Para Arminio, País segue um caminho 'insustentável'

 

ANTONIO PITA

O Estado de São Paulo, n. 44516, 04/09/2015. Economia, p. B4

 

O ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga evitou comentar os riscos e rumores de uma eventual saída do atual ministro da Fazenda, Joaquim Levy, após desgastes no governo. Para o economista, o País segue um "caminho insustentável" e que não há uma "resposta mais completa e mais convincente" sobre o quadro de crise econômica. Fraga avalia que o Brasil enfrenta, também, uma crise "política e policial", em função dos desdobramentos da Operação Lava Jato.

"Levy é uma pessoa importantíssima. Essa é uma questão política, não sou político", despistou Fraga após participar de palestra na Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Rio. "Estamos vivendo um momento muito tenso por várias razões, economia em recessão, crise política, crise policial. Espero que isso se corrija. A mistura de incerteza econômica com incerteza política faz com que, na prática, a política domine hoje", afirmou.

Questionado se ele enxerga uma saída política para a situação, Fraga indicou que "no momento, não". Para ele, "algumas boas propostas" foram apresentadas, mas ainda não começaram a gerar resultados.

 

O ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga 

O ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga 

"Enquanto país, temos uma vocação para fazer marola sem abordar as questões. Essa confusão toda atrapalha. As pessoas estão preocupadas com muitos assuntos ao mesmo tempo e não conseguem dar uma resposta mais completa e convincente nesse quadro de crise. Não adianta tapar o sol com a peneira, é preciso dar uma resposta à altura", afirmou.

Para Fraga, a proposta de orçamento do governo para 2016, com déficit de cerca de R$ 30 bilhões, "põe pressão" ainda maior sobre a crise atual. "A sensação é que a responsabilidade fiscal está suspensa. O caminho é insustentável. É aritmética, óbvio. Não tem como ter juros de 7% fazendo a dívida crescer. Até onde isso pode ir? Ninguém acredita que vai continuar para sempre. A questão é o que fazer e como", disse.

O economista defendeu ainda que o Banco Central atue para alcançar a meta de inflação, mas sinalizou que, sozinha, a instituição não conseguirá melhorar o cenário macroeconômico. "O Banco Central tem que perseguir a meta de inflação. E tem que contar com a colaboração de outras áreas do governo, tipicamente a área fiscal. As coisas estão ligadas", pontuou.

Fraga ainda indicou que há risco de o País perder o grau de investimento, mas enfatizou que não é o principal problema da economia hoje. "Não sou obcecado com essa questão. Está em risco, com certeza. Mas é um aspecto limitado da coisa, diz respeito à capacidade de o Brasil pagar sua dívida externa. Me preocupo com o quadro geral", concluiu.

Lava Jato. Fraga classificou os casos de corrupção investigados pela Operação Lava Jato, da Polícia Federal, como uma "ameaça real à qualidade da democracia", uma vez que o objetivo dos desvios seria "sustentar o poder político". Fraga afirmou que a operação provoca um efeito paralisante sobre a economia e a política. Ele disse ainda que o País está "claramente na direção errada".

"Estamos passando por um gigante escândalo de corrupção. Mas não é o padrão usual com algumas pessoas enriquecendo. É muito mais que isso. Há uma conexão organizada entre políticos e o esquema de corrupção para sustentar o poder político. É uma real ameaça à qualidade de nossa democracia", afirmou.

"Há um efeito paralisante que parece estar afetando todo grande contrato no País. Teremos por um tempo uma paralisação no próprio Congresso, pois os parlamentares estão possivelmente pensando agora se irão à cadeia mais do que qualquer outra coisa, e não suficientemente sobre a nossa situação", completou. Fraga ainda afirmou que a corrupção é "uma doença difícil de curar" e um dos desafios de toda a sociedade. O ex-presidente do BC avaliou também não ser uma "coincidência" que o País enfrente uma crise combinada entre economia e política. Para ele, o País escolheu o "modelo errado".

"Estamos lado a lado, simultaneamente, com crise política e econômica. Uma alimenta a outra, e é muito difícil consertar. Na minha visão, a política vai ter que liderar com boas ideias. Até que a política mude essa velha forma de enxergar o País, essa abordagem sobre a democracia, e se foque em questões de longo termo, não conseguiremos consertar. Com sorte conseguiremos passar pela situação atual. Mas depois, em algum momento, algo vai acontecer, e não vamos nos adereçar às questões de modo mais profundo", avaliou.