Correio braziliense, n. 19127, 08/10/2015. Opinião, p. 13

Analfabetismo: da vergonha ao nada

Por Mozart Neves Ramos
 

Há duas semanas, o Ministério da Educação apresentou os resultados de alfabetização de nossas crianças ao término do 3º ano do ensino fundamental, quando se espera que já estejam em condições básicas de ler, escrever e contar, de forma que possam ter mais chances de sucesso ao longo da vida escolar. Os resultados, como disse o então ministro da Educação, Renato Janine, representa uma vergonha para o nosso país: 50% delas não estão no nível esperado de alfabetização. Os números revelam que as desigualdades entre regiões, estados, municípios e escolas de um mesmo bairro já aparecem nessa fase, que é a pedra angular da educação. O analfabetismo de nossas crianças representa, assim, o que poderíamos chamar de berço da desigualdade nacional. Por exemplo, em leitura, de cada 100 alunos que concluem o 3º ano do ensino fundamental, 36 estão no nível crítico na Região Nordeste, enquanto na Sudeste o número corresponde a 13. Olhando para os estados do Nordeste, no Maranhão o número chega a 44, enquanto no Ceará cai para 15.
As crianças nesse estágio crítico de alfabetização — que corresponde, em média, aos 8 anos de idade — têm todo o potencial para compor as estatísticas do abandono escolar. O número de crianças e jovens que abandonam a escola no ensino regular a cada ano no Brasil chega a 1.303.200. Isso significa que, a cada 24 segundos, um aluno deixa a escola, perdendo, possivelmente, o passaporte para um futuro digno e promissor. Ainda não se fez estudo longitudinal sobre isso, mas provavelmente grande parte dos jovens que não foram alfabetizados no tempo adequado compõem o grupo conhecido por nem-nem — que nem estuda nem trabalha. São 10 milhões, na faixa etária de 15 a 29 anos, nessa condição. Uma bomba-relógio social de efeitos terrivelmente nocivos ao país.

Cuidar de nossas crianças, provendo-as de um aprendizado adequado ao longo da vida escolar, não é nenhum mérito. É obrigação constitucional. Portanto, não podemos apenas ficar em declarações: precisamos tomar providências urgentes. Convocar governadores, prefeitos, secretários de Educação para agir em prol das nossas crianças. Quando uma calamidade pública ocorre, implementam-se planos emergenciais, conclamam-se as autoridades, a sociedade cobra medidas eficazes.

Mas quando 50% das crianças não estão alfabetizadas aos 8 anos de idade, não se percebe clamor de urgência. O próprio Ministério da Educação não vai fazer o exame nacional de alfabetização porque já sabe que os resultados não vão mudar em 2016, e ficamos por isso mesmo. É uma vergonha! Precisamos nos indignar. Ter a coragem de mudar esse quadro vergonhoso, que nos entristece e nos coloca na rabeira da educação mundial.

O Ceará vem, há mais de 10 anos, inspirando o país no campo da alfabetização, como ocorreu com o Programa Nacional de Alfabetização na Idade Certa (Pnaic). Por que não copiamos adequadamente o que o estado vem fazendo? Não deveríamos ter vergonha de copiar o certo, mas nos envergonhar de não fazer o certo. O Ceará se deslocou da Região Nordeste e tem índices de alfabetização similares aos dos melhores estados da Federação, como Minas Gerais e Santa Catarina. Portanto, não é questão de ter apenas mais dinheiro, mas de decisão política, de se responsabilizar pela causa.

No Ceará se implementou belo regime de colaboração entre estado e municípios, com o apoio do governo federal. O repasse dos recursos — provenientes da arrecadação estadual aos municípios — tem, como um dos seus componentes, o número de crianças alfabetizadas. Mas, para não punir os municípios mais vulneráveis, o estado fornece estrutura de apoio de formação e capacitação técnica aos alfabetizadores, além dos insumos necessários ao processo de alfabetização. Portanto, não precisamos ir a Harvard, Yale, Califórnia, nos Estados Unidos, buscar a solução. A Califórnia é logo ali. Precisamos apenas ter vontade política e determinação para efetuar a mudança. Ficar não apenas nas declarações, mas, indignar-nos — para que a mudança de fato se dê.