Título: Ata de intenções
Autor: Martins, Victor; Cristino, Vânia
Fonte: Correio Braziliense, 09/09/2011, Economia, p. 8
BC banca o corte da Selic com a presunção de piora da crise global e de aperto do gasto público
Copiosa como sempre, a ata do Comitê de Política Monetária com as anotações sobre o polêmico corte da taxa de juros básica (Selic), de 12,50% para 12%, já que a inflação continua acima do teto da meta (6,5%), explicita a aposta do Banco Central sustentada em duas crenças.
O BC de Alexandre Tombini comprou a ideia de que "está em curso um processo de consolidação fiscal" pelo governo de Dilma Rousseff ¿ a primeira premissa ¿ e que a "economia global enfrenta período de elevada incerteza", a segunda premissa, ambas tornando "o balanço de riscos para a inflação mais favorável" ¿ a aposta.
Em síntese, segundo o BC, a piora do ambiente econômico no mundo, adicionada à "recente revisão do cenário para a política fiscal", levou o Copom a parar o ciclo de alta dos juros concomitantemente ao início de sua reversão, embora dois entre os sete diretores que formam o plenário da Selic tenham discordado, avaliando que "o momento atual ainda não oferece todas as condições necessárias" para que começasse "imediatamente".
Tais visões, que têm em Tombini, na presidente Dilma Rousseff e no ministro da Fazenda, Guido Mantega, os principais evangelistas, lastreiam a aposta, como indica a ata do Copom, de que a inflação em doze meses medida pelo IPCA chegará ao pico em outubro e depois engrenará a tendência de redução gradativa na direção do centro da meta de variação anual (4,5%) ao longo de 2012.
E quanto aos itens alardeados nas atas anteriores, como a demanda correndo acima da oferta, o mercado de trabalho apertado, aumentos reais de salários e acima da produtividade média da economia, além do crédito ao consumo aquecido, tudo contribuindo para pressionar o que os economistas chamam de "hiato do produto" e distanciar a inflação do centro da meta? Era por tais coisas que a Selic subia.
"O processo em curso de moderação da atividade doméstica (...) tende a ser potencializado pela fragilidade da economia global", responde o BC na ata do Copom, que também inclui o recuo do nível de utilização da capacidade instalada da indústria para "abaixo da tendência de longo prazo" entre os fatores que deverão daqui para frente "conter as pressões de preços". Obviamente, tudo isso é só um cenário. Há outros. O BC banca o mais favorável para a retração da Selic e, portanto, para a distensão do crescimento econômico.
Alertas minimizados O alerta quanto aos riscos da taxa de desemprego "historicamente baixa foi minimizado", entende a consultoria LCA, e o "descompasso entre oferta e demanda foi classificado como decrescente".
O que será da inflação dependerá das premissas assumidas pelo BC para reduzir a Selic acima do que o mercado financeiro esperava e continuar desinflando-a nas reuniões seguinte do Copom. Neste ano haverá outras duas. A área econômica do Bradesco espera mais dois cortes adicionais ao realizado na semana passada, levando a Selic a 10,50% no início de 2012. É o mínimo. O movimento iniciado pelo BC não pode parar, sob pena de ser avaliado como errático.
O colapso improvável As razões que o BC adotou também têm de acontecer. A que carregou mais nas tintas é improvável: o colapso da economia global. Tanto a economia na Europa quanto a nos EUA estão bambas, mas é difícil que se repita outra parada súbita do crédito como houve em 2008, com a quebra do Banco Lehman Brothers. A governança da União Européia e o governo Barack Obama não seriam irresponsáveis a tal ponto.
Se no mundo o que há à vista é a expectativa de expansão lenta, é possível prever alguma redução dos preços das commodities ¿ um dos fatores de pressão inflacionária, sobretudo dos alimentos. Mas não grande coisa, se a China e suas economias satélites na Ásia, afora o Japão, continuarem crescendo bem. Ainda que cresçam menos, como se projeta para a China, tal movimento deverá refletir um ritmo de exportações menor, mas não da absorção doméstica, que é o dado que importa para as commodities agrícolas exportadas pelo Brasil.
BC nas mãos de Dilma Tudo considerado, a inflação do cenário otimista do BC depende do que Dilma fizer para conter a expansão fiscal. Este ano, Mantega vai entregar o necessário, com o superávit primário (a economia do orçamento sem os juros) devendo chegar a 3% do PIB. Ele dobrou tal aposta para 2012. Mas o orçamento enviado ao Congresso não banca o que Mantega diz, já que considera o abatimento de investimentos do PAC de até R$ 25,6 bilhões (0,6% do PIB). Ao todo, o orçamento prevê aumento de gastos em 2012 de 15,4%, o que nem de longe se coaduna com a inflação na meta de 4,5%. O BC terá de achar outro discurso.
O governo sobre ovos O governo vai andar sobre ovos. De um lado, a inflação resistindo a desinflar devido à indexação e ao gasto público vitaminado pelo aumento de 14% do salário mínimo já decidido para 2012. De outro, o crescimento econômico perdendo tração mais pelo descompasso da indústria ¿ por causa do avanço das importações (e mais ainda pela internacionalização das cadeias de produção) ¿ que pela redução da demanda. A arrecadação tributária deverá repercutir esse quadro, e isso num ano em que a receita projetada no orçamento considera uma taxa de expansão do PIB de 5%. Neste cenário, o superávit primário é a variável de ajuste. Ou ele ou o investimento público. Ambas as opções são ruins. Por isso Dilma apoia à sorrelfa a volta da CPMF.