Portos avançam contra a maré

 

BRUNO ROSA

O globo, n. 30044, 09//11/2015. Economia, p. 19

 

Em um ano em que a economia brasileira deve recuar até 3%, os portos devem chegar ao fim de dezembro comemorando alta de 4,8% na movimentação de cargas. De acordo com estimativa da Secretaria Especial dos Portos (SEP), o volume transportado em navios no país pode chegar a 1,015 bilhão de toneladas até dezembro. Em 2014, foram 969 milhões de toneladas. A estimativa é endossada por especialistas, que atribuem o desempenho à desvalorização cambial e ao aumento do volume exportado de commodities minerais (como minério de ferro e petróleo) e, principalmente, agrícolas, com destaque para soja, milho e arroz. Quanto mais os portos movimentam, mais arrecadam em tarifas portuárias.

MARCELO CARNAVAL/12-3-2015Mais carga. Estimativa da Secretaria de Portos aponta que portos brasileiros devem transportar 1,015 bilhão de toneladas em 2015

Além do avanço na quantidade exportada, especialistas do setor lembram que o aumento da cabotagem (transporte marítimo dentro do país) e do transbordo (movimentação de mercadorias entre portos) ajuda a explicar os resultados gerais em 2015. No Porto de Santos, o maior do país, projeta-se alta de 4% neste ano. Até setembro, o porto movimentou 88,6 milhões de toneladas, maior volume da história, crescimento de 6,8%. O Porto de Suape, em Pernambuco, registra até setembro aumento de 33,9%, com 14,8 milhões de toneladas. No Rio, todos os portos somaram 130 milhões de toneladas, alta de 3%. AUMENTO DA SAFRA Especialistas do setor, como Paulo Fleury, do Instituto Ilos, dizem que o resultado se deve, principalmente, à movimentação de cargas a granel, embalada pelo aumento de quase 6% da safra 2015 estimada pelo IBGE. Já o segmento de contêineres enfrenta maior concorrência, porque houve investimento de diferentes empresas nos portos, o que reduziu os preços cobrados por movimentação de carga.

— O cenário é positivo e diferente de outros setores da economia. O dólar alto, que para a economia é uma dificuldade, torna o produto nacional mais competitivo no exterior — diz o ministro da SEP, Helder Barbalho.

De janeiro a setembro, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic), o volume exportado subiu 8,96%, para 494 milhões de toneladas, avanço que compensou a queda de 11,7% nas importações, com 109 milhões de toneladas.

Claudio Frischtak, da Inter.B Consultoria, explica que, apesar de a movimentação ter gerado menos recursos financeiros às empresas — em dólar, os embarques caíram 16,7% —, estas precisam vender para não perder espaço.

— As empresas precisam exportar para, pelo menos, manter a fatia de mercado. O caso do minério de ferro ilustra isso. Apesar do preço em queda livre, as mineradoras, como a Vale, estão exportando o que podem para contornar a crise. No meio desse clima de horror na economia brasileira, o setor de portos está indo bem — diz Frischtak.

A Vale exportou, mesmo a um preço menor, 5,4% mais minério de ferro e pelotas no terceiro trimestre, frente a igual período de 2014, chegando a 76,6 milhões de toneladas, apesar de prejuízo de R$ 6,6 bilhões. É o mesmo caso da Petrobras e de outras petroleiras: os embarques de petróleo e derivados, além de combustíveis, subiram 35% de janeiro a setembro, apesar da queda no valor entre 31% e 45%.

— Surpreendentemente, há recorde de movimentação de carga este ano. Quanto mais carga é movimentada, maior o ganho com as tarifas portuárias. Os investimentos que vêm sendo feitos também ajudam a atrair mais navios — afirma Angelino Caputo e Oliveira, diretor-presidente da Companhia Docas de São Paulo, que administra o Porto de Santos.

Renaud Barbosa da Silva, professor da Ebape/FGV, diz que a maior movimentação de cargas é reflexo de um problema estrutural do país, cuja pauta de exportações é de itens de baixo valor agregado.

— Soja, minério e milho são exportados em grandes volumes. Mas em termos qualitativos isso não significa nada. O Brasil devia exportar itens de maior valor agregado — afirma Silva.

Especialistas citam ainda a Lei dos Portos, que possibilitou a renovação antecipada do contrato de quem já operava nas áreas administradas pelo governo e permitiu aos terminais privados movimentar cargas de terceiros. Altair Ferreira Filho, do Departamento de Engenharia do Ibmec/RJ, ressalta que houve modernização em vários terminais:

— Isso melhorou a cabotagem, ajudando na movimentação de cargas. Além disso, pesa o custo elevado do transporte rodoviário. Mas ainda estamos colhendo os frutos de maiores vendas de produtos sem valor agregado, beneficiados pelo dólar. Não podemos ficar satisfeitos com isso.

Roberto Teller, diretor-geral da Libra Terminais de Santos, grupo que também opera no Rio, explica que o setor de granéis vai bem graças às exportações de soja, arroz e milho. Já no segmento de contêineres há maior competição: a oferta aumentou mais que a demanda.

