Brasil é grau especulativo pela Fitch, que ameaça com novo corte

Aline Oyamada, Aline Cury Zampieri, Lucinda Pinto, Tainara Machado e José de Castro 

17/12/2015

Dois meses após rebaixar a nota de classificação de risco de crédito do Brasil, a Fitch voltou à carga e tirou do país o status de grau de investimento, além de manter a ameaça de um novo corte. Para a agência de rating, as incertezas políticas tornam cada vez mais difícil para o governo implementar as medidas necessárias para conter a explosão da dívida pública. "Não vimos ainda um plano de consolidação fiscal crível para o médio prazo", afirmou ao Valor Shelly Shetty, analista de ratings soberanos da Fitch.

A nota do Brasil foi cortada de "BBB-" para "BB+" e a Fitch manteve a perspectiva da nota em "negativa", ou seja sob a ameaça de um novo corte. Com essa decisão, o Brasil agora é classificado como especulativo por duas das três principais agências de classificação de crédito. Apenas a Moody's mantém a nota soberana em grau de investimento, embora a mantenha em revisão para possível rebaixamento.

O corte da nota soberana de ontem já era favas contadas para o mercado, que antecipou o rebaixamento por uma segunda agência de rating nos preços de ativos como câmbio, juros e bolsa, bem como nos custos das emissões de dívida corporativa e soberana. A maioria dos analistas, no entanto, afasta a possibilidade de uma fuga de capitais do país. Há até quem considere que, tirando essa ameaça da frente, haverá oportunidades para ativos brasileiros.

Alguma saída de recursos pode ser concretizada por parte de fundos de pensão e seguradoras estrangeiros sujeitos à exigência de ao menos dois selos de grau de investimento para comprar títulos da dívida de determinado país. Mas, mesmo nesse caso, não se espera grande impacto. "Muitos fundos podem ficar desenquadrados passivamente, ou seja, não compram novos papéis, mas mantêm aqueles que estão em carteira", explica o presidente de uma grande gestora.

Para o estrategista-chefe de investimentos em América Latina e Países Ibéricos da BlackRock, Axel Christensen, esse era um risco que vinha sendo discutido e muitos investidores já haviam tomado posições com tal perspectiva no radar. Para ele, o movimento pode se transformar em oportunidade, por exemplo, para fundos especializados em ativos muito descontados.

A gestora mantém, entretanto, visão neutra sobre o mercado de ações brasileiro, em função dos solavancos políticos, apesar de calcular que o valor das empresas brasileiras está um pouco abaixo da média e exatamente em linha com o nível de um ano atrás. Mas Christensen afirma que há, comparativamente, outros emergentes mais baratos, como Coreia do Sul, Taiwan, China e Rússia. "Preferimos países da Ásia, menos ligados ao mercado de commodities."

Para Octávio de Barros, diretor do departamento de pesquisa econômica do Bradesco, é pouco provável que a perda do grau de investimento por uma segunda agência traga mudanças relevantes nos fluxos de capital para o Brasil. "Por incrível que possa parecer para alguns, os fluxos seguem positivos", afirma Barros, para quem esse cenário não muda mesmo com a estimativa de que o tombo de 3,8% do PIB projetado para este ano será seguido por retração de 2,8% da atividade em 2016. "O que mais me impressiona é que está aumentando muito o apetite para investimentos diretos no Brasil", comenta Barros. Embora considere que o movimento da Fitch "não é nada bom", o economista vê um aspecto positivo. "O que era ameaça está virando realidade. Isso é bom porque abre perspectivas para melhora mais à frente", afirma.

Avaliação dissonante é feita por Win Thin, estrategista-chefe global de câmbio para mercados emergentes do banco Brown Brothers Harriman, em Londres. Para ele, há um risco "concreto" de saída maciça de capitais do Brasil a partir de agora, até porque uma ação semelhante de rebaixamento pela Moody's será apenas uma questão de tempo. "Os mercados emergentes de forma geral estão passando por turbulências, mas no Brasil o problema político definitivamente intensifica o mau humor do estrangeiro com o país", afirma o estrategista. Thin vê o dólar oscilando acima de R$ 4 no fim deste ano e podendo chegar a R$ 5 até o fim de 2016.

A economista do Santander, Tatiana Pinheiro, avalia que a segunda perda de grau de investimento pode ter um efeito sobre o perfil da dívida mobiliária federal, ampliando a participação de papéis pós-fixados, em detrimento dos prefixados, além do encurtamento do prazo médio. "Antes de ser investment grade, a proporção dos papéis pós-fixados era maior, assim como o prazo médio da dívida, menor. Não devemos voltar àquele nível, mas haverá um retrocesso", diz. Hoje, cerca de 20% do total da dívida mobiliária é formado por LFTs, os títulos pós-fixados.

Tatiana também acredita que pode haver alguma redução na participação do investidor estrangeiro no total da dívida, mas de forma marginal. Em 2008, lembra, quando houve a crise de crédito americana que gerou uma forte redução do apetite por risco global, houve uma diminuição nessa participação de cerca de 1 ponto percentual. Se comparada a outros países, lembra, a presença do estrangeiro no total da dívida é pequena, o que torna o país menos vulnerável a esse evento.

Valor econômico, v. 16 , n. 3906, 17/12/2015. Finanças, p. C1