Risco político leva dólar a passar de R$ 4, maior nível da história do real

 

Fabrício de Castro

O Estado de São Paulo, n. 44535, 23/09/2015. Economia, p. B1

 

O dólar atingiu ontem o nível mais alto da história do real, lançado em 1.º de julho de 1994. A disparada da cotação foi influenciada pela turbulência política e pelo receio de que o Brasil volte a ser rebaixado por uma agência de classificação de risco.

O dólar subiu 1,84%, para R$ 4,050, acumulando valorização de 52,54% em relação ao real em 2015. Além de quebrar a barreira psicológica dos R$ 4,00, a cotação superou o recorde anterior, de R$ 3,99, de outubro de 2002. Na época, o dólar foi impulsionado pelas especulações sobre a política econômica do então candidato à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva.

Se os R$ 3,99 de 2002 fossem atualizados pela inflação, superariam, com folga, os R$ 4,050 de ontem. Mas a alta do dólar em relação ao real em 2015 é maior do que a de 2002.

Em doze meses,o real é a moeda que mais se desvalorizou, atrás apenas do rublo russo, segundo a corretora TOV.

"O dólar vai continuar subindo, sabe-se lá até onde", disse o diretor de câmbio do Banco Paulista, Tarcísio Rodrigues. "O problema é a falta de credibilidade, o ambiente de incertezas. Não há leilão que segure", disse Rodrigues, referindo-se às intervenções no mercado dc câmbio feitas pelo Banco Central.

A alta de ontem teve a influência de duas preocupações imediatas. Uma delas foi o encontro dos representantes da agência de classificação de risco Fitch com o ministro da Fazenda, Joaquim Levy. O receio é que seja uma indicação de que o País está próximo de ter sua nota de crédito cortada pela agência. Se a Fitch rebaixar o Brasil em dois níveis, o País perderá o grau de investimento, o que pode provocar fuga de capitais.

O segundo ponto de tensão foi a avaliação pelo Congresso dos vetos da presidente Dilma a medidas que elevariam despesas. Se os vetos fossem derrubados, as medidas poderiam gerar despesas adicionais de R$ 127,8 bilhões aos cofres públicos. Até o fechamento desta edição, o governo havia conseguido manter 25 dos 32 vetos presidenciais. A votação prosseguiu pela madrugada.

Lista negra. Como pano de fundo do nervosismo dos investidores está uma lista de problemas: dificuldades do governo em coordenar as ações, divisões na base aliada, ameaça de impeachment da presidente Dilma, dados ruins da economia e dúvidas sobre o ajuste fiscal.

"A questão política tomou conta dos negócios", disse José Faria Júnior, diretor da consultoria Wagner Investimentos. Há dois meses, o câmbio estava acomodado, perto dos R$ 3,20. Em 22 de julho, começou a forte deterioração, após o governo decidir alterar as metas fiscais para 2015,2016 e 2017.

"Dali para a frente, houve envio de Orçamento para 2016 com um buraco, rebaixamento pela S&P, proposta de pacote fiscal impossível de ser aprovado no Congresso, possibilidade de aumento de despesas - tudo isso fez o dólar superar os R$ 4", disse.

O mercado externo também pressiona a cotação, em meio à expectativa de que o Fed (banco central americano) eleve os juros.