Título: Cai a fortaleza
Autor: Sabadini, Tatiana
Fonte: Correio Braziliense, 24/08/2011, Mundo, p. 16

Rebeldes tomam o quartel-general de Kadafi e preparam a instalação de um novo governo em Trípoli. De um refúgio desconhecido, ditador promete "vitória ou martírio"

O quartel-general que simbolizava os 42 anos de governo de Muamar Kadafi caiu ontem em mãos dos rebeldes líbios, e Trípoli se preparava para receber ainda hoje o comando do Conselho Nacional de Transição (CNT), instalado em Benghazi, no leste, desde o início do levante contra o ditador, há seis meses. Kadafi, os filhos e a cúpula do regime deposto não estavam no complexo de Bab Al-Aziziya, e até o fechamento desta edição não havia sinais de onde o ditador poderia estar. De algum refúgio, o coronel voltou a se pronunciar pelo rádio, e disse que só contemplava duas opções: a vitória ou a morte.

Depois de cinco horas de uma dura batalha com as forças do governo, a oposição conseguiu irromper em Bab Al-Aziziya no início da tarde. Toda a área foi revistada, mas Kadafi não foi encontrado. Nas horas que se seguiram, as câmeras mostraram rebeldes entrando no complexo e saindo carregados de "troféus": armas em quantidade, documentos e pertences pessoais. Alguns, em uniforme militar, passeavam no famoso carrinho bege utilizado em uma das últimas aparições públicas do ditador, quando ele também carregava um guarda-chuva. Um monumento dourado na forma de um pulso que amassava um avião militar dos Estados Unidos ¿ um capricho do coronel para lembrar o bombardeio americano ao complexo, em 1986 ¿ foi danificado. Um busto do líder foragido foi derrubado pelos rebeldes, que posaram para fotos pisando sobre a cabeça.

No pronunciamento difundido no fim da noite, Kadafi enviou uma mensagem aos correligionários que lhe restavam. "Estamos resistindo com toda a nossa força. Vamos vencer ou nos tornar mártires, como Deus quiser", disse. O coronel declarou que sua saída do complexo foi "um movimento tático". Relatou que seu complexo foi alvo de 64 ataques aéreos da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) desde março, quando o Conselho de Segurança da ONU autorizou o uso de "todos os meios necessários" para proteger os civis líbios da repressão imposta pelo regime aos opositores.

Os rebeldes conseguiram controlar grande parte de Trípoli, mas em algumas áreas ainda havia conflito com bolsões leais ao governo. Os combates deixaram mais de 400 mortos e 2 mil feridos nos últimos três dias, segundo dados divulgados pelo CNT. Muitos aliados de Kadafi partiram para Zuara, cidade portuária na fronteira com a Tunísia, na tentativa de reagrupar-se para uma contraofensiva ou de assegurar para o ditador uma rota de fuga. A coalizão internacional afirmou que os bombardeios poderão continuar até que o governo de transição se organize. "Continuaremos vigiando os movimentos das unidades militares e, se virmos uma ameaça, atuaremos de acordo com o mandato do Conselho de Segurança", afirmou a porta-voz da Otan, Oana Lungescu.

"Novo país" Para o CNT, a tarefa passa a ser de transformar uma coalizão recém-costurada em um governo provisório. "Construímos agora uma nova Líbia, com todos os líbios como irmãos, por uma nação unida, civil e democrática. Devemos ser dignos da revolução e construir um novo país", anunciou em Doha, no Catar, o "número dois" da rebelião, Mahmud Jibril. Ele afirmou que serão necessários U$S 2,4 bilhões para reconstruir o país.

A insurreição contra Kadafi mostrou, ao longo de seis meses, os pontos fortes e os calcanhares de aquiles do CNT. Na última categoria se enquadram as informações precipitadas sobre a suposta captura de Saif Al-Islam, filho e herdeiro designado de Kadafi. "A democracia nunca avança adiante de forma plena. A transição na Líbia deve ser mais incerta e mais caótica do que nos países vizinhos", disse ao Correio Bruce Jentleson, professor da Duke University, nos EUA.