Correio braziliense, n. 19124, 05/10/2015. Economia, p. 7

Ato de desespero contra o TCU

05/10/2015 - Fonte:  Correio Braziliense - Edição Digital 

José Eduardo Cardozo, Luís Adams e Nelson Barbosa partem para o ataque e acusam ministro do TCU de ferir a lei e constranger colegas do tribunal (Antonio Cruz/Agência Brasil)

José Eduardo Cardozo, Luís Adams e Nelson Barbosa partem para o ataque e acusam ministro do TCU de ferir a lei e constranger colegas do tribunal

 


O governo decidiu dar uma última cartada para evitar a rejeição das contas de 2014 da presidente Dilma Rousseff pelo Tribunal de Contas da União (TCU). A mando do Palácio do Planalto, três ministros - Luís Inácio Adams (Advocacia-Geral da União), José Eduardo Cardozo (Justiça) e Nelson Barbosa (Planejamento) - interromperam a folga de domingo para avisar que o governo pedirá a suspensão do processo no TCU e o afastamento do relator, ministro Augusto Nardes por "suspeição". O argumento é de que, ao antecipar seu voto, recomendando a rejeição das contas de Dilma, Nardes contrariou a lei, pois tentou constranger os demais ministros da corte. O julgamento do tribunal está marcado para quarta-feira.

O Planalto sabe que a rejeição das contas do governo pelo TCU poder acelerar o processo de impeachment de Dilma. O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, já deixou claro que a decisão do tribunal "turbinarT o desejo de muitos parlamentares de colocarem em votação os vários pedidos de impedimento da petista que tramitam no Congresso. Atingindo em cheio pela Operação Lava-Jato e pelas informações da Suíça de que detém contas naquele país, Cunha não perdoa o governo e está disposto a partir para cima da presidente. Como dizem seus aliados, ele pode até cair, mas levará Dilma junto.

A meta do governo, ao tentar desqualificar Nardes, que identificou irregularidades de pelo menos R$ 40 bilhões nas contas de Dilma, muitas por meio das pedaladas fiscais, é trocar o relator do processo. A relatoria seria entregue a um ministro mais próximo do Planalto. A substituição levaria ao imediato adiamento do julgamento. O pedido para o afastamento de Nardes será enviado hoje à Corregedoria do TCU, com a defesa de que há "vício" no processo. Caso a Corregedoria acate o pleito do governo, enviará sua decisão à presidência do Tribunal, que terá de submetê-la ao plenário da corte, ou seja, os próprios colegas de Nardes terão de julgar a sua conduta à frente do processo.

"É vedado ao ministro do tribunal que, por qualquer meio de comunicação, expresse opinião sobre processo pendente", disse Adams. Segundo ele, o governo colheu mais de 2 mil páginas de reportagens nas quais Nardes deixa clara a intenção de reprovar as contas de Dilma. "Essa reiterada manifestação vem em claro conflito com uma regra que se dirige aos magistrados. Não estamos falando de agentes políticos, mas magistrados que têm regras de comportamento", assinalou. "Essa lógica, essa manifestação reiterada gerou um movimento de constrangimento." Indagado do porquê de só pedir a suspensão de Nardes às vésperas do julgamento, Adams destacou que o posicionamento do ministro do TCU tornou-se mais claro desde 11 de setembro, quando o governo entregou à corte a última parte de sua defesa.

Segundo o advogado-geral da União, o pedido de afastamento de Nardes não tem como intenção postergar o julgamento, mas, sim, garantir a isenção do processo. "Ele (Nardes) não só fala do processo como também antecipa aquilo que pretende. Ele está conduzindo, gera constrangimento para os demais magistrados e induz um movimento de apoio e busca de resultado. Na semana passada, recebeu um movimento pró-impeachment e foi aplaudido. Isso não é uma conduta de recato que é exigida de um magistrado. História é algo que tem que ser feito por político. Magistrado tem que fazer justiça", afirmou.