— Com mais concorrência, os preços tendem a cair. Para melhorar a infraestrutura e a produtividade, a Libra Terminais investiu R$ 500 milhões no Rio. Em Santos, vamos investir R$ 750 milhões até 2035, sendo R$ 450 milhões nos próximos três anos — diz Teller. FINANCIAMENTO É ENTRAVE PARA CRESCER Além disso, em dezembro, serão licitadas quatro áreas nos portos de Santos e Pará, com expectativa de arrecadação de R$ 1,1 bilhão, todas para transporte de commodities como soja e celulose. Segundo o ministro da Secretaria dos Portos, o governo ainda pretende lançar, ainda neste ano, um edital para mais quatro áreas — três em Belém e uma no Pará — a fim de arrecadar outro R$ 1 bilhão.

— Estamos trabalhando para renovar mais contratos de arrendamento ao longo do primeiro semestre de 2016. Somente no Rio, os investimentos previstos com a renovação são de R$ 320 milhões — afirma Barbalho.

Para 2016, segundo ele, há previsão de licitar 21 novas áreas em diversos portos. Mas especialistas veem desafios.

— Hoje o problema é o financiamento, já que o BNDES vem reduzindo seu volume de empréstimos. Buscar recursos fora do país também não é algo simples, por causa das incertezas com a economia brasileira — diz Frischtak.

 

Açu ganha aval para transportar petróleo e atrai novos investimentos

 

DANILO FARIELLO

 

O vento favorável do setor portuário trouxe uma boa notícia para o litoral do Estado do Rio: o Porto do Açu vai receber, no ano que vem, investimentos de R$ 600 milhões para aumentar sua profundidade e torná-lo capaz de receber navios gigantes para transporte de petróleo. A Prumo Logística, atual operadora do porto localizado em São João da Barra, obteve autorização da Secretaria Especial dos Portos (SEP) para atuar com terminais de petróleo, gás e contêineres. Anteriormente, o Açu só podia transportar minério de ferro e produtos siderúrgicos.

DADO GALDIERI/BLOOMBERG/4-12-14Sem restrições. Minério de ferro é transportado no Porto do Açu: terminal ganha aval para atuar com petróleo e gás

De imediato, a permissão assinada na semana passada já serviu para ratificar a venda de 20% de um dos terminais da Prumo para a alemã Oiltanking, por US$ 200 milhões. O montante será usado na dragagem do porto, a fim de ampliar a profundidade de 20,5 para 25 metros ao longo de 2016.

— A expectativa é que, com esse novo perfil do Açu, possamos imediatamente garantir oportunidades de investimento, uma vez que permitimos o início de operações nas áreas de óleo e gás em uma posição estratégica pela proximidade da Bacia de Campos — disse o ministro da SEP, Hélder Barbalho.

A autorização permite que o contrato de transbordo de petróleo da Prumo com a BG, para exportação de 200 mil barris por dia, assinado em junho, entre em vigor efetivamente e seja elevado a até 320 mil barris por dia no futuro. Há ainda a possibilidade de surgimento de novos contratos, para a movimentação de até 1,2 milhão de barris por dia, o teto permitido na licença ambiental.

— Estamos destravando um novo horizonte. Não há mais amarras com o governo. Depende só da iniciativa privada — apontou Eduardo Parente, presidente da Prumo Logística.

Com a ampliação do calado, o Porto do Açu poderá receber navios gigantes, como o VLCC, o que reduz o custo de exportação de petróleo cru em até US$ 2 por barril, segundo Parente. Essa redução de custo é de quase 5% do valor do preço do barril no mercado internacional, que fechou a US$ 45,60 na sexta-feira. Com a queda recente dos preços do óleo, as margens das operadoras estão apertadas, o que exige redução de custos. TERMELÉTRICAS NO HORIZONTE Como está próximo da Bacia de Campos, a ideia da Prumo é que o terminal seja usado principalmente para movimentação de petróleo do pré-sal. Segundo a empresa, o terminal de transbordo de petróleo será uma alternativa aos produtores que atualmente realizam operações desse tipo no Uruguai e no Caribe.

O aval abre ainda perspectiva de construção de duas usinas termelétricas abastecidas com gás natural liquefeito (GNL). As térmicas, cujas licenças ambientais devem ser emitidas até o fim do ano, deverão ser operadas por algum parceiro internacional e podem ser incluídas no leilão de oferta de energia previsto para fevereiro. Uma delas teria capacidade de geração de 1 gigawatt (GW), e outra, de 1,5GW. Mas há previsão de ampliar para até 3,1GW, quase a potência da hidrelétrica de Santo Antônio, no Rio Madeira, o equivalente a 95% do consumo residencial do Rio no ano passado.

Segundo Parente, com a mudança, o Açu terá o primeiro terminal para recebimento de GNL privado do país — os demais são operados por subsidiárias da Petrobras.

— Estamos criando um hub de gás, onde há um ciclo virtuoso muito grande, no qual um investimento traz outro. Não estou exagerando ao dizer que nossa expectativa para os próximos cinco anos nessa área é de, no mínimo, R$ 5 bilhões, podendo chegar a R$ 10 bilhões em investimentos em terminais de gás e termelétricas — disse Parente.