Prudência com os juros

 

O Estado de São Paulo, n. 44516, 04/09/2015. Opinião, p. A3

 

Enquanto o governo se enrola na própria incompetência, tropeça na proposta de Orçamento e espalha insegurança, o Banco Central (BC) escolhe o caminho da prudência e mantém a taxa básica de juros em 14,25%. O cenário econômico fora do comum – preços em disparada, negócios em baixa e desemprego em alta – já seria suficiente para justificar a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom), responsável principal pelo combate à inflação. Um aumento de juros poderia aprofundar a recessão, agravar um quadro já muito ruim e estender a retração econômica para além do próximo ano. Uma redução da taxa poderia prejudicar o esforço de contenção de preços e ser interpretado como um precipitado afrouxamento da política.

A crise política, a fraqueza do Executivo e a desorientação ostensiva da presidente da República tornam mais assustador o conjunto de incertezas. É preciso considerar também esses dados, quando se examinam os indicadores econômicos mais citados.

A lista desses indicadores inclui, entre outros dados, a inflação próxima de 10% em 12 meses, o Produto Interno Bruto (PIB) 2,1% menor que no primeiro semestre do ano passado, o desemprego de 8,3% no segundo trimestre, a produção industrial 6,6% inferior à de janeiro-julho de 2014 e, muito importante, o investimento em máquinas, equipamentos e construções com queda de 11,9% em um ano.

Esses números bastam para fundamentar a expectativa de contração econômica de cerca de 2% neste ano – há quem preveja resultado pior – e a projeção de mais uma fase de recessão em 2016, com o PIB diminuindo cerca de 0,5%.

Nem o governo consegue ser muito mais otimista nesta altura. A proposta de lei orçamentária enviada ao Congresso embute uma previsão de crescimento econômico de 0,2% e uma estimativa de inflação de 5,4%. Este número é próximo da mediana das projeções do mercado, de 5,51%, e ainda bem superior ao resultado prometido pelo BC.

Segundo o Copom, a meta de 4,5% ainda é alcançável até o fim do próximo ano.

Essa expectativa foi reafirmada no curto informe divulgado na quarta-feira à noite, logo depois da reunião do comitê.

Segundo a nota, a taxa básica de 14,25% ao ano será mantida “por período suficientemente prolongado” para garantir “a convergência da inflação para a meta no final de 2016”. O texto reafirma a disposição anunciada pelo Copom depois da reunião do fim de julho.

É difícil de traduzir esse “período suficientemente prolongado” em número de meses. Há no mercado quem aposte em redução dos juros básicos a partir do segundo semestre de 2016. Há     quem preveja redução a partir do segundo trimestre. Mas qualquer palpite sobre a evolução da taxa básica, a Selic, é muito inseguro quando se combinam tantas incertezas políticas e econômicas. 

Um importante fator de insegurança é o dólar. Sua cotação tem sido afetada tanto pelas turbulências externas quanto pelos temores de agravamento da crise brasileira. A instabilidade cambial ainda poderá aumentar se o banco central americano deixar mais clara a disposição de elevar os juros nos próximos meses. O câmbio e o custo dos financiamentos também serão afetados se as agências de classificação de risco rebaixarem a nota do Brasil. Esse lance poderá ser motivado tanto pelas trapalhadas na gestão das contas públicas quanto pelos conflitos no interior do governo. Segundo alguns analistas, a saída do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, será quase certamente interpretada como um sinal de maior desordem na política econômica. Pode ser um temor infundado. Mas até agora a presidente evitou testar essa tese, embora continue desprezando, inegavelmente, as opiniões de Levy.

Além do mais, o papel do BC no combate à inflação será tanto mais importante quanto mais prolongada seja a crise das contas públicas. Sem um forte sinal positivo do lado fiscal, o Copom tomará um caminho arriscado se iniciar o corte de juros. Diante disso, o “período suficientemente prolongado” talvez tenha de ser, de fato, muitíssimo longo.