O Estado de São Paulo, n. 44531, 19/09/2015. Política, p. A4

Lula recorre a Cunha para brecar avanço de impeachment contra Dilma

Vera Rosa

 

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu ontem ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que segure os requerimentos de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. Lula fez o apelo, em caráter reservado, por estar convencido de que Dilma corre sério risco de ser deposta.

A conversa ocorreu um dia após Cunha receber o aditamento ao pedido de impeachment, encaminhado pelos juristas Hélio Bicudo - um dos fundadores do PT -, e Miguel Reale Jr., que foi ministro da Justiça no governo Fernando Henrique Cardoso. O requerimento tem o apoio de partidos da oposição, entre os quais o PSDB e o DEM, e de dissidentes da base aliada, como o PMDB. Na avaliação de Lula, se um processo assim começar a tramitar na Câmara, será muito difícil conter a pressão das ruas e haverá um “golpe” no País, que poderá provocar até convulsão social.

Nos dois dias em que passou em Brasília, Lula manteve encontros com Dilma, com ministros do PT, com deputados e senadores de seu partido e também do PMDB. A movimentação teve o objetivo de montar uma estratégia de socorro à sua afilhada. Para Lula, a situação de Dilma é “gravíssima” e o governo precisa, mais do que nunca, do apoio do PMDB para que ela consiga aprovar o pacote fiscal e terminar o mandato.

Há hoje na Câmara 13 pedidos de afastamento de Dilma. Cabe a Cunha, que está rompido com o governo, decidir se dá ou não sequência ao processo. Até agora, ele tem dito que vai rejeitar todos os requerimentos, mas a ideia é que a oposição apresente recurso ao plenário para conseguir o seu intento. Lula disse a Cunha, de acordo com informações obtidas pelo Estado, que não há nada que comprove o envolvimento de Dilma em crime de responsabilidade pela corrupção na Petrobras nem por manobras batizadas de pedaladas fiscais, como mencionado na peça assinada por Bicudo.

O jurista deixou o PT em 2005, na esteira do mensalão. Na quarta-feira, Dilma afirmou que a crise econômica não pode ser usada para fortalecer o movimento por seu impeachment. A presidente enviou ao Congresso um projeto de lei orçamentária para 2016 com déficit de R$ 30,5 bilhões. Diante das resistências de políticos e empresários, porém, ela foi obrigada novamente a recuar e apresentou outra proposta, cortando R$ 26 bilhões de gastos públicos, ressuscitando a CPMF - que já havia recusado - e congelando o reajuste do funcionalismo. Recomeço Tanto no jantar de quinta-feira com ministros do PT como no café com Cunha, ontem, Lula observou que sua sucessora deve aproveitar a reforma administrativa para fazer uma ampla mudança na equipe, algo que sinalize um recomeço.

Dilma prometeu cortar dez ministérios e mil cargos comissionados. Para o ex-presidente, ela precisa dar espaço no primeiro escalão para “quem tem voto” e vai trabalhar para aprovar o ajuste e barrar o impeachment. Lula, que há duas semanas também conversou com Temer, solicitou a Cunha que não fique contra o pacote. O diagnóstico de Lula é de que sua afilhada não sobreviverá se sofrer outra derrota no Congresso. Aos petistas, Lula prometeu ajudar e disse que vai percorrer o País contra o que chama de “ruptura democrática”, defendendo até medidas impopulares do ajuste. “O momento é de união. A gente tem de dar esperança ao povo, mostrar que o ajuste não é um fim em si mesmo e virar essa página”, disse ele.

Procurado pelo Estado, Cunha negou o encontro com Lula, que foi confirmado por dois interlocutores do petista. O presidente da Câmara rompeu com o governo em julho por avaliar que o Planalto está por trás das acusações contra ele. Cunha foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República ao Supremo Tribunal Federal, por corrupção e lavagem de dinheiro, depois que o delator Júlio Camargo o acusou de cobrar propina de US$ 5 milhões em contratos na Petrobras.

Embora não haja prazo regimental para Cunha analisar os pedidos de impeachment, seus aliados não acreditam que ele esteja disposto a esperar momento menos conturbado para que o plenário decida o destino de Dilma. O Tribunal de Contas da União (TCU ainda examina as contas da presidente. A possível rejeição do balanço também poderá abrir caminho para abertura de um processo de impeachment no Congresso.