Valor econômico, v. 16, n. 3930, 26/01/2015. Política, p. A6

Lava-Jato e Zelotes recolocam em pauta projeto para regular lobby

Por Renata Batista | Do Rio

As operações policiais Lava-Jato e Zelotes mobilizaram lobistas e entidades de classe para tentar destravar a regulamentação do lobby. Há o receio que a atividade, que nunca foi normatizada em lei, termine tendo as regras ditadas por decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) nos julgamentos dos processos decorrentes das duas investigações.

A ação passa pela aprovação de um dos quatro projetos de lei que existem no Congresso sobre o tema. Presidente do PTB e filha do ex-deputado Roberto Jefferson (RJ), pivô do escândalo do mensalão na década passada, a deputada federal Cristiane Brasil (PTB-RJ) apresentará um substitutivo ao projeto do deputado Rogério Rosso (PSD-DF), para isolar a possibilidade de intervenção do Judiciário. A ideia é encaminhar o projeto à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e chamar uma audiência pública.

"O direito de peticionar por seu interesse é constitucional e precisa sair das sombras", justificou a petebista, para quem "transparência é a chave da regulamentação".

Ao mesmo tempo em que articula a favor da regulamentação da atividade, Cristiane prepara um relatório em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é questionado pela sua suposta atuação a favor de empresas brasileiras no exterior.

A deputada é sub-relatora da CPI que investiga o BNDES (ver matéria nesta página). O PTB é dividido em relação ao governo federal: a cúpula do partido alinha-se com a oposição, mas o partido integra o primeiro escalão, com o ministro do Desenvolvimento Armando Monteiro, a quem está formalmente subordinado o BNDES.

Segundo Cristiane, "o ambiente é extremamente propício [para a regulamentação] devido à ampla criminalização da defesa de interesses. Precisamos desenhar limites claros e garantir segurança jurídica". Além da proposta relatada pela petebista, tramitam na Câmara um projeto já aprovado no Senado, do ex-vice-presidente Marco Maciel, ainda