Governo tenta passar sinais de austeridade

 

VERA ROSA

O Estado de São Paulo, n. 44535, 23/09/2015. Economia, p. B3

 

Preocupada com a alta do dólar, que fechou acima de R$ 4 pela primeira vez na história, a presidente Dilma Rousseff montou nesta terça-feira uma operação para emitir sinais de austeridade ao mercado. Com receio de novo rebaixamento da nota de crédito do Brasil por agências de classificação de risco, Dilma pediu ao PMDB e a líderes de partidos aliados que pusessem em votação, na sessão do Congresso, os vetos aos projetos da “pauta-bomba”, chamada assim por aumentar os gastos do governo.

“Não temos tempo a perder”, disse Dilma, segundo relato de interlocutores ao Estado. No Palácio do Planalto, muitos auxiliares da presidente lembravam nesta terça-feira que dólar acima de R$ 3,50 significa desconfiança na economia e no governo. Ou, nas palavras de um ministro, “febre na certa”.

Até segunda-feira, a estratégia do Planalto era adiar a votação, porque o governo avaliava não ter votos suficientes para derrubar o reajuste de 70% para os servidores do Judiciário nem a extensão do aumento do salário mínimo aos aposentados. Tudo mudou, porém, quando o dólar ultrapassou a barreira dos R$ 4.

 

A presidente Dilma Rousseff

A presidente Dilma Rousseff

Dilma escalou os ministros Aloizio Mercadante (Casa Civil), José Eduardo Cardozo (Justiça), Ricardo Berzoini (Comunicações), Edinho Silva (Comunicação Social) e o assessor especial Giles Azevedo para fazer a contagem dos votos necessários no Congresso, na tentativa de jogar por terra a pauta-bomba.

Além disso, Dilma conversou com os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Ela telefonou, ainda, para líderes de partidos aliados nas duas Casas e destacou ministros, como Eduardo Cardozo, para pedir o apoio do PSDB e de outros partidos de oposição. “Nós temos de pensar no País, manter a governabilidade”, resumiu o líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira (CE). 

Em conversas reservadas, ministros diziam, no fim da tarde, antes da votação no Congresso, que a disparada do dólar e os projetos que aumentavam em R$ 127,8 bilhões as despesas do governo passavam para o mercado a imagem de “fim do mundo” e, por isso, era preciso acalmar os investidores. 

O Brasil perdeu recentemente o selo de bom pagador, concedido pela agência de classificação de risco Standard & Poor’s, depois que o governo enviou ao Congresso projeto de lei orçamentária prevendo déficit de R$ 30,5 bilhões em 2016. Na tarde desta terça-feira, o Planalto encaminhou o novo pacote fiscal ao Congresso, com medidas polêmicas para cobrir o rombo, como a volta da CPMF. 

Ao longo de todo o dia, Dilma não escondeu a apreensão com a alta do dólar. Nos bastidores, ministros diziam que deixar a situação assim era como admitir que o antitérmico não estava funcionando. O pior, afirmavam eles, era que o Banco Central, entrando nessa operação, só fez aumentar a temperatura.

 

Nem exagero, nem fuga de capitais

 

José Paulo Kupfer

 

Depois que a cotação do dólar furou a barreira dos R$ 4, na sessão desta terça-feira, analistas de conjuntura e operadores de câmbio concentraram a atenção na possibilidade de que estivesse em curso um episódio de “overshooting” no mercado cambial. Ou seja, uma situação de exagero na formação do preço do ativo, reflexo de algum tipo de “efeito manada”, que teria passado a empurrar as cotações ladeira acima. 

Procuraram avaliar, ao mesmo tempo, se a alta das cotações refletiria algum movimento de fuga de capitais. A conclusão a que chegaram foi a de que, pelo menos por ora, não está ocorrendo nem uma coisa nem outra. Há justificativas para a taxa de câmbio mais elevada e indicações de que os fluxos cambiais, embora com tendência a reduzir volumes, mantêm-se dentro da normalidade, amparados inclusive na reversão positiva das contas externas e com ingressos expressivos de recursos.

Há consenso de que eventos externos, tais como o possível início da normalização da política de juros, nos Estados Unidos, e as incertezas disseminadas pelos engasgos da economia chinesa, exercem agora papel coadjuvante na formação do preço do dólar, no mercado doméstico de câmbio. Na semana passada, de fato, quando o real se desvalorizou quase 2% ante o dólar, as moedas pares da brasileira se valorizaram. 

Os elementos determinantes dos atuais movimentos no mercado cambial são, sem dúvida, de origem interna. A crise política e as dúvidas em relação ao ajuste fiscal, que alimentam as hipóteses de novas perdas do grau de investimento por outras agências de classificação de risco, estão na base da trajetória esticada do dólar. Nessas circunstâncias, a atuação do Banco Central, como raro agente com interesse na venda de moeda americana e recursos para tanto, passa a desempenhar papel-chave na tentativa de reduzir a volatilidade das cotações e assegurar normalidade às operações cambiais.