TCU vai investigar BNDES e Belo Monte

 

André Borges

O Estado de São Paulo, n. 44544, 01/10/2015. Economia, p. B5

 

O Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou a realização de auditoria para investigar um termo aditivo firmado entre o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a concessionária Norte Energia, dona da hidrelétrica de Belo Monte, em construção no Pará. A decisão foi tomada pelos ministros da corte de contas, em sessão fechada realizada na quarta-feira. 

A informação foi confirmada pelo autor da solicitação ao TCU, deputado Arnaldo Jordy (PPS-PA). “A auditoria foi aprovada com base em minha Proposta de Fiscalização e Controle (PFC)”, disse Jordy. O pedido do deputado foi feito com base em reportagem publicada pelo Estado em 14 de abril, apontando que uma alteração contratual feita pelo BNDES no financiamento de R$ 22,5 bilhões firmado com Belo Monte pode ter livrado a Norte Energia de uma multa com potencial de chegar a R$ 75 milhões.

A possibilidade de multar a empresa deixou de existir porque o banco concordou em alterar as datas de execução de obras da usina. Ao mudar o cronograma original que exigia da empresa, as multas por atrasos desapareceram. O acordo entre o banco e a concessionária foi viabilizado com a assinatura de um termo aditivo firmado no fim do ano passado, no qual foram alteradas as datas de alguns “marcos físicos” da obra.

 

Atraso da usina hidrelétrica de Belo Monte foi reconhecido pela concessionária Norte Energia em 2014 

Atraso da usina hidrelétrica de Belo Monte foi reconhecido pela concessionária Norte Energia em 2014 

 

O objetivo do TCU é realizara fiscalização para apurar as motivações e as condições em que ocorreu o aditamento do contrato. Pelos termos originais, esses prazos poderiam ser alterados em até 120 dias, mas o BNDES decidiu prolongar algumas etapas da obra em mais de um ano. Com isso, o desvio do Rio Xingu, por exemplo, que estava previsto para junho de 2014, foi reprogramado para agosto de 2015. O início do enchimento do reservatório, que tinha de ser realizado até dezembro de 2014, foi reprogramado para outubro deste ano. Paralelamente, o BNDES manteve ainda a possibilidade de prorrogar, por mais 120 dias, os novos prazos.

Pelas regras do próprio banco, se uma empresa descumpre compromissos assumidos em seus financiamentos, deve ser alvo de multa de 1% sobre o valor restante do financiamento, ou seja, sobre o montante que ainda não foi liberado. Na época da assinatura do termo aditivo, a Norte Energia havia recebido cerca de R$ 14,9 bilhões do BNDES, até setembro passado. O alvo potencial da multa de 1%, portanto, seriam os R$ 7,6 bilhões que, à época, a empresa ainda tinha a receber.

Reconhecimento. O atraso de Belo Monte foi reconhecido pela Norte Energia no ano passado. O termo aditivo firmado com o BNDES traz, manuscrita, a data de 23 de outubro de 2014. No entanto, esse documento só passou a ter valor jurídico no último dia 23 de março deste ano, quando o banco e a empresa fizeram o reconhecimento de firmas de seus representantes e o registro do documento no 1.º Ofício do Registro de Títulos e Documentos da Cidade do Rio de Janeiro. 

“Essa investigação agora aprovada pelo TCU é fundamental para esclarecer se houve alguma irregularidade. Essa investigação paralela à nossa CPI do BNDES pode nos ajudar muito a entender se há, e em que grau há, uma relação que subverta os procedimentos que devem pautar o banco”, afirmou Arnaldo Jordy.

A Norte Energia declarou que não comentaria o assunto, porque a auditoria não foi confirmada à empresa pelo TCU. O tribunal, por regimento, não costuma avisar antecipadamente quais serão as suas auditorias. 

Quando da publicação da reportagem em abril, a empresa informou que o aditivo ocorreu “estritamente dentro das normas e do planejamento do empreendimento”. O BNDES afirmou, à época, que as cláusulas que tratam dos marcos físicos da hidrelétrica “são utilizadas como referências para o acompanhamento das obras” e que essas “podem ser repactuadas, como ocorre entre as demais instituições financeiras e seus clientes”. Depois de publicada a reportagem, o banco afirmou que o enfoque foi “equivocado” e que “o pedido foi feito dentro dos prazos exigidos pelo banco para analisar esse tipo de pleito”.

 

Seca vai continuar pressionando distribuidoras, diz Moddy's

 

Anne Wath

 

A seca vai continuar a pressionar as distribuidoras de energia neste ano e em 2016, prevê a agência de classificação de risco Moody´s. As bandeiras tarifárias e o reajuste extraordinário concedido em fevereiro aliviaram, mas não resolveram o problema das empresas.

Do total de dívidas das distribuidoras em junho deste ano, 21,7% estava associada a custos com a compra de energia, de acordo com a Moody´s. No ano passado, era 20,6%. Esse gasto (tecnicamente chamado de ativo regulatório) é repassado às tarifas de energia do consumidor, mas somente na data do reajuste de cada distribuidora, o que significa que algumas empresas podem carregar essa despesa por meses.

 

Seca pressiona caixa das empresas de energia, segundo a Moody's

Seca pressiona caixa das empresas de energia, segundo a Moody's

 

"Enquanto o reajuste não acontece, as empresas têm que bancar esse gasto com capital próprio", disse o vice-presidente e analista sênior da Moody´s, José Soares. Segundo levantamento da Moody´s, a relação entre o ativo regulatório e a dívida total das empresas é de 88% na Copel, 45% na Celesc, 42% Bandeirante, 37% na Eletropaulo, 27% na Escelsa, 22% na Celg, 17% na Cemig, 16% na CPFL Paulista, 14% na Light, 12% na Celpe, 10% na Elektro e 7% na Coelba.

De acordo com dados da Aneel, no primeiro semestre, as distribuidoras arrecadaram R$ 6,8 bilhões por meio da cobrança das bandeiras tarifárias, mas o total de custos que deveria ser coberto pelo sistema atingiu R$ 8,3 bilhões. Considerando 12 distribuidoras analisadas pela Moody´s, que representam 63,6% do setor no País, a arrecadação atingiu R$ 4,4 bilhões, e o total de custos, R$ 5,1 bilhões.

Na avaliação da Moody´s, as distribuidoras vão ter que arranjar novos empréstimos para cobrir suas despesas. "O setor elétrico não tem como levantar tantos recursos no mercado, há um limite. Se tiverem que tomar financiamentos de curto prazo, vão ter que lidar com um spread mais alto devido ao risco setorial", afirmou Soares.

A Moody´s avalia que 2016 será um ano melhor para o setor elétrico, mas isso vai depender principalmente de condições hidrológicas mais favoráveis, que elevem os níveis dos reservatórios. O cenário traçado pela agência prevê também que o consumo de energia fique estável no próximo ano, dado o comportamento da economia e o aumento da capacidade instalada. As termelétricas, porém, terão que permanecer ligadas para evitar um racionamento.

Guerra judicial. As decisões judiciais obtidas pelos geradores para limitar os impactos do risco hidrológico podem aumentar o tamanho do problema das distribuidoras. Somente em junho, os geradores deixaram de pagar R$ 567 milhões. A Moody´s cita ainda a liminar obtida pela Associação Brasileira de Grandes Consumidores de Energia Elétrica (Abrace) que livra empresas do pagamento do encargo Conta de Desenvolvimento Energético (CDE).

O risco é que esses custos sejam transferidos para os consumidores residenciais, o que pode pressionar ainda mais o caixa das distribuidoras. "Há uma preocupação em relação às liminares e à transferência desses custos para o consumidor, pois as distribuidoras têm uma necessidade de capital de giro muito forte e isso pode aumentar", disse Soares.

"Há muita incerteza jurídica em relação ao setor elétrico, o que se reflete no rating e no custo de capital das empresas", acrescentou. Para Soares, a adesão dos geradores à proposta de repactuação do risco hidrológico, apresentada por meio da Medida Provisória 688, é fundamental para resolver a questão.

Outro tema que aumentou as incertezas sobre o setor, de acordo com a Moody´s, foi a renovação das concessões de distribuição. O Tribunal de Contas da União (TCU) liberou o processo, mas impôs novas determinações. A demora nas discussões e negociações sobre o assunto levantou dúvidas a respeito do marco regulatório. As instituições financeiras e o mercado de capitais ficaram mais cautelosos em relação ao setor.