‘Tsunami de areia movediça’ pode chegar até Espírito Santo

 

ANA LUCIA AZEVEDO

O globo, n. 30042, 07//11/2015. País, p. 7

 

A onda de lama que rompeu a barragem da Samarco continua a avançar por Mariana. Até o dia 10, segundo o Serviço Geológico do Brasil, essa avalanche vai chegar a cinco estações de monitoramento em cidades de Minas e Espírito Santo. O sistema da Bacia do Rio Doce tem como objetivo alertar 15 municípios quanto ao risco de ocorrência de enchentes. Mas, segundo o serviço, isso não quer dizer que todos eles serão atingidos.

CHRISTOPHE SIMON/AFPDevastação. Onda de lama e rejeitos chega a 70km/h em planos inclinados, arrastando tudo

Movida pela gravidade, essa onda desce o terreno montanhoso e leva tudo em seu caminho, de pessoas a casas e caminhões. A previsão é que ela não pare antes do dia 10, mas que perca intensidade ao longo do caminho. Ela avança pela região da calha do Rio Doce e já despejou toneladas não calculadas de sedimentos na água.

ARMADILHA VISCOSA

A expressão “tsunami de areia movediça” descreve sem exagero o que é a onda de ganga — a lama de detritos de mineração de ferro. É fluida demais para que se ande. E viscosa em excesso para que se nade. Ela é uma armadilha da qual as vítimas que arrasta não têm como escapar.

— A lama da barragem de rejeitos de mineração tem uma viscosidade enorme, se comporta como um fluido. Mas não o suficiente para que se nade. Então, as pessoas e os animais surpreendidos por ela se afogam — explica o professor de geotecnia da Coppe/UFRJ Maurício Ehrlich.

A onda mistura água usada na extração e também da chuva com os restos de minério. Tem uma velocidade de rio em terrenos mais inclinados.

— Pode ter chegado a cerca de 70km/h em alguns pontos, logo depois do rompimento. Isso é uma estimativa, pela velocidade com que atingiu os primeiros distritos. Para ser ter ideia, um cavalo chega a 40km/h. Nem o corredor Usain Bolt teria chance de escapar, se fosse pego em cheio — explica Ehrlich.

A onda de lama é um monstro mutante. Marcio Almeida, professor titular também da geotecnia da Coppe/ UFRJ, explica que a camada superficial é mais fluida, tem o comportamento da água. Porém, a coluna de detritos tem diferentes densidades. A parte próxima ao solo, ao arrancar terra deste, engrossa e se torna mais lenta e densa, como um sólido.

— Ela arrasta rochas, terra, casas, vegetação, pessoas, tudo o que estiver no percurso. À medida que desce se torna densa. Viscosa demais. É impossível se mover dentro dela — destaca Almeida.

Os pesquisadores da Coppe dizem que esse tipo de fenômeno causado pelo homem age como forças da natureza.

 

Maratonistas correm para ajudar

 

AMaratona Solidária de Mariana Edição Galo Véio, a primeira corrida de montanha da cidade, está marcada para 22 de novembro. Mas, assim que souberam do desastre na quinta-feira, seus organizadores e alguns dos maratonistas inscritos correram para ajudar as vítimas da tragédia.

IKE YAGELOVIC/ARQUIVO PESSOALSolidário. O maratonista Ike Yagelovic com donativos: socorro às vítimas

Logo se formou uma rede de solidariedade para captar e distribuir donativos, auxiliar no atendimento aos desabrigados e no que for possível. O jornalista e ultramaratonista Ike Yagelovic, um dos organizadores da prova, se emocionou com a quantidade de donativos e o comprometimento das pessoas em ajudar. O número de inscritos aumentou já na noite de quinta. O valor da inscrição é simbólico e exige a doação de um quilo de alimento no dia da prova. Mas muitos quilos de comida já chegaram.

— Nossa ideia era ajudar a população carente da cidade. Mas, com essa tragédia, começamos muito antes do imaginado — afirma Yagelovic.

Anderson Cordeiro, outro diretor da competição, conseguiu apoio de mais desportistas de montanha, como grupos de jipeiros e motociclistas de trilhas, capazes de chegar a lugares de acesso difícil.

O trecho das montanhas que será percorrido pela prova não foi afetado pelo desastre, por isso a prova foi mantida.

— Vai elevar o moral da cidade. Precisamos dessa energia — diz o prefeito de Mariana, Duarte Júnior. (A.L.A.)