Correio braziliense, n. 19132, 13/10/2015. Economia, p. 6

Energia elétrica: mais aumentos vêm por aí

Quem acha que já está pagando demais pela conta de luz pode se preparar: mais aumentos estão a caminho. Completamente desestruturado desde 2013, quando a presidente Dilma Rousseff interveio no mercado com a Medida Provisória 579, hoje convertida em lei, o setor elétrico amarga prejuízo gigantesco estimado em R$ 70 bilhões, e passa por um processo de judicialização sem precedentes. Os problemas se multiplicam, sem que o governo federal encontre solução para os impasses. O ônus dessa incapacidade, será, como sempre, transferido para os consumidores na forma de reajustes nas tarifas.

Entre os imbróglios do setor, está a dívida acumulada da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), um fundo setorial que serve para custear programas especiais, como a universalização do acesso à energia, e a estimular fontes alternativas. O montante saltou de R$ 1,6 bilhão para R$ 22,9 bilhões porque alguns agentes estão conseguindo liminares na Justiça para não pagar parte dessa conta. A Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace) foi a primeira a conseguir o direito provisório de não obedecer à regra segundo a qual os grandes consumidores pagariam uma parcela maior do que residências e comércios.

A indústria não quer arcar com os subsídios da CDE – que antes eram bancados pelo Tesouro Nacional e passaram a ser divididos entre todos os consumidores. Com a judicialização, o rateio pesa mais na conta de luz dos brasileiros. Para piorar, empresas estão, individualmente, conseguindo liminares. “Como é um rateio, quem não é beneficiado por liminar acaba pagando mais”, diz Paula Campos, gerente de Consultoria e Gestão do Grupo Safira Energia. “Dois terços da CDE são subsídios causados por decisões políticas”, emenda.

 

 

O presidente da Associação Brasileira das Companhias de Energia Elétrica (ABCE), Alexei Vivan, explica que, com as liminares, os consumidores residenciais perderam o alívio que tinha sido dado a eles pela MP 579. “Na prática, representa um aumento”, diz. Já o presidente da Associação Brasileira das Distribuidoras de Energia Elétrica (Abradee), Nelson Leite, ressalta que as concessionárias pagam antecipadamente a parcela maior do rateio. “As empresas só recebem a correção de tarifas na revisão anual, quando repassam o valor para os consumidores. Isso gera um descasamento de caixa de R$ 10 bilhões”, revela. Por conta disso, a Abradee entrou com um mandado de segurança para se livrar dos efeitos das liminares. “O resultado ainda não saiu”, assinala.

Segundo Nelson Leite, os R$ 22,9 bilhões em dívida da CDE são referentes a restos a pagar de 2014, a cerca de R$ 4 bilhões de riscos hidrológicos da hidrelétrica de Itaipu e também a R$13 bilhões que o Tesouro deixou de aportar no setor. Ele alerta que a desvalorização cambial aumentou o rombo. A energia de Itaipu é paga em dólar. Mesmo que distribuidora desembolse quase R$ 4 por dólar para comprar energia da usina, seu contrato de câmbio é de R$2,80. No entanto, ela precisa esperar pelo reajuste anual para resolver o desequilíbrio. “A solução é postergar outros pagamentos ou pedir nova revisão tarifária extraordinária (RTE)”, esclarece. Essa conta também vai acabar no colo do consumidor.

Este ano, a Aneel já concedeu uma RTE para reajustar as tarifas de forma que as distribuidoras pudessem arcar com o rateio da CDE. “Não há limitação para revisões extraordinárias. Se houver desequilíbrio econômico, é possível pedir uma nova. Está previsto em contrato”, alerta. Leite também explica que o artigo 19 da Lei 12.783, decorrente da MP 579, que desarranjou o setor elétrico, prevê que a variação cambial de Itaipu deveria ser neutralizada e repassada ao Tesouro. No entanto, isso nunca foi regulamentado.

Empréstimos

Além da RTE – se for aprovada -, cada distribuidora tem uma revisão anual programada. Portanto, os reajustes continuarão pesados em 2016 e 2017, período em que os consumidores ainda estarão pagando pelos empréstimos emergenciais feitos ao setor no ano passado.

Como se não bastasse, o governo ainda encontrou uma fórmula que vai onerar ainda mais o consumidor. Para atrair mais investidores aos leilões de energia, permitiu que 70% do valor da outorga sejam recuperados por meio da tarifa. No caso das 29 hidrelétricas que deverão ser relicitadas em novembro, a previsão de pagamento da outorga é de R$17 bilhões. No edital, a Aneel indicou que poderão ser recuperados R$2,3 bilhões por ano. “A usina vende para a distribuidora, que depois repassa esse custo para o consumidor. Como é dividido entre todos os brasileiros, o valor parece pequeno, mas é mais um aumento”, explica Alexei Vivan, da ABCE. 

Risco será repassado

Outra avalanche de liminares vai acabar respingando na fatura de energia elétrica dos brasileiros. O gargalo, nesse caso, são dívidas de mais de R$ 20 bilhões de usinas hidrelétricas. Esse rombo também será pago pelo consumidor, via bandeiras tarifárias ou Encargo de Energia de Reserva (EER).

Como houve insuficiência de água por conta da seca, as usinas não conseguiram produzir o suficiente e tiveram que recorrer ao mercado livre para comprar energia e honrar os contratos com as distribuidoras. Por isso, acumularam a dívida bilionária na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica. Porém, as usinas recorreram ao Judiciário e ganharam liminares.

Agora, o governo estuda uma forma de mudar a repactuação do risco hidrológico de geração de energia elétrica, o chamado GFS (Generation Scalling Factor). O assunto já passou por quatro fases de audiência pública na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Enquanto não é resolvido, o mercado livre está parado, porque ninguém se arrisca a vender e não receber.

A Associação Brasileira de Fomento às Pequenas Centrais Hidrelétricas (ABRAPCH), também obteve liminar para evitar a fatura milionária. “Como é um rateio, quem não tem liminar acaba pagando mais”, explica Alexei Vivan, presidente da ABCE.

O presidente da Abradee, Nelson Leite, diz que o que está em discussão é uma forma de repassar o risco do gerador para os consumidores. “A tarifa teria redução, em momentos de hidrologia favorável, e aumento, quando o quadro fosse ruim. No fim, quem paga sempre é o consumidor”, sentencia Paula Campos, gerente da Safira Energia (SK).

Dúvidas

Em meio às indefinições do setor elétrico, o governo adiou de novembro para dezembro o leilão de energia A-1 e prorrogou prazos importantes, como o da entrega da declaração de necessidade de energia pelas distribuidoras, e de manifestação de interesse de geradores em participar. Especialistas acreditam que o leilão foi adiado porque as concessionárias não sabem ao certo quanta energia devem contratar. Com a contração econômica, o mercado se retraiu e as indústrias estão consumindo menos. A probabilidade de o certame ter pouca procura é muito alta.

 

Fonte: Correio Brasiliense