Título: Basta à corrupção
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Fonte: Correio Braziliense, 09/09/2011, Opinião, p. 12

A manifestação pacífica contra a corrupção deu mostras do poder da sociedade civil. Organizados com a ajuda das redes sociais, os protestos dispensaram políticos, sindicatos e entidades ligadas a este ou àquele segmento. Os participantes, vestidos de preto e alguns com nariz de palhaço ou a cara pintada de verde-amarelo, desfilaram a indignação provocada pelos escândalos que se tornaram rotina na administração pública de todos os níveis.

Brasília reuniu 40 mil pessoas na Esplanada dos Ministérios. A multidão não aproveitou a concentração de autoridades presentes nas comemorações do Dia da Pátria para demonstrar a insatisfação contra representantes do Executivo, do Legislativo ou do Judiciário. O foco foi a malversação do dinheiro público, que também indignou a presidente Dilma Rousseff quando tomou medidas severas apelidadas de faxina pela imprensa.

A marcha lembra a Primavera Árabe. No norte da África e no Oriente Médio, o movimento começou com convocações pelas redes sociais. A iniciativa mobilizou sobretudo jovens de classe média que reivindicavam mais democracia e abertura de oportunidades. Os brasileiros aviaram a receita. Também recorreram ao Twitter e ao Facebook para mostrar a reação cidadã contra os índices alarmantes de desrespeito no trato do dinheiro público.

Desvios no encaminhamento dos recursos do erário não constituem exclusividade brasileira. Países desenvolvidos e emergentes convivem com a prática. Segundo o Banco Mundial, 1,6% do PIB planetário se perde nos ralos da corrupção. A soma corresponde a US$ 63 trilhões, o dobro do necessário para acabar com a fome na Terra. Estudo da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) concluiu que o montante da corrupção no Brasil fica entre R$ 50,8 bilhões e R$ 84,5 bilhões por ano ¿ de 1,4% a 2,3% do PIB do ano passado. Em termos concretos: a roubalheira equivale ao custo de 1 milhão de casas populares.

A passeata ensina lições importantes. Uma: está se esgotando a paciência da sociedade diante da crescente desenvoltura com que corruptos se beneficiam de recursos públicos. Outra: a certeza da impunidade estimula a ousadia. Não é a ocasião que faz o ladrão. É a convicção de que o crime compensa. Mais uma: o contribuinte, tradicionalmente passivo, se dá conta de que é indispensável a fiscalização dos cidadãos, obrigados a pagar uma das maiores cargas tributárias do mundo sem receber contrapartida à altura.

Ao não apresentar hostilidades contra a presidente, os manifestantes reconhecem que Dilma está no caminho certo. As medidas por ela tomadas ¿ apesar da reação contrária da base de apoio no Congresso ¿ vão ao encontro dos anseios da sociedade. É importante continuar o processo ¿ mobilizar os órgãos de controle e repressão para inibir a ação de quem pensa que dinheiro público deve ter destinação privada ¿ o próprio bolso.