ANA LUCIA AZEVEDO
O globo, n. 30042, 07//11/2015. País, p. 7
A onda de lama que rompeu a barragem da Samarco continua a avançar por Mariana. Até o dia 10, segundo o Serviço Geológico do Brasil, essa avalanche vai chegar a cinco estações de monitoramento em cidades de Minas e Espírito Santo. O sistema da Bacia do Rio Doce tem como objetivo alertar 15 municípios quanto ao risco de ocorrência de enchentes. Mas, segundo o serviço, isso não quer dizer que todos eles serão atingidos.
Movida pela gravidade, essa onda desce o terreno montanhoso e leva tudo em seu caminho, de pessoas a casas e caminhões. A previsão é que ela não pare antes do dia 10, mas que perca intensidade ao longo do caminho. Ela avança pela região da calha do Rio Doce e já despejou toneladas não calculadas de sedimentos na água.
ARMADILHA VISCOSA
A expressão “tsunami de areia movediça” descreve sem exagero o que é a onda de ganga — a lama de detritos de mineração de ferro. É fluida demais para que se ande. E viscosa em excesso para que se nade. Ela é uma armadilha da qual as vítimas que arrasta não têm como escapar.
— A lama da barragem de rejeitos de mineração tem uma viscosidade enorme, se comporta como um fluido. Mas não o suficiente para que se nade. Então, as pessoas e os animais surpreendidos por ela se afogam — explica o professor de geotecnia da Coppe/UFRJ Maurício Ehrlich.
A onda mistura água usada na extração e também da chuva com os restos de minério. Tem uma velocidade de rio em terrenos mais inclinados.
— Pode ter chegado a cerca de 70km/h em alguns pontos, logo depois do rompimento. Isso é uma estimativa, pela velocidade com que atingiu os primeiros distritos. Para ser ter ideia, um cavalo chega a 40km/h. Nem o corredor Usain Bolt teria chance de escapar, se fosse pego em cheio — explica Ehrlich.
A onda de lama é um monstro mutante. Marcio Almeida, professor titular também da geotecnia da Coppe/ UFRJ, explica que a camada superficial é mais fluida, tem o comportamento da água. Porém, a coluna de detritos tem diferentes densidades. A parte próxima ao solo, ao arrancar terra deste, engrossa e se torna mais lenta e densa, como um sólido.
— Ela arrasta rochas, terra, casas, vegetação, pessoas, tudo o que estiver no percurso. À medida que desce se torna densa. Viscosa demais. É impossível se mover dentro dela — destaca Almeida.
Os pesquisadores da Coppe dizem que esse tipo de fenômeno causado pelo homem age como forças da natureza.
AMaratona Solidária de Mariana Edição Galo Véio, a primeira corrida de montanha da cidade, está marcada para 22 de novembro. Mas, assim que souberam do desastre na quinta-feira, seus organizadores e alguns dos maratonistas inscritos correram para ajudar as vítimas da tragédia.
Logo se formou uma rede de solidariedade para captar e distribuir donativos, auxiliar no atendimento aos desabrigados e no que for possível. O jornalista e ultramaratonista Ike Yagelovic, um dos organizadores da prova, se emocionou com a quantidade de donativos e o comprometimento das pessoas em ajudar. O número de inscritos aumentou já na noite de quinta. O valor da inscrição é simbólico e exige a doação de um quilo de alimento no dia da prova. Mas muitos quilos de comida já chegaram.
— Nossa ideia era ajudar a população carente da cidade. Mas, com essa tragédia, começamos muito antes do imaginado — afirma Yagelovic.
Anderson Cordeiro, outro diretor da competição, conseguiu apoio de mais desportistas de montanha, como grupos de jipeiros e motociclistas de trilhas, capazes de chegar a lugares de acesso difícil.
O trecho das montanhas que será percorrido pela prova não foi afetado pelo desastre, por isso a prova foi mantida.
— Vai elevar o moral da cidade. Precisamos dessa energia — diz o prefeito de Mariana, Duarte Júnior. (A.L.A.)