Valor econômico, v. 16, n. 3931, 27/01/2015. Brasil, p. A2

Aneel reduz custo de bandeira, mas analistas veem pouco efeito na inflação

Por Rafael Bitencourt, Camila Maia e Tainara Machado | De Brasilia e São Paulo

 

 
 
Luis Ushirobira/ValorPepitone, da Aneel: "Ainda não podemos sair totalmente da bandeira vermelha"

 

A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) surpreendeu o mercado ao definir ontem novos valores da cobrança adicional do sistema de bandeiras tarifárias. Diante da recente melhora do cenário de chuvas e suspensão do despacho das térmicas mais caras, a agência resolveu cortar a cobrança adicional da bandeira vermelha em 33% e da amarela em 40%.

O efeito sobre a inflação, porém, não deve chegar perto desses percentuais. Como economistas já contavam com a entrada em vigor da bandeira amarela em meados do ano, os novos valores devem levar a uma queda de apenas 0,1 ponto percentual nas projeções atuais para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), ainda que contribuam para um primeiro trimestre um pouco menos pressionado.

A decisão, que valerá a partir da próxima segunda-feira, foi tomada durante a reunião da diretoria. Até então, era esperado apenas um ajuste no valor da bandeira vermelha com a criação de um segundo patamar de cobrança.

A cobrança adicional da bandeira amarela foi reduzida dos atuais R$ 2,50 para R$ 1,50 no consumo de cada 100 kilowatts-hora (kWh). O sinal amarelo aparecerá nas contas de luz quando o custo de geração de energia elétrica for igual ou superior a R$ 211,28 por megawatt-hora (MWh) e inferior a R$ 422,56 por MWh.

A proposta de manter dois patamares de cobrança na bandeira vermelha foi mantida. O primeiro foi definido em R$ 3 pelo consumo de 100 kWh, quando a geração de energia elétrica for igual ou superior a R$ 422,56 por MWh e inferior a R$ 610 por MWh. O segundo patamar vai vigorar quando o custo de geração for superior a R$ 610 po MWh e a cobrança adicional do consumidor será de R$ 4,50, o valor em vigor atualmente.

Segundo André Pepitone, diretor da Aneel e relator do processo, a redução dos patamares das bandeiras refletiu, principalmente, a entrada de aproximadamente 6,5 mil MW no sistema no ano passado, além da previsão de um risco hidrológico (medido pelo fator GSF, na sigla em inglês) menor do que o visto em 2015.

Outro fator foi a constatação da possibilidade de acionamento das térmicas com custo de operação acima de R$ 610 por megawatt-hora (MWh) apenas na região Nordeste. O mecanismo das bandeiras tarifárias recolhe dos consumidores a remuneração das térmicas com custo de operação superior a R$ 211 por MWh, quando acionadas pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).

Até então, o patamar 2 da bandeira vermelha tinha sido pensado para remunerar todas as termelétricas com custo de operação superior a R$ 610 por MWh. A recuperação dos reservatórios das hidrelétricas da maior parte do país melhorou a situação energética vista desde 2015. No entanto, o Nordeste continua com um cenário crítico. Até ontem, os lagos das usinas da região tinham 12,83% da sua capacidade máxima.

 
 

 

Por isso, a Aneel considerou "excepcionalmente" para 2016 que há possibilidade de despacho das térmicas mais caras nessa região, mas não no restante do país. "Não faria sentido remunerar todas as térmicas, sabendo que só podem funcionar as do Nordeste", explicou Pepitone. Haveria excedente de receita para as distribuidoras localizadas nas demais regiões.

O preço proposto anteriormente para o patamar 2, de R$ 5,50 para cada 100 KWh, remunerava todas as térmicas caras do país. Se acionado, o novo patamar, de acréscimo de R$ 4 a cada 100 KWh, remunera apenas as térmicas do Nordeste.

Com desligamento de usinas mais caras no Sudeste, Pepitone indicou que as contas de luz de fevereiro devem apontar o primeiro patamar da bandeira vermelha, o que representa uma redução de 33% em relação ao valor atual. A confirmação oficial será feita na sexta-feira pela agência.

"Apesar da melhora na geração de energia, não podemos sair totalmente da bandeira vermelha porque precisamos sinalizar ao consumidor que ainda é necessário economizar e continuar buscando o uso eficiente da energia", afirmou Pepitone, após a tomada de decisão da diretoria.

Para analistas, caso a entrada do primeiro patamar de cobrança passe a vigorar em fevereiro, a inflação do mês pode ficar um pouco abaixo de 1%. A Tendências Consultoria, que hoje prevê alta de 1,04% dos preços no mês, estima que o impacto poderia ser de 0,15 ponto percentual no período, o que seria uma boa notícia. "É um alívio considerável para o mês, especialmente diante de um início de ano bem negativo para os preços", avalia Marcio Milan.

Nas contas do economista-chefe da Icatu Vanguarda, Rodrigo Alves de Melo - que já estimava redução no valor da bandeira vermelha no período, mas para R$ 4 por 100 kWh - o efeito será menor, de redução de 0,08 ponto percentual do IPCA de fevereiro, de 0,95% para algo como 0,87%.

No ano, porém, o efeito será marginal, dizem os analistas. "Nós já tínhamos no cenário a migração para a bandeira amarela", afirma Milan, da Tendências, que estima alta de 7% do IPCA em 2016. "O efeito positivo da redução do valor da bandeira amarela deve ser mitigado pela piora das expectativas de inflação e a desvalorização do câmbio observados neste ano, principalmente depois que o Banco Central anunciou a manutenção da taxa básica de juros. O viés para o ano ainda é para cima", diz.

Melo, da Icatu, também já contemplava em seu cenário que, passado o período de chuvas, as condições climáticas mais favoráveis e a redução do consumo permitiriam a entrada em vigor da bandeira amarela em maio, com valor de R$ 2,50 por cada 100 kWh consumidos. Como a queda do preço de energia elétrica no IPCA continuará a ser de 3% em relação ao valor de fevereiro, já que a diferença entre as bandeiras se manteve linear, de R$ 1,50 por 100 kWh, essa mudança não alterou suas projeções. "No nosso cenário, a revisão terá efeito marginal no IPCA do ano, de menos de 0,1 ponto", diz Melo, que hoje estima alta de 7,75% do índice oficial de inflação em 2016.

Mudanças mais fortes nas projeções, diz Melo, só vão ocorrer caso os reajustes anuais concedidos pela agência às distribuidoras também sejam menores do que estima hoje o mercado. "É um risco e poderia levar a alta de energia, que estimamos em 3% no ano depois da revisão das bandeiras, para mais perto de zero. Mas é algo que só poderá ser mais bem avaliado em abril, quando os primeiros reajustes serão anunciados e haverá mais clareza sobre os parâmetros usados pela Aneel", explica.

Na Aneel, os diretores apostam no efeito positivo da reacomodação do preço da anergia de Itaipu, que retornou a patamares anteriores aos da crise hídrica. Em dezembro, foi aprovada a redução de 32% do custo de aquisição da energia em 2016.