Título: Tempo razoável
Autor: Pereira, Erick Wilson
Fonte: Correio Braziliense, 24/08/2011, Opinião, p. 15

Doutor em direito constitucional pela PUC/SP

A aposentadoria compulsória é uma controvérsia que há muito ocupa o mundo jurídico, sem que uma discussão substancial a abordar todos os ângulos da questão tenha sido realizada. De autoria de Pedro Simon e aprovada pelo Senado, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 457/2005 aumenta de 70 para 75 anos a idade para a compulsória da magistratura.

Os opositores da pejorativamente apelidada "PEC da bengala", em número significativo ¿ a OAB e as associações de juízes e procuradores ¿, afirmam que a medida engessará ou desestimulará as carreiras, atenderá a demandas casuísticas mediante a perpetuação de pessoas e seus vícios nos cargos mais altos da hierarquia a ponto de resultar na estagnação administrativa do Judiciário.

Argumentos exorbitados são imprudentes, pois se aproximam do preconceito em relação aos idosos. Idade avançada não se iguala a mente retrógrada, acomodada, conservadora, reacionária ou desatualizada. Por razões idiossincrásicas de personalidade, frequentemente ocorre de um magistrado ou promotor jovem ser mais conservador que seus pares mais velhos. Igualmente não deve prosperar o argumento que associa tempo de permanência de magistrados nos cargos de alto escalão com o fortalecimento das relações clientelistas e de dependência com os outros poderes. Tais relações não são raras nos profissionais jovens recém-chegados às sinecuras do poder.

Ademais, se o argumento mais racional apresentado pelos opositores da PEC é a alternância do poder, que nos outros poderes é balizada pelo voto, que outras propostas sejam apresentadas e colocadas em discussão, não justificando a defesa da compulsória aos 70 anos como condição sine qua non à renovação e evolução do Judiciário. Temas como a seleção dos nossos juízes e promotores, as formas de nomeação dos membros dos tribunais e a duração dos seus mandatos merecem debate acessível a toda a sociedade. De outra forma, corre-se o risco de reduzir a polêmica em torno da PEC 457 a meros conflitos de interesses nas relações de poder, em que uma maioria determinada pretende alcançar os altos cargos com mais rapidez, enquanto uma minoria ainda tímida deseja servir por mais cinco anos.

A permanência dos magistrados em seus cargos por mais cinco anos, além de concorrer para a segurança jurídica e uma maior estabilidade das instituições, é compatível com o crescente aumento na expectativa de vida dos brasileiros, pois a atual idade da compulsória foi estabelecida em 1952, com a aprovação do Estatuto dos Funcionários Públicos Federais, época em que a expectativa de vida do brasileiro não ultrapassava os 50 anos. Considerando-se os antigos parâmetros, observa-se que em face da atual expectativa de 81 anos, os 75 anos pretendidos é limite modesto, mas de significativa valia para o equilíbrio quantitativo entre os contribuintes e a atenuação dos altíssimos encargos da Previdência Social, haja vista representar uma economia de R$ 20 bilhões para o erário em cinco anos. Como observou o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Cezar Peluso, em entrevista ao Conjur, "ao obrigar um servidor no auge da sua capacidade intelectual a se aposentar e contratar um novo funcionário ainda inexperiente, o Estado perde duas vezes: passa a pagar a aposentadoria do funcionário antigo que ainda tinha plena condição de trabalho e acumulado conhecimento e, ao mesmo tempo, o salário do jovem admitido".

Do ponto de vista médico-científico, a PEC é digna de ser aprovada. Idade superior aos 70 anos há muito deixou de ser empecilho para o desempenho a contento das funções mentais associadas à cognição, ao raciocínio e ao julgamento. Estudos recentes apontam que o cérebro humano maduro tende a compensar eventuais perdas com mecanismos associados à racionalidade e à sabedoria, demonstrando que o aprimoramento pode ser o resultado de um nível maior de experiência em situações que exigem maior controle da resposta emocional. Ou seja, no cérebro maduro o raciocínio complexo é privilegiado, assim como os balanços e a reflexão em torno dos acontecimentos vividos.

Nada de novo sob o sol. Marco Túlio Cícero, no seu belo tratado Cato maior seu de senectute, já observava que "os assuntos graves não se administram com a força ou o brusco movimento corporal, mas com a paciência, a autoridade e a ponderação. Tais qualidades não se perdem, mas, ao contrário, aumentam e se aperfeiçoam com a velhice".

A Corte Suprema norte-americana, intérprete da Constituição e dos mais altos valores da sociedade que atualmente mais exerce influência sobre as demais, é pródiga de exemplos que corroboram a propriedade de contar em seus quadros com a experiência, a capacidade mental e a sabedoria dos idosos. Atualmente, dos seus nove membros, quatro ¿ os magistrados Antonim Scala, Anthony Kennedy, Ruth Ginsburg e Stephen Breyer ¿ têm mais de 60 anos. Em 2010, John Paul Stevens se aposentou aos 90 anos e, antes dele, muitos outros o fizeram na oitava década de vida.

Enquanto o mesmo sucede nas altas cortes de outros países, no Brasil temos assistido inertes a saída compulsória de mentes privilegiadas do porte de Néri da Silveira e Moreira Alves. Nos próximos dois anos, caso a PEC 475 permaneça no limbo da Câmara dos Deputados por força de pressões moldadas em intenções desvirtuadas, nossa Corte maior sofrerá perdas da magnitude dos ministros Cezar Peluso, Ayres Britto e Celso de Mello. Como bem observou o ministro Marco Aurélio, há quase 10 anos, "a aposentadoria há de ser uma recompensa, nunca um castigo para quem, pelo tanto que se dedicou à causa pública, merece ao menos ser considerado digno e apto a concluir por si mesmo já ter cumprido a própria jornada".

Os defensores da maior permanência dos magistrados em seus cargos, embora ainda somem uma minoria comedida e reservada, devem persistir na exposição da racionalidade superior de suas teses, de modo a agregar opiniões que se perfilem entre aqueles que sabem que o maior destino das mentes privilegiadas pela maturidade é o plantio de árvores cujos frutos mais serão colhidos pelos que os sucederem.