Fed começa um ciclo de aumento gradual dos juros

17/12/2015

O Federal Reserve manteve seu rumo e anunciou ontem o primeiro aumento da taxa de juros, de 0,25 ponto percentual, desde dezembro de 2008. Se o momento e a magnitude da alta já estavam contemplados pelos mercados financeiros, a incógnita que restava era a de como o banco desenharia a trajetória das taxas a partir de agora. Mas isso também não mudou, ou mudou muito pouco. Até o fim de 2016, os participantes do Comitê de Mercado Aberto projetam quatro altas de 0,25 pontos, o que levará o "fed fund rate" a 1,5%. Ao fim de 2017, a projeção é de 2,5% e de 2018, a 3,25%. Em outra definição esperada, mas fundamental, a presidente do banco, Janet Yellen, indicou que os ajustes nos juros serão graduais e que a política monetária continuará "acomodatícia" por um bom tempo ainda.

O figurino básico que o Fed delineou para o futuro já estava traçado nas projeções feitas em setembro. Os investidores, porém, continuaram até a reunião do Fomc mantendo expectativa muito mais atenuada da evolução dos aumentos dos juros, prevendo que o Fed faria menos ajustes nas taxas em 2016 e que até mesmo reduziria a taxa de longo prazo, de 3,5%, o que não ocorreu. Por isso, uma parte dos investidores considerou que a simples manutenção de rota representa, de fato, que o Fed está fazendo um jogo mais duro, e não mais suave, agora. Mas as bolsas americanas tiveram altas robustas e a valorização do dólar ante o euro e as demais moedas perdeu fôlego, sugerindo, pelo menos em um primeiro momento, que a ação do Fed não deve causar grandes turbulências ou ajustes turbulentos nos preços dos ativos.

O Fed, porém, faz uma aposta com riscos. O grande risco da equação do banco continua sendo a inflação, que está muito abaixo de qualquer ponto que justificasse uma elevação dos juros, pelo menos tendo como guia o passado, embora depois de o Fed acumular US$ 4,5 trilhões em seu balanço, ninguém considere que os tempos sejam normais. O ponto de Yellen é que o nível de emprego está perto de seu ponto mais alto e por isso os salários não demorarão a se mover para cima, empurrando a inflação. Esta, por seu lado, está ainda muito abaixo dos 2% que o banco tem por alvo, principalmente porque houve queda forte dos preços do petróleo e dos produtos importados, devido à alta da moeda americana.

Para Yellen, os fatores que levaram o índice de gastos pessoais de consumo a variar apenas 0,25% nos 12 meses encerrados em outubro (o núcleo atingiu 1,8%), são temporários. A parte menos convincente, ou mais polêmica, é a de que o Fed poderá estar atrasado nesse processo e, portanto, age de fato como se estivesse, aumentando os juros. O risco, apontado pelos críticos, é simplesmente o de levar a economia americana de volta para a recessão e ter de interromper ou até mesmo voltar a reduzir juros em um futuro não tão distante.

Se as previsões do Fed estiverem corretas, e a inflação de fato subir a 2% em 2018, a taxa do "fed fund" estará então em 3,25%, com tendência a ir a 3,5% e parar por aí. A última vez em que o Fed elevou os juros, em junho de 2006, o fed fund parou em 5,25%. Não só o ajuste terá sido gradual, como o juro de longo prazo será substancialmente menor.

Esse é o melhor cenário em geral, e para os países emergentes, em particular. Ao contrário dos EUA, eles estão lidando com desaceleração da economia e muitos, simultaneamente, com pressões inflacionárias. O aperto de liquidez nos EUA, pelo calendário do Fed, será suave e até certo ponto amortecido pelas grandes injeções de dinheiro que continuarão a ser feitas na zona do euro e no Japão. No curto prazo, a desaceleração da economia chinesa continuará tendo sobre grande parte dos emergentes uma influência mais determinante que os aumentos planejados pelo Fed.

Para o Brasil, o gradualismo do Fed mal teve impacto imediato diante dos terríveis problemas domésticos. O real levou o maior tombo entre as moedas emergentes. Após gastar quase um ano para definir a meta de ajuste fiscal, o governo enviou na última hora ao Congresso uma proposta que permite não haver superávit e o ministro da Fazenda, contrário a essa posição, está com um pé fora da equipe. A Fitch, com isso, não esperou mais para retirar o grau de investimento do Brasil, passando a fazer companhia à Standard & Poor's. Com um processo tumultuoso de impeachment e a Operação Lava-Jato em curso, a moderação do Fed traz só alívio temporário.

Valor econômico, v. 16 , n. 3906, 17/12/2015. Opinião, p. A12