Repúdio

Nardes repudiou as declarações de Adams e acusou o governo de cerceamento. "Isso é tentar cercear o tribunal. É evitar que se discuta uma matéria que a sociedade quer saber. É um cerceamento de liberdade", afirmou. Ele garantiu que não antecipou sua opinião final acerca da apreciação das contas de 2014 de Dilma. Apenas disponibilizou, na quinta-feira passada, minuta de relatório e do parecer prévio aos demais ministros, uma vez que o Regimento Interno do TCU exige que a distribuição dessas peças aos seus pares se faça em até cinco dias antes da data da sessão.

Nardes destacou ainda que "eventuais declarações coletadas junto à imprensa estão relacionadas a acórdãos públicos do TCU. Ele citou como exemplo o Acórdão 825/2015, que tratou de adiantamentos realizados pelos bancos oficiais para a cobertura de despesas da União com programas sociais, como o Bolsa Família, o seguro-desemprego e o abono salarial. Listou ainda o Acórdão 1.464/2015, sobre a análise preliminar das contas de governo, na qual o tribunal comunicou ao Congresso que as referidas contas não estavam em condições de serem apreciadas naquele momento, em virtude dos indícios de irregularidades constatados, que demandavam a apresentação de contrarrazões por parte da presidente da República.

Questão técnica
José Eduardo Cardozo, disse seguir convicto de que não há razão para as contas serem rejeitadas. "Não temos a menor duvida da correção jurídica do que está sendo julgado no TCU. Portanto, não vejo como um impeachment pode ser motivado por esses fatos. Esta é uma questão fundamentalmente técnica. Parece-me que há um desejo muito forte, de alguns setores oposicionistas, de quererem aproveitar situações que já existiram para que se catapulte uma situação de ofensividade ao governo", frisou.

No entender de Nelson Barbosa, todas as medidas em análise pelo TCU têm base legal. Para ele, o uso de bancos públicos para pagar programas do governo não podem ser caracterizadas como operação de crédito, assim como as de equalizações de taxa de juros, que teriam sido feitas com autorização legal e regulamentadas por portarias dos ministérios competentes. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), no entanto, veda tais operações.

"Para nós, esse processo de apuração das contas é uma questão eminentemente técnica, que envolve interpretação da lei e das decisões econômicas. No ano de 2014, o governo propôs redução da sua meta de resultado primário e adequou a programação fiscal e financeira a essa decisão, prática idêntica ao que foi feito em 2009", afirmou Barbosa. "É uma decisão correta do ponto de vista jurídico e econômico. O governo adequou os gastos à realidade do final do ano passado, que demonstrou uma mudança muito rápida nos fatores macroeconômicos", emendou.

Agressão à democracia
Na avaliação do presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves (PSDB-MG), a decisão do governo de pedir o afastamento de Nardes do processo sobre as contas de 2014 de Dilma é uma "agressão à democracia". Para ele, "o governo age como um time que, vendo que está perdendo de goleada a partida, pede para mudar o juiz". Por meio de nota, o  destacou que a ação do governo é uma tentativa "patética" e extrema de tentar desqualificar o TCU e os pareceres técnicos da instituição.

No entender de Aécio, a ação é "truculenta e desrespeitosa" e demonstra que faltam argumentos sérios para responder aos questionamentos feitos pelo tribunal. "Escancara o enorme receio de uma histórica derrota quando do julgamento das contas presidenciais", frisou. O senador acrescentou ainda que o TCU não é subordinado ao poder Executivo e cumprirá seu dever de julgar o processo "com independência e baseado em argumentos técnicos". Segundo ele, é hora de mostrar "que, no Brasil, a lei deve ser cumprida por todos, em especial por quem deveria dar o exemplo: a presidente da República".

"É vedado ao ministro do tribunal que, por qualquer meio de comunicação, expresse opinião sobre processo pendente"  
Luís Inácio Adams, advogado-geral da União


"Isso é tentar cercear o tribunal. É evitar que se discuta uma matéria que a sociedade quer saber. É um cerceamento de liberdade" 
Augusto Nardes, ministro do TCU