O Estado de São Paulo, n. 44534, 22/09/2015. Política, p. A4

Ao condenar Duque e Vaccari, Moro diz que esquema desequilibrou democracia

Ricardo Brandt / Julia Affonso / Fausto Macedo

 

O juiz federal Sérgio Moro condenou ontem o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto e o ex-diretor da estatal Renato Duque. A decisão da Justiça foi a mais forte a atingir o chamado núcleo político do esquema de desvios, corrupção e lavagem de dinheiro da Petrobrás, investigados pela força-tarefa da Lava Jato.

Na sentença, Moro afirmou que os repasses ao PT entre 2008 e 2012 interferiram no processo eleitoral. "A corrupção gerou impacto no processo político e democrático, contaminando-o com recursos criminosos, o que reputo especialmente reprovável", escreveu. A afirmação reforça as acusações da oposição ao governo Dilma Rousseff de que o esquema de desvios e corrupção na estatal foi utilizado para irrigar campanhas eleitorais de candidatos do PT, inclusive a da própria presidente em 2010 e 2014.

João Vaccari Neto foi condenado a 15 anos de prisão. Renato Duque foi condenado a 20 anos e oito meses, a maior pena determinada pela Justiça no âmbito da Lava Jato até agora. Ambos foram condenados por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e associação criminosa.

O ex-diretor, de acordo com a Justiça, era o principal elo do esquema com o PT dentro da Petrobrás. Tanto Vaccari quanto Duque não fecharam acordo de deleção premiada.

Segundo a denúncia da força-tarefa do Ministério Público Federal, R$ 4,2 milhões foram repassados, entre 23 de outubro de 2008 e 8 de março de 2012, como doações eleitorais registradas ao PT. Desse total, segundo os investigadores, R$ 3,6 milhões foram destinados ao Diretório Nacional do PT. O restante foi pulverizado entre diretórios estaduais e municipais do partido. As doações, afirma a Procuradoria-Geral da República, foram feitas pelas empresas controladas pelo executivo Augusto Mendonça - PEM, Projetec e SOG, também condenado pela Justiça a 9 anos e 2 meses de prisão, ontem, por lavagem de dinheiro.

Processo eleitoral. "Talvez seja essa, mais do que o enriquecimento ilícito dos agentes públicos, o elemento mais reprovável do esquema criminoso da Petrobrás, a contaminação da esfera política pela influência do crime, com prejuízos ao processo político democrático. A corrupção com pagamento de propina de milhões de reais e tendo por consequência prejuízo equivalente aos cofres públicos e a afetação do processo político democrático merece reprovação especial", afirmou o juiz Moro na sentença.

Ainda de acordo com o magistrado, as transferências de valores para o PT tinham características que se assemelhavam com o pagamento de prestações regulares. "Analisando as doações, chama a atenção que, para alguns períodos, elas aparentam ser alguma espécie de parcelamento de uma dívida, como as doações mensais de R$ 60 mil entre junho de 2009 a janeiro de 2010 ou entre abril de 2010 e julho de 2010, do que propriamente a realização de doações eleitorais espontâneas."

Também foram sentenciados pela Justiça ontem outros envolvidos no esquema. Os operadores Adir Assad, Sônia Mariza Branco e Dario Teixeira Alves Junior foram condenados a 9 anos e 10 meses, cada um, por lavagem de dinheiro e associação criminosa.

Moro condenou, ainda, os delatores Mário Góes (lobista, a 18 anos e 4 meses de prisão), Pedro Barusco (ex-gerente de Engenharia da estatal, a 18 anos e 4 meses), Augusto Mendonça (empresário, a 16 anos e 8 meses), Julio Camargo (lobista, a 12 anos) e Alberto Youssef (doleiro, a 9 anos e 2 meses). Como colaboradores de deleção premiada, eles cumprirão as penas definidas nos acordos.


Partido faz defesa de filiado e diz que não existem provas

• O advogado Luiz Flávio Borges D"Urso, que defende João Vaccari Neto, afirmou que irá recorrer da decisão. Segundo ele, não há "sequer uma única indicação de prova" contra seu cliente.

O advogado declarou também que não é obrigação do tesoureiro de qualquer partido investigar a origem do dinheiro que foi depositado como doação na conta da legenda. Segundo D"Urso, a tarefa é de competência do Estado, por meio dos órgãos oficiais. "Dessa forma, não há crime algum na conduta de tesoureiro que indica a conta de seu partido, quando procurado."

Em nota, o presidente nacional do PT, Rui Falcão, classificou como um "equívoco" a condenação "sem provas" de Vaccari. Segundo o texto, ele sempre se pautou pela "simplicidade e a humildade" e deve conseguir reverter a sentença em instâncias superiores. Falcão reafirma que as doações eleitorais recebidas pelo PT entraram nas contas do partido de forma lícita e sugere que os montantes eram semelhantes aos recebidos por outras legendas. De acordo com ele, Vaccari "não enriqueceu na política". "A decisão baseou-se exclusivamente em delações premiadas, sem qualquer prova material, e ainda tentou criminalizar o PT."

A defesa de Renato Duque não foi localizada. O ex-diretor tem negado o recebimento de propina e demais acusações contra ele.


PARA LEMBRAR
Outro tesoureiro foi condenado


O PT já teve um tesoureiro condenado por corrupção. Delúbio Soares, tesoureiro do partido entre 2000 e 2005, foi condenado a 6 anos e 8 meses de prisão por seu envolvimento no escândalo do mensalão, deflagrado em 2005. Delúbio foi apontado como o responsável pelo esquema de compra de votos de parlamentares no Congresso.

Ainda naquele ano, foi expulso do partido após declarar, em entrevista ao Estado, que as denúncias sobre o esquema seriam "esclarecidas, esquecidas e acabarão virando piada de salão".

Em 2011, no entanto, o ex-tesoureiro foi aceito de volta ao PT com apoio, inclusive, do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.