Em entrevista, Lula afirma que não teme ser preso

Fernando Taquari 

06/11/2015

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva negou ontem ter conhecimento do esquema de corrupção na Petrobras investigado pela Polícia Federal e o Ministério Público. O petista disse que não teme ser preso e pregou cautela com os depoimentos de delatores. As declarações foram feitas em entrevista ao jornal do SBT.

"Não temo ser preso. Duvido que tenha alguém neste país, do pior inimigo meu ao melhor amigo meu, que diga que um dia teve alguma uma conversa ilícita comigo", afirmou. A exemplo do que ocorreu quando o mensalão se tornou público, em 2005, Lula ressaltou que não foi alertado sobre as irregularidades na estatal.

"Essas coisas você só descobre quando a quadrilha cai ou quando alguém denuncia", disse o ex-presidente, que ironizou as investigações em torno de seus parentes, sobretudo Luís Cláudio, alvo da Operação Zelotes. Segundo o petista, o Brasil é hoje a "república da suspeição", já que um investigado já passa à condição de condenado, mesmo sem provas.

Na entrevista, Lula ainda colocou em dúvida os depoimentos de delatores investigados pela Operação Lava-Jato e desconversou ao ser questionado sobre o amigo e pecuarista José Carlos Bumlai, acusado pelo delator Fernando Baiano de receber propina para intermediar negócios na área de petróleo e repassar valores a uma nora do ex-presidente.

"Se ele (Bumlai) teve situação indevida, vai ficar provado", declarou o petista. "Nem tudo que o delator fala tem veracidade. É preciso que a gente não dê um voto de confiança ao bandido e um voto de desconfiança ao inocente". Apesar das ironias, classificou as investigações como "normais" dentro de um regime democrático e discordou do ex-ministro Gilberto Carvalho, que disse que as operações visam prejudicar sua eventual candidatura à Presidência em 2018.

"Combater a corrupção é obrigação, não é mérito", afirmou. O surgimento de novos casos de corrupção, explicou, só foram possíveis devido a instrumentos de transparência e modernização que foram implementados durante as gestões do PT. "Há 15 anos não acontecia isso", argumentou o ex-presidente ao declarar que PF e o MP têm mais liberdade e autonomia para atuar nas investigações.

O ex-presidente também criticou seu antecessor na Presidência, Fernando Henrique Cardoso, ao afirmar que o tucano não tem moral para falar sobre corrupção na medida que há evidências sobre a emenda da reeleição de 1997. "Ele tem que lembrar que o único mensalão criado, reconhecido por deputados do DEM, que disseram que receberam dinheiro, foi dele", declarou. "Fernando Henrique tem um problema comigo de soberba. Ele sofre com meu sucesso".

Ao tratar da crise econômica, defendeu a necessidade de o governo Dilma Rousseff apostar no aumento do crédito para ajudar o país a enfrentar o cenário de recessão, na contramão do que tem pregado o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, principal defensor do ajuste fiscal. Nos últimos meses, o ex-presidente tem feito críticas à política econômica adotada por Levy, inclusive, há especulações de que teria atuado para substituir o atual titular da Fazenda.

Lula reconheceu erros do governo ao admitir que a presidente deveria ter aumentado o preço da gasolina em 2012 e que ela percebeu tarde demais que as desonerações ultrapassaram o limite de caixa da União, embora a medida tenha sido fundamental para a ampliar os investimentos do setor produtivo.

Valor econômico, v. 16 , n. 3877, 06/11/2015. Política, p. A8