:

— Esse momento vai nos trazer muitas lições, mas não quer dizer que o que fizemos não esteja correto.

Segundo Vescovi, o plano de ação de emergência da empresa foi aprovado por “órgãos competentes”. O prefeito de Mariana, Duarte Júnior, chancelou a Samarco. Ao descrever o acidente, Vescovi disse que as primeiras notícias de ruptura da barragem de Fundão ocorreram por volta das 15h, uma hora antes do que vinha sendo divulgado. Já a assessoria de imprensa da empresa reafirmou que o acidente aconteceu às 16h. Mas os problemas teriam começado mais cedo:

— Por volta de 14h, sentimos um tremor na unidade, mas não constatamos nenhum problema — disse Germano Lopes, gerente geral de projetos, que não admitiu que essa primeira avaliação estivesse incorreta.

Como acreditavam que o alarme fosse falso, os gerentes da mineradora não alertaram a equipe de funcionários que trabalhava numa obra de expansão do reservatório. Pelo menos 13 deles estão desaparecidos. Segundo a mineradora, a obra era rotineira. Ainda de acordo com Lopes, em julho deste ano uma auditoria independente, contratada pela Samarco e prevista por lei, atestou a estabilidade da barragem de Fundão. A Federação Estadual de Meio Ambiente (Feam) informou que recebeu a auditoria e recomendou reparos na estrutura da barragem. As obras deveriam ter começado em setembro, com previsão de entrega em dezembro de 2016. Os porta-vozes disseram que ainda não há hipóteses para a tragédia.

Para a advogada especialista em Direito Ambiental Mariangélica de Almeida, a Lei 12.334, que criou em 2010 a Política Nacional de Segurança de Barragens, falha na definição dos instrumentos de alerta em casos de emergência. O texto não define, por exemplo, a obrigatoriedade do uso de sirenes. Segundo ela, o plano de ação de emergência da Samarco também falhou.

— A lei facilita a omissão. O uso de sirenes é preciso em situações como essa. Embora não esteja prevista na lei, a implantação de sirenes era necessária, já que a legislação ambiental e os princípios ambientais determinam a criação de um sistema de alerta e divulgação eficientes.

MP ABRE INQUÉRITO

O Ministério Público de Minas abriu inquérito civil para investigar o que classificou “como o maior dano ambiental da história do estado”. O promotor Carlos Eduardo Ferreira Pinto, coordenador do Núcleo de Conflitos Ambientais do MP e responsável pela investigação, disse recomendará à Secretaria estadual de Meio Ambiente que suspenda a licença ambiental das barragens.

— Segunda-feira, dentro do inquérito, vamos recomendar que a secretaria suspenda a licença até que se apure a regularidade e se apure a segurança das comunidades da região — disse. (...) — Instauramos um inquérito para apurar de forma rigorosa esse rompimento (da barragem) que causou o maior dano da história do nosso estado.

A principal hipótese cogitada pelo MP para o acidente é o descumprimento de normas de segurança exigidas pelo licenciamento ambiental, especialmente sobre as obras de elevação da barragem. Haverá uma reunião entre o promotor e técnicos do MP hoje, em Belo Horizonte, para definir estratégias da investigação. Em 2013, o MP ajuizou uma ação civil pública em que questionava a viabilidade do empreendimento, principalmente quanto às compensações ambientais da mata atlântica. Na época, fez recomendações para que a licença fosse renovada. A revalidação foi feita em outubro daquele ano.

— Um empreendimento dessa magnitude não rompe por acaso. Mesmo com algum fato natural, o empreendedor tem como obrigação legal ter medidas que garantam a segurança da sociedade. Pode ter havido negligência.