No rastro da lama

 

MARIANA SANCHES*, DANDARA TINOCO*, BRUNO DALVI** EMILIANO URBIM

O globo, n. 30045, 10//11/2015. País, p. 3

 

Três dias depois de arrasar dois distritos de Mariana (MG), o avanço da lama que vazou de barragens da mineradora Samarco provocou ontem a suspensão do abastecimento de água em Governador Valadares, a cerca de 300 quilômetros do local do acidente, e deverá deixar sem água 500 mil moradores de municípios às margens do Rio Doce, até chegar à foz, no Espírito Santo, na quinta-feira. Colatina e Baixo Guandu, onde a lama no rio deverá chegar na quarta-feira, informaram que vão fechar escolas. O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) determinou a redução da geração de energia de quatro hidrelétricas no Rio Doce, para evitar danos. Bombeiros trabalham com muita dificuldade na região da tragédia, e o governador de Minas, Fernando Pimentel, disse que será muito difícil encontrar sobreviventes. -RIO, MARIANA (MG) E VITÓRIA- Depois de arrasar a área rural de Mariana (MG), a lama de rejeito mineral liberada pelo rompimento de duas barragens da mineradora Samarco na última quintafeira, no distrito de Bento Rodrigues, vai prejudicar o abastecimento de água de meio milhão de pessoas em Minas Gerais e no Espírito Santo.

O Serviço Autônomo de Abastecimento de Água e Esgoto de Governador Valadares (MG) suspendeu às 13h de ontem a coleta de água do Rio Doce, contaminado pela lama das barragens. De acordo com a empresa, a captação foi interrompida assim que o rio começou a apresentar coloração mais escura. Segundo análise dos técnicos, o nível de contaminação da água é alto, o que impede seu tratamento e sua distribuição. Não há previsão para a retomada da coleta de água no município, de 276 mil habitantes. PELO MENOS 22 CIDADES ATINGIDAS A lama deve descer o Rio Doce até sua foz, no Espírito Santo, e as cidades capixabas banhadas por ele já estão em alerta. A Defesa Civil de Minas Gerais monitora o deslocamento da massa de 62 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração e água. Embora afirme que a velocidade com que o lamaçal se desloca sobre a calha do Rio Doce varia de acordo com as chuvas ou a topografia do solo, o coronel Helbert Figueiró, coordenador da Defesa Civil de Minas Gerais, afirmou que até a próxima quinta-feira a enxurrada terá atingido, no mínimo, 22 municípios em Minas Gerais e no Espírito Santo.

O monitoramento do trajeto pelo qual a massa avermelhada escorre é importante também porque os bombeiros afirmam que pelo menos parte dos desaparecidos deve ter sido arrastada pela correnteza. Dois corpos foram encontrados no leito do Rio Doce nos últimos dias. No entanto, eles ainda não estão identificados, e por isso não foram oficialmente relacionados ao acidente.

A previsão é que o nível do Rio Doce suba entre 1,5 metro e 2 metros. Mesmo assim, segundo técnicos que monitoram a tragédia, a onda não causará enchentes na região, que enfrenta uma das piores secas da História. A Agência Nacional de Águas (ANA) confirmou ontem, por meio de assessoria, que não há risco de enchente das regiões ribeirinhas ao longo do Rio Doce.

— Foi feito um estudo técnico e não há risco de inundação em nenhum dos municípios para frente da calha do rio — tranquilizou o coronel Figueiró.

Um boletim divulgado ontem em conjunto pelo Serviço Geológico do Brasil, o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) e a Agência Nacional de Águas afirma que a onda de resíduos deve chegar hoje a Galileia e Conselheiro Pena, em Minas Gerais. Na terçafeira, atinge o Espírito Santo, chegando a Aimorés e Baixo Guandu. Ainda segundo o boletim, a lama deve chegar quarta-feira em Colatina, e, quinta-feira, em Linhares, no litoral capixaba.

A cidade de Colatina, com 122 mil habitantes, deve interromper a coleta de água quando a lama chegar. Nos últimos dias, a população da cidade correu ao comércio local atrás de garrafas de água mineral. Devido à alta demanda, distribuidoras de galões de água acabaram com seus estoques já no sábado. DOZE ESCOLAS FECHADAS Em Linhares, com 110 mil habitantes, a prefeitura aumentou a barragem do Rio Pequeno, onde é feita a captação da água. O objetivo é impedir que as águas do Rio Pequeno sejam contaminadas pelas do Rio Doce. A Defesa Civil do Espírito Santo orienta a população ribeirinha a desocupar as margens do Rio Doce.

A Secretaria Estadual de Educação do Espírito Santo anunciou que vai suspender as aulas em 12 escolas nos municípios de Baixo Guandu e Colatina, a partir de hoje, em função da chegada da lama que desce pelo leito do Rio Doce, e o desabastecimento na cidade.

Num comunicado enviado à imprensa, a mineradora Samarco anunciou que vai interromper as operações industriais na unidade de Ubu, em Anchieta, no Espírito Santo, ao final dos estoques de minério. Segundo a empresa, as operações de embarque de minério no porto capixaba da mineradora também serão paralisadas. Toda a operação na Unidade de Germano, em Minas Gerais, já está interrompida. A Samarco informou que está monitorando o avanço da mancha pelo Rio Doce e vai tomar todas as providências para reduzir os impactos ambientais e sociais nas comunidades atingidas.

Segundo um relatório divulgado sábado pelo Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres, as quatro hidrelétricas no Rio Doce não devem ser prejudicadas. A estratégia do Operador Nacional do Sistema Elétrico é baixar o nível para o mínimo de geração, liberando volume para receber a cheia e, depois, liberar a vazão de forma controlada.

 

Governador diz que será difícil encontrar sobreviventes

 

Um relatório da Lava-Jato informa que o presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, teve sete encontros com o pecuarista José Carlos Bumlai, amigo do ex-presidente Lula, entre 2010 e 2013. Os encontros foram rastreados na agenda do celular do empreiteiro. -MARIANA (MG)- Embora os bombeiros considerem que a possibilidade de encontrar sobreviventes de soterramento, como a tragédia ocorrida em Bento Rodrigues, em Mariana, só possa ser descartada cinco dias após o acidente, o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, disse ontem, menos de 72 horas da enxurrada, considerar que dificilmente os desaparecidos serão resgatados com vida.

O governo estadual recuou da informação de que um corpo achado na véspera pertencesse a uma das vítimas da enxurrada. Assim, apenas uma morte — a de um homem que sofreu um infarto — está confirmada. As buscas aos 26 desaparecidos continuarão por tempo indeterminado. Até anteontem eram 28, mas duas pessoas foram retiradas dessa lista após terem sido localizadas em hotéis na noite de ontem.

— Com certeza, os 13 funcionários que trabalhavam nas barragens dificilmente serão encontrados com vida. Quanto aos moradores, eles podem estar perdidos. Não quero tirar a esperança de ninguém, mas é uma tragédia de grande extensão. Uma vida perdida já é irreparável. Imagina a de 28 — lamentou o governador, após sobrevoar o município de Barra Longa.

Os bombeiros informaram ter encontrado dois corpos no Rio Doce. A identificação dos corpos, porém, dependerá de análises de digitais e de exames de DNA. SIRENES OBRIGATÓRIAS Pimentel disse ainda que os protocolos de emergência com barragens devem ser melhorados, com a possibilidade de inclusão em lei da obrigatoriedade de alarmes sonoros em reservatórios de rejeitos como os que se romperam. Em Minas, há 730 barragens de mineradoras.

Os bombeiros precisam rastejar sobre a lama para que não sejam engolidos pela massa marrom de rejeitos que cheira a soda cáustica. O odor confunde o olfato dos três cães farejadores, o que dificulta as tentativas de salvamento. Nos trechos mais profundos de barro, cuja altura atingiu 15 metros, os bombeiros perfuram o material com estacas para verificar o que está submerso.

— Cada cão farejador consegue fazer o trabalho equivalente ao de 80 homens — explicou o tenente Leonard Farah.

Familiares de desaparecidos reclamam da falta de informações sobre as buscas.

— O que mais me aflige é não receber notícias. Ninguém fala sobre os funcionários desaparecidos, quem eram, quantos filhos tinham, onde moravam. A empresa (Samarco) sequer nos recebeu — disse Ana Paula Alexandre, de 40 anos, mulher de Edinaldo Oliveira de Assis, de 40 anos, que trabalhava na barragem de Fundão há dez anos.

O senador Aécio Neves (PSDBMG) esteve com a equipe que coordena as buscas e sobrevoou Bento Rodrigues. A ministra dos Direitos Humanos, Nilma Lino Gomes, visitou Mariana e disse que o governo trabalha para dar assistência aos desabrigados.