Na área atingida pela lama, deserto infértil, movediço e resistente

 

ANA LUCIA AZEVEDO 

O globo, n. 30042, 07//11/2015. País, p. 8

 

Terra arrasada não descreve com exatidão o que acontece com as áreas cobertas por uma onda de rejeitos, como a que atingiu distritos de Mariana. A camada de lama que pode chegar a três metros de altura não se solidifica por igual e pode permanecer por muitos meses instável e perigosa demais para ser removida, segundo especialistas da Coppe/UFRJ. Como é composta basicamente por restos de minério, ela é estéril e sufoca o solo fértil que cobre. Nada cresce, nada vive.

Desgraça ambiental, a lama, porém, não oferece risco de contaminação para a saúde humana. O diretor da Escola de Minas da Universidade Federal de Ouro Preto, o geólogo Issamu Endo, diz que não há perigo de contaminação por metais pesados ou soda cáustica, usados em outras formas de extração:

— A extração da hematita, o minério de ferro, é feita basicamente com água. É diferente da do ouro, por exemplo, que usa mercúrio, letal para o homem.

A extração de bauxita para a produção de alumínio é outra altamente tóxica para o ser humano e os animais, pois emprega soda cáustica. Embora muitas pessoas tenham relatado um intenso mau cheiro nas áreas atingidas, o especialista diz que ele não está relacionado ao uso de soda cáustica nessa forma de mineração.

— O que pode acontecer são alergias, lesões causadas pela exposição prolongada de vítimas presas e ainda não resgatadas. Mas são lesões mecânicas, não se trata de intoxicação por metais pesados — diz Endo.

O professor titular de geotecnia da Coppe/UFRJ Márcio Almeida observa que os resíduos são de fato malcheirosos e oferecem risco para o meio ambiente. Na barragem há água e quartzo em forma de areia. Mas esse material é depositado por anos e ao escapar para o ambiente se mistura a outros contaminantes.

— Essa lama é estéril. Não há o que possa crescer nela. A natureza, se deixada por si só, levará muitos e muitos anos para se recuperar. Por isso, tem que ser removida — frisa Almeida.

Almeida acrescenta que o processo de remoção é lento e arriscado:

— É impossível pisar nela sem afundar. Oferece risco de vida para as equipes de resgate, se não estiver completamente estabilizada. A camada superficial pode parecer sólida. Mas embaixo tudo está viscoso. Ela pode engolir facilmente uma máquina grande como um retroescavadeira.

Especialistas dizem ser impossível precisar neste momento o tempo que levará até que a remoção possa começar.

— Não menos que muitos meses. Talvez mais que um ano. E custará, certamente, rios de dinheiro. É um trabalho lento, perigoso pela instabilidade do terreno e caro — diz Almeida.

O professor de geotecnia Maurício Ehrlich acrescenta que ao secar primeiro, a camada superficial da lama forma uma casca dura, que bloqueia parcialmente a evaporação da água e atrasa a solidificação das camadas profundas, sem o qual não se pode trabalhar em segurança.

 

Samarco, uma das líderes da mineração mundial

 

DANIELLE NOGUEIRA

 

A Samarco responde por 2% da produção mundial de pelotas (bolinhas de ferro concentrado usadas na produção de aço) e é uma das maiores exportadoras do Brasil. Em 2014, ficou em 10º lugar no ranking das empresas que exportam. Este ano, até outubro, embarcou US$ 1,8 bilhão, descendo um degrau na lista.

DANIEL MARENCOEfeitos. Acidente em Mariana: agência de classificação de risco S&P pode rebaixar nota da empresa.

Controlada pela Vale (50%) e pela australiana BHP Billiton (50%), qualquer problema enfrentado pela companhia tem reflexo sobre as ações de suas controladoras. As ações ordinárias (com direito a voto) da Vale desabaram 7,07% ontem na Bovespa. A BHP, maior mineradora do mundo, não tem papéis negociados no Brasil. Na Bolsa de Sidney, suas ações caíram 2,49%.

Devido ao acidente, analistas avaliam que pode haver alta repentina de preços do minério de ferro e de pelotas, já que não se sabe por quanto tempo as operações da unidade de Germano da Samarco, em Mariana, ficarão paralisadas. “Não está claro quais serão os custos de limpeza e de indenizações”, ressaltaram analistas do Citibank em relatório.

A agência de classificação de risco Standard & Poor’s (S&P) colocou a empresa em observação, “com implicação negativa”. Este é um passo anterior a possível rebaixamento da nota de crédito da companhia. “Esperamos obter informações para avaliar o perfil de risco de negócios da empresa e o seu perfil de risco financeiro nos próximos 90 dias”, disse a S&P.

Com cerca de três mil funcionários, a Samarco tem minas em Mariana e Ouro Preto, onde é extraído o minério de ferro. Em uma unidade de beneficiamento, o ferro é separado das impurezas, que são armazenadas em barragens de rejeitos.

Na classificação do Departamento Nacional de Pesquisa Mineral (DNPM), as quatro barragens da Samarco são da categoria C, médio risco. No critério que considera as características do empreendimento, como altura e estado de conservação, o risco é baixo. Mas o dano potencial associado é alto pelo fato de as barragens estarem próximas a comunidades.

Segundo a Samarco, “a última fiscalização (nas barragens) ocorreu em julho de 2015 e indicou que encontravam-se em totais condições de segurança”. A companhia assegura ainda que os rejeitos são inertes. A Vale e a BHP lamentaram o acidente.