Correio braziliense, n. 19126, 07/10/2015. Política, p. 2
Nova manobra contra o julgamento no TCU
Data: 07/10/2015
Edição: Colunas e Manchetes
Jornal: CORREIO BRAZILIENSE - DF
Editoria: POLÍTICA
Depois de pedir o afastamento do ministro-relator do caso, AGU entra com ação no Supremo para tentar impedir a apreciação das pedaladas fiscais pelo Tribunal de Contas da União por "atropelo" ao Código de Processo Civil JOÃO VALADARES
Um dia após o Tribunal de Contas da União (TCU) decidir que o julgamento dos gastos do ano passado da gestão Dilma Rousseff (PT) estaria mantido para hoje, o governo entrou com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) para impedir a realização da sessão. No pedido da Advocacia-Geral da União (AGU), que será analisado pelo ministro do STF Luiz Fux, o Planalto quer que o processo seja suspenso até que a Corte decida se o ministro Augusto Nardes pode permanecer à frente da relatoria do caso. O governo cita o Código de Processo Civil para demonstrar que o TCU atropelou o rito natural previsto na legislação. Nos bastidores, é dada como certa, se o julgamento ocorrer, a rejeição unânime das contas da petista, o que daria fôlego à oposição para pavimentar o processo de impeachment.
Na segunda-feira, o governo havia entregue ao TCU o pedido de afastamento de Nardes, alegando suspeição do ministro para julgar o balanço contábil porque ele teria antecipado o seu voto e dito que “o tribunal faria história”. No mesmo dia, diante do pedido considerado protelatório pela maioria dos ministros, o tribunal marcou posição e decidiu que o julgamento da questão relativa a Nardes ocorreria na mesma sessão. O ministro Bruno Dantas havia alertado, na segunda-feira, os seus pares para o “atropelo” do Código de Processo Civil, no entanto, foi voto vencido.
No entendimento da AGU, o Código de Processo Civil deve ser aplicado ao TCU. Desta maneira, o processo principal é suspenso até que se julgue a arguição de suspeição. “O direito positivado determina expressamente que oferecida a suspeição do juiz, a petição será, procedimentalmente, processada em separado da causa principal, devendo ser julgada a exceção pelo tribunal, em apartado, antes das questões de méritos discutidas no processo principal, o que não está sendo observado pelo Tribunal de Contas da União”, alega a AGU. O TCU enviou ontem à noite a defesa ao Supremo.
O governo aponta que “as manifestações do relator não constituem declarações genéricas. Ao contrário, manifesta opinião concreta sobre o processo de contas da presidente da República, ainda pendente de apreciação”.
Ao perceber que a AGU entraria com o mandado de segurança, o TCU fez uma manobra burocrática no fim da tarde de ontem para tentar esvaziar os efeitos do mandado de segurança. O corregedor da Corte, Raimundo Carreiro, encaminhou o pedido de suspeição para Cedraz, que o nomeou relator. Dessa forma, Carreiro notificaria Nardes, que se defenderia antes do julgamento. Assim, o rito estaria cumprido.
No documento, o advogado-geral da União, Luis Inácio Adams, cita várias notícias veiculadas na imprensa para justificar o pedido. “Tal conduta não se coaduna com a missão atribuída a um ministro da Corte de Contas, que deve guardar sigilo de seus votos até a efetiva prolação perante o colegiado, ferindo, em consequência, o juiz natural, expressão do Estado democrático de direito”.
Ritos
Em nota divulgada na noite de segunda-feira, Nardes reagiu. “O governo está tentando intimidar a mim e ao Tribunal de Contas da União, mas não vamos nos acovardar.” O ministro comunicou que, em nenhum momento, antecipou o seu posicionamento. “Não antecipei meu voto em momento algum nem divulguei o relatório e voto relativo ao julgamento das contas de 2014 para a imprensa.” Nardes salientou que seguiu todos os ritos. “O que fiz foi cumprir o que determina o regimento interno do TCU, que exige que uma minuta do parecer prévio e do relatório seja disponibilizada aos demais ministros da Casa até cinco dias antes da sessão de julgamento”, informou. O ministro atestou que a divulgação não foi realizada pelo gabinete dele.
De acordo com o TCU, as chamadas “pedaladas fiscais” dos últimos quatro anos somam R$ 40 bilhões. O governo Dilma Rousseff atrasou por 21 meses, desde que assumiu a Presidência, repasses do Tesouro Nacional, por exemplo, para a Caixa realizar o pagamento do seguro-desemprego, deixando o saldo do programa no vermelho. As manobras foram intensificadas no ano de 2013 e só interrompidas em outubro de 2014, às vésperas de a reeleição ser definida.
» Quem é quem
Confira quais são os ministros do Tribunal de Contas da União
Indicados pela Câmara
Aroldo Cedraz, presidente da Corte.
» Eleito em 2006, o baiano foi deputado federal pelo antigo PFL, que se transformou no DEM. Era bastante ligado ao senador Antônio Carlos Magalhães, falecido em 2007.
Augusto Nardes
» Exerceu o mandato de deputado federal pelo PP do Rio Grande do Sul. Teve o nome aprovado em 2005. Atualmente, relata o processo que analisa as contas de 2014 da presidente Dilma.
Ana Arraes
» Deputada pelo PSB de Pernambuco, chegou ao TCU em 2011 após uma forte campanha feita pelo seu filho, Eduardo Campos, falecido em acidente aéreo em agosto de 2011.
Indicados pelo Senado
Raimundo Carreiro
» Bastante ligado ao ex-presidente da República José Sarney, o maranhense entrou no TCU em 2007.
Bruno Dantas
» O baiano assumiu o cargo no ano passado aos 36 anos, o mais novo ministro do TCU da história. Era consultor jurídico do Senado e muito próximo ao presidente da Casa, Renan Calheiros.
Vital do Rêgo
» O peemedebista era senador. É o mais novo empossado no TCU. Ganhou destaque nacionalmente ao presidir a CPI do Cachoeira, em 2012. Chegou ao TCU após uma articulação entre Renan e Dilma.
Indicados pelo Planalto
José Múcio Monteiro
» Pernambucano, o ex-líder do PTB na Câmara foi indicado ao TCU pelo ex-presidente Lula. Ele é o relator do parecer que considerou crime de responsabilidade fiscal as chamadas “pedaladas”.
Benjamin Zymler
» Servidor de carreira do tribunal, o carioca foi nomeado em 2001 pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. É o membro de perfil mais técnico do TCU.
Walton Alencar
» Foi indicado por FHC em 1999. Ocupou a vaga que cabe ao Ministério Público de Contas.
Oposição critica ataques governistas
O presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves (MG), afirmou ontem que o Tribunal de Contas da União (TCU) “vem sendo atacado de forma vil e grosseira pelo Executivo, que faz tentativa de intimidação”. Aécio liderou uma comitiva de parlamentares da oposição em reunião com o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Aroldo Cedraz. “Ao governo foram dados prazos que jamais foram dados a qualquer outro processo para que se defendesse, para que enviasse as suas justificativas. Ao perceber que não existe justificativa para as ilegalidades cometidas, o governo ameaça sim com chicanas”, afirmou o tucano.
Com Aécio, estavam os senadores Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), Álvaro Dias (PSDB-PR), Ronaldo Caiado (DEM-GO) e Agripino Maia (DEM-RN), além dos deputados Mendonça Filho (DEM-PE), líder de seu partido na Câmara, Roberto Freire (PPS-SP), presidente nacional de seu partido, Arthur Maia (SD-BA) e Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força (SD-SP), presidente nacional do Solidariedade.
Segundo Aécio, o país “está assistindo à mais triste página da história da Advocacia-Geral da República (AGU), que deve aconselhar presidente da República, e não defender ilegalidades”. O senador afirmou que a visita ao TCU não foi para interferir no mérito da votação sobre as contas federais. “Não viemos interferir no mérito da decisão, mas garantir a legalidade.”
O senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) e o deputado Roberto Freire (PPS-SP) chamaram as pedaladas de “crime fiscal” logo após participarem da reunião com o presidente do TCU.
“Ao perceber que não existe justificativa para as ilegalidades cometidas, o governo ameaça sim com chicanas”
Aécio Neves, presidente do PSDB