Correio braziliense, n. 19133, 14/10/2015. Política, p. 5
14/10/2015 - Fonte: Correio Braziliense - Edição Digital
Os presidentes do PSol e da Rede Sustentabilidade acionaram ontem o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), no Conselho de Ética. Eles querem a abertura de processo por quebra de decoro parlamentar para que, no fim, seja condenado à cassação do mandato por esconder contas e dinheiro no exterior. Dados do Ministério Público da Suíça mostram que o peemedebista recebeu R$ 32 milhões em quatro contas em nome de offshores desde 2007. Em abril deste ano, foram confiscados R$ 9,6 milhões de duas contas remanescentes. Cunha, porém, disse à CPI da Petrobras e ao Correio, em março, que não tinha qualquer recurso fora do Brasil, nem mesmo empresas offshore.
Além dos dois partidos, 46 deputados de mais cinco legendas apoiaram a iniciativa em um abaixo-assinado, já que as representações só podem ser feitas por legendas. A maioria dos apoiadores, 32, era do PT, sigla que liberou a bancada, mas evita confrontar Cunha formalmente tendo em vista que ele pode iniciar um processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. Também apoiaram a representação parlamentares de PSB (3), Pros (2), PMDB (1) e PPS (1) e Rede (1). Segundo o PSol, que colocou cinco assinaturas no documento, o total de apoiadores deve chegar a aproximadamente 65 até hoje porque alguns deputados não chegaram a tempo.
Arnaldo Jordy (PPS-SP) foi o único representante da oposição pró-impeachment de Dilma a participar do evento. Hoje, ele vai à Procuradoria-Geral da República pedir cópias de todos os documentos bancários de Cunha enviados pelo Ministério Público da Suíça. Ontem, PSDB e DEM evitaram novamente constranger Cunha por ver nele a esperança de cassar o mandato da presidente da República.
O líder do PSol, Chico Alencar (RJ), disse ser "patético" que a Câmara seja comandada "por alguém com tantas acusações" e suspeitas: mentira sobre patrimônio, corrupção passiva, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e sonegação. Já o líder da Rede, Alessandro Molon (RJ), afirmou que o partido assinou a representação porque "os fatos estão comprovados".
O ex-líder do governo na Câmara Henrique Fontana (PT-RS) e Alencar criticaram o silêncio da oposição e as reuniões com Cunha após uma nota em que PSDB, DEM, PPS, PSB e SD pediram o afastamento do presidente da Câmara. "É jogo de cena e hipocrisia", disse Alencar. "Há uma indignação seletiva com a corrupção", provocou Fontana.
Provas
O líder do PSDB, Carlos Sampaio (SP), voltou a dizer que "o ideal seria o afastamento" do peemedebista. "Cabe ao Conselho de Ética produzir as provas. A oposição não tem elementos para deliberar agora isso", disse.
O líder do PPS, Rubens Bueno (PR), se irritou ao responder se a oposição tratava a corrupção do PT e de Cunha com a mesma postura. "Vocês têm que respeitar um pouco quem tem uma vida pública dedicada. Não são dois pesos e duas medidas. Estamos discutindo prioritariamente o impeachment de uma presidente que está destruindo o país." Bueno ainda criticou o PSol por ser o único partido de oposição contrário à cassação de Dilma.
Cunha minimizou a representação ao Conselho de Ética. Disse ser natural ser acionado pelo PSol, que pede sua saída desde o início do ano, quando a PGR fez o pedido para abrir inquérito contra ele. "Aí, me poupe. São meus adversários políticos: isso é normal." Ele disse que está "firme" e não vai deixar o cargo. "Acho que vão ter que me aturar um pouquinho mais."
Memória
Ibsen Pinheiro (C) despacha o pedido contra Collor em plenário
Mesmo rito com Collor
O rito adotado para a tentativa da oposição de abrir o impeachment da presidente Dilma Rousseff foi o mesmo utilizado na cassação do ex-presidente Fernando Collor de Mello (hoje senador pelo PTB-AL). Em 1992, quando Collor acabou cassado, o presidente da Câmara, Ibsen Pinheiro (PMDB-RS), decidiu sozinho se recebia ou não o pedido de impeachment formulado pelos então presidentes da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Barbosa Lima Sobrinho, e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcelo Lavenère.
Até o momento, é isso que Cunha pretende fazer, seguindo o artigo 218 do Regimento Interno da Casa, que está em vigor até hoje. Ao receber o pedido de Sobrinho e Lavenère, Ibsen criou a comissão especial mencionada no texto legal. Após a comissão dar parecer favorável à abertura de processo contra Collor, o caso seguiu para o plenário. Em 1º de setembro de 1992, os deputados aprovaram o parecer por 441 votos a favor, 38 contrários, uma abstenção e 23 ausentes. A partir daí, Collor foi afastado do cargo; o vice, Itamar Franco, assumiu; e o Senado iniciou o julgamento do presidente. Em 29 de dezembro, o plenário do Senado iniciou o julgamento e Collor renunciou, mas no dia seguinte os senadores concluíram o processo. Ele acabou cassado por 76 votos a favor e dois contra.
FHC
No caso de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), o ex-presidente escapou do processo. O presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), negou seguimento ao pedido de impeachment do tucano. Em 18 de maio de 1999, o deputado Milton Temer (PT-RJ) - em parceria com os petistas Arlindo Chinaglia (SP) e José Dirceu (SP) - recorreu ao plenário, mas o recurso perdeu por 342 a 100, com três abstenções.