Receita recomenda quebra de sigilos de firma de Luís Cláudio

 

ANDREZA MATAIS E FÁBIO FABRINI

O Estado de São Paulo, n. 44570, 28/10/2015. Política, p. A6

 

A Receita Federal recomendou ao Ministério Público Federal que peça a quebra dos sigilos bancário e fiscal da LFT Marketing Esportivo, que tem como sócio Luís Cláudio Lula da Silva, filho do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os auditores que trabalham nas investigações da Operação Zelotes também sugerem que as mesmas medidas sejam adotadas em relação ao restaurante Sanfelice Comércio de Massa Artesanal, que está em nome de Myriam Carvalho, filha de Gilberto Carvalho, ex-ministro e ex-chefe de gabinete de Lula.

Nos dois casos, a recomendação é que as quebras sejam feitas entre 2008 e 2015, abarcando todo o período de funcionamento das empresas. Ambas foram abertas em 2011.

 

Fachada do escritório  LFT Marketing Esportivo, de Luiz Cláudio Lula da Silva, filho do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Fachada do escritório LFT Marketing Esportivo, de Luiz Cláudio Lula da Silva, filho do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

 

As solicitações, da área de Inteligência da Receita, foram encaminhados aos procuradores da República que atuam na força-tarefa da Zelotes. Cabe a eles enviar os pedidos à Justiça Federal. O Estado apurou que a autorização seria solicitada em pedido apartado dos que resultaram na nova fase da operação, deflagrada anteontem. Procurado, o Ministério Público Federal não se pronunciou a respeito ontem.

A empresa do filho de Lula entrou no foco das investigações após a descoberta de que recebeu repasses da Marcondes & Mautoni Empreendimentos, empresa de lobby contratada por montadoras de veículos para, supostamente, "comprar" medidas provisórias nos governos de Lula e da presidente Dilma Rousseff. A quebra de sigilo da Marcondes revelou a transferência de ao menos R$ 1,5 milhão para a LFT em 2014.

Os investigadores querem levantar outras eventuais fontes de receita da empresa de Luís Claudio, além do destino do dinheiro recebido da Marcondes & Mautoni. A suspeita é de que os repasses para a LFT tenham relação com a MP 627/2013, uma das três normas que teriam sido encomendadas pelo setor automotivo. Por causa dos indícios de irregularidade, a Justiça autorizou busca e apreensão na sede da empresa, em São Paulo. No escritório, também funcionam outras duas firmas de Luís Cláudio (Touchdown e Cassaro).

A defesa de Luís Cláudio nega irregularidades nos contratos.

Transferência. Foi a equipe da Receita que descobriu a transferência de dinheiro da Marcondes & Mautoni para a LFT. Segundo relatório da investigação, a empresa não tem funcionários, não fez pagamento de salários ou recolheu contribuição previdenciária de empregados.

Questionado pelo Estado no início do mês, o filho de Lula confirmou ter recebido R$ 2,4 milhões da Mautoni por serviços prestados em sua área de atuação. Os recursos seriam referentes ao período de 2014 e 2015.

Em 2014, 97% do que a Mautoni faturou veio de contratos com montadoras. O dinheiro que saiu da empresa em 2014, segundo relatórios da Receita, foi para os sócios e o filho de Lula. Os advogados da LFT informaram que, "infelizmente", não poderiam comentar a recomendação de quebra de sigilos, pois se trata de algo que desconhecem.

Os pedidos sobre o restaurante Sanfelice, em nome da filha do ex-ministro Gilberto Carvalho, seguem a mesma lógica. Os investigadores querem saber se o petista usou a empresa em nome da filha para receber dinheiro da Marcondes & Mautoni.

Documentos apreendidos em fases anteriores da Zelotes mostram o nome do ex-chefe de gabinete de Lula associado a inscrições sobre a MP 471, de 2009, editada pelo então presidente. Para os investigadores, havia um "conluio" entre ele e a consultoria na defesa de "interesses do setor automobilístico".

Segundo dados públicos da Receita, o restaurante foi aberto em 25 de maio de 2011, em Brasília, com capital de R$ 20 mil, e tem como sócios Myriam e Gabriel de Albuquerque Carvalho. A cantina vende massas congeladas para preparo em casa e chegou a ter uma filial, funcionando como restaurante, fechada recentemente.

A reportagem não conseguiu contato nessa terça com Carvalho ou com os sócios do restaurante. O ex-ministro nega conluio com os investigados e sustenta nunca ter feito gestões a respeito no governo ou recebido valores do grupo.

 

Para a Polícia Federal, lobistas se referiam a propinas como “abanar o rabo”

 

 

rabo

 

Relatório da Polícia Federal diz que lobistas investigados na Operação Zelotes condicionaram a aprovação de emendas de parlamentares, a serem incluídas no texto original de medidas provisórias, ao pagamento de suborno por montadoras de veículos. No jargão dos envolvidos, pagar propina era “abanar o rabo”.

A suposta menção a acertos financeiros aparece em e-mails trocados por Alexandre Paes dos Santos, o APS, um dos lobistas presos por suspeita de envolvimento na “compra” de MPs, e representantes da indústria automotiva.

Numa das mensagens, de 16 de dezembro de 2009, o então gerente de Relações Institucionais da Associação dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Alberto Alves, parabeniza APS pela aprovação, na Câmara, da MP 471, que prorrogava incentivos fiscais de montadoras do Norte, Nordeste e Centro-Oeste. A medida havia sido editada no mês anterior pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Alves pergunta a APS se seria possível escalar algum senador para incluir no texto em tramitação mais regras de interesse das empresas: “Como ela (a MP) foi aprovada (na Câmara) sem emendas, vai dar para ‘intrujar’ aquela que vocês fizeram?” O lobista responde: “Para aquela emenda ter entrado era necessário que alguém ‘abanasse o rabo’, e ninguém de mexeu, portanto é muito difícil uma emenda no Senado”.

No relatório em que justifica os pedidos de prisão, a PF sustenta que “abanar o rabo” era o mesmo que fazer pagamentos ao grupo de lobistas escalados pelas montadoras. A regra a ser incluída na MP 471 era de interesse da CAOA, que monta veículos da Hyundai em Goiás. “Como esta não sinalizou que queria ou iria pagar, isto é, como a CAOA não ‘abanou o rabo’, eles (os lobistas), não se movimentaram para consegui-la”, interpretam os investigadores.

Alberto Alves explicou nesta quarta-feira, 28, que deixou a Anfavea há mais de três anos e, enquanto gerente de Relações Institucionais da entidade, “tinha por dever de ofício acompanhar o debate sobre matérias de interesse do setor automotivo no Congresso Nacional”.

O relatório diz que a montadora não vinha pagando os valores acertados, o que levou os lobistas, inclusive, a alertarem seus executivos da “má vontade” e da quebra de confiança” que surgiria nas “pessoas de Brasília” por conta do descumprimento de acordos.

O então senador Gim Argello (PTB-DF) chegou a apresentar emenda ampliando os benefícios da CAOA, como mostra o relatório. Contudo, o Congresso aprovou o texto original, sem alterações. Outras mudanças de interesse de empresas do setor foram incluídas na MP 512, editada pelo governo em 2010, também sob suspeita de ter sido encomendada.

Um dos escalados para cuidar dos interesses das montadoras no Congresso era o assessor Fernando César de Moreira Mesquita, porta-voz do ex-presidente José Sarney. Ligado a APS, ele é acusado de receber propina de R$ 78 mil para “auxiliar nas demandas dos lobistas” no Senado.

A defesa de APS e Fernando Mesquita não atenderam aos telefonemas do Estado. O ex-senador Gim Argello disse que nunca tratou a respeito da emenda citada com os lobistas e nem chegou a apresentá-la. “Estou fora dessa história”, declarou.

Acertos. Para os investigadores, um dos indicativos mais forte do envolvimento de parlamentares no esquema é outro e-mail, de 29 de dezembro, no qual os investigados mencionam “prestação de contas com os devidos acertos” a serem feitos com parlamentares.

Na mensagem, revelada pelo Estado em série de reportagens publicada este mês, o advogado José Ricardo da Silva, sócio de APS, orienta um de seus parceiros, Eduardo Valadão, a pedir “paciência” aos congressistas. Os dois também foram presos na segunda-feira.

“É importante que eles entendam que não é conveniente que os acertos sejam feitos sempre de imediato. As receitas e as retiradas devem obedecer a um fluxo normal, pertinente com as atividades do escritório. Se não for assim, as prestações de serviços serão de difícil justificativa, entende? Veja se você consegue explicar essa situação para eles”, escreveu José Ricardo.

Para a PF, a “mensagem é reveladora e dá testemunho do modo furtivo e sórdido de operar que estava sendo implementado” pelos lobistas.

A defesa de APS, o ex-senador Gim Argello e Fernando Mesquita não atenderam aos telefonemas do Estado. A Anfavea informou, em nota, desconhecer as tratativas do então gerente de Relações Institucionais. “Alberto Alves foi funcionário da entidade, mas há muito tempo não faz mais parte do nosso quadro de colaboradores”, acrescentou.

A CAOA nega envolvimento em esquema de lobby e corrupção para aprovar medidas provisórias. Segundo a montadora, a MP 471 beneficiou várias indústrias instaladas no Norte, no Nordeste e no Centro-Oeste, não sendo direcionada.

COM A PALAVRA, O CRIMINALISTA JOSÉ ROBERTO BATOCHIO, QUE REPRESENTA O EMPRESÁRIO CAOA

O criminalista José Roberto Batochio declarou que seu cliente, o empresário Carlos Alberto de Oliveira Andrade, o CAOA, ‘foi ouvido como testemunha e esclareceu todos os pontos abordados pela Polícia Federal’.

“Havia sim um mandado de condução coercitiva para CAOA, mas nem precisou ser executado. Meu cliente compareceu espontaneamente até porque tem o máximo interesse em que tudo isso seja esclarecido”, anotou Batochio.

Segundo o advogado, a PF indagou de CAOA se ele teve casos submetidos ao CARF. “Sim”, respondeu o empresário. Como foram resolvidos esses processos?, insistiu a PF. “Perdi os dois recursos.”

A PF indagou de CAOA se ele conhece as empresas do filho do ex-presidente Lula, Luís Cláudio Lula da Silva. “CAOA conhece sim, já patrocinou futebol americano com uma pequena verba, coisa de R$ 200 mil ou R$ 300 mil”, disse José Roberto Batochio.

Segundo o criminalista, a Operação Zelotes identificou ‘e-mails trocados entre lobistas que dizem que o CAOA é um unha-de-fome que não quer gastar de jeito algum’.

Sobre a Medida Provisória 471, o empresário foi taxativo. “Ela favorece indústrias automobilísticas e todas as outras que se estabeleceram no Nordeste e no Centro Oeste. Essas MPs não são direcionadas a empresa A, B ou C, mas a todas as indústrias.”