Valor econômico, v. 16, n. 3930, 26/01/2015. Brasil, p. A2

Estratégia de combate a mosquito gera tensão entre ministro da Saúde e Dilma

Por Andrea Jubé e Cristiano Zaia | De Brasília

Passados dois meses da edição do decreto reconhecendo situação de emergência na saúde pública, o governo ainda tateia na elaboração das ações de combate à microcefalia e ao mosquito Aedes aegypti, transmissor do zika vírus, da dengue e da febre chikungunya. Em uma semana, a presidente Dilma Rousseff já convocou duas reuniões interministeriais para tratar do assunto.

As notificações de casos suspeitos de microcefalia aumentaram nos últimos três meses, enquanto o Brasil registrou número recorde de casos de dengue em 2015 - doença cujos primeiros relatos no país datam do fim do século XIX.

Dilma não esconde a irritação com a condução da crise pelo Ministério da Saúde, cujo ministro, do PMDB, chegou ao governo em outubro. Irrita-se também com as declarações polêmicas de Castro. Ontem pela manhã ele repetiu afirmação que havia feito no Piauí de que o governo está "perdendo feio" a batalha para o mosquito. Há dez dias, disse que vai torcer para que as mulheres "antes de entrar no período fértil peguem a zika, para ficarem imunizadas pelo próprio mosquito", já que não haverá vacina suficiente para todos.

À noite, contudo, logo após reunião com Dilma, Castro voltou atrás em sua avaliação pessimista: "Não podemos perder essa batalha e somos obrigados a vencê-la. Estamos todos mobilizados contra o inimigo número um do Brasil hoje, que é oAedes aegypti", afirmou.

Nos bastidores, fontes do governo relatam que as declarações de Castro são calculadas e endereçadas a Dilma, já que o PMDB herdou a crise na saúde do PT, que administrava a pasta antes, e o governo petista quer agora jogar a responsabilidade ao PMDB.

Ontem, Dilma voltou a convocar uma reunião com seis ministros para discutir o tema: Jaques Wagner (Casa Civil), Aloizio Mercadante (Educação), Edinho Silva (Comunicação Social), Gilberto Occhi (Integração Nacional), Tere (Desenvolvimento Social), além de Castro, que voltou a dar entrevista sobre as providências do governo.

Além do embate político, os desencontros internos marcam a ofensiva contra o Aedes aegypti. No início de dezembro, Castro anunciou que o ministério distribuiria repelentes fabricados pelos laboratórios do Exército para as grávidas. O Ministério da Defesa, contudo, disse ao Valor que a encomenda dos repelentes ainda não foi formalizada. Ontem Castro afirmou, em entrevista no Planalto, que o governo distribuirá repelentes para cerca de 400 mil grávidas, registradas no Bolsa Família.

Na quinta-feira, Dilma convocou reunião de emergência com cinco ministros no Palácio da Alvorada para cobrar resultados. Ela havia se irritado com a divulgação do boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, mostrando que os casos suspeitos de microcefalia relacionada ao zika vírus haviam aumentado de 3.530 para 3.893, a partir de outubro, quando começou o monitoramento da doença.

Na reunião, Dilma cobrou a divulgação de ações positivas, o reforço de contingente das Forças Armadas nas inspeções domiciliares e a intensificação de campanhas de conscientização.

No dia seguinte, o Ministério da Saúde convocou a imprensa às pressas, para uma entrevista coletiva comandada pelo secretário-executivo substituto, Neilton Oliveira, que divulgou balanço das inspeções domiciliares em busca de criadouros do mosquito. Segundo os dados divulgados, 7,4 milhões de residências foram visitadas pelos agentes sanitários para localizar criadouros do Aedes aegypti, 15% do total das residências.

O objetivo era visitar todos os domicílios até janeiro, mas a meta foi adiada para o fim de fevereiro. As equipes de inspeção, que têm o reforço de oficiais das Forças Armadas, encontram empecilhos nas buscas. No Rio, por exemplo, são barradas em morros dominados pelo tráfico ou em residências onde podem encontrar objetos ilícitos, como contrabando. O governo entrou tarde nessa guerra, dando maiores demonstrações de preocupação depois que o assunto chegou ao exterior.

No Planalto, comenta-se que Dilma está "à procura do seu Oswaldo Cruz", uma referência ao médico sanitarista que, no início do século XX erradicou a febre amarela, também transmitida por um mosquito. As medidas adotadas pelo médico na ocasião, como as inspeções domiciliares, levaram à erradicação do mosquito.

Em 1958, o Brasil foi considerado livre do Aedes aegypti pela Organização Mundial de Saúde (OMS). No entanto, a erradicação não alcançou a totalidade do continente americano e o vetor permaneceu nos países vizinhos. Pesquisadores da Fiocruz atribuem ao "relaxamento das medidas de controle" do governo a reintrodução do mosquito no país no fim dos anos 60.

"Eles [o governo] estão um pouco perdidos, mas sabem que precisam controlar o mosquito com o máximo de opções possíveis", disse ao Valor uma fonte que acompanha reuniões do grupo interministerial criado por Dilma para o combate à epidemia. Uma das propostas recentes, ainda em discussão, é importar o modelo do Ministério da Agricultura de combate às pragas agrícolas, como a mosca das frutas e a da bicheira.

A ideia é recorrer aos aviões agrícolas, usados para pulverizar defensivos nas lavouras, na fase inicial de supressão de populações do mosquito. Estão em discussão o uso de inseticidas, inseticidas biológicos e o mosquito transgênico desenvolvido pela Universidade Estadual de São Paulo (Unesp).

O descontrole da epidemia assombra o governo, que receia a contaminação da principal agenda positiva de Dilma neste ano, a Olimpíada do Rio de Janeiro. A Embratur espera receber 400 mil turistas. A OMS alertou que o zika vírus vai se espalhar pelas Américas, menos Canadá e Chile. O Centro de Prevenção e Controle de Doenças dos Estados Unidos recomendou que grávidas e mulheres em idade reprodutiva adiem viagens para 14 países americanos afetados pelo vírus, inclusive o Brasil.

"A Olimpíada é algo para se preocupar por conta da probabilidade maior de incidência de doenças em lugares de grandes aglomerados de pessoas", diz Carlos Magno Fortaleza, professor da Faculdade de Medicina da Unesp de Botucatu (SP) e médico infectologista com experiência na área de saúde pública.

O general Adriano Pereira, secretário nacional de Defesa Civil, é enfático ao afirmar que é preciso vencer a batalha. "Não há solução tecnológica que possa ser utilizada para evitar a explosão ainda maior pelas doenças causadas pelo Aedes aegypti, não temos vacinas, e nenhuma tecnologia pronta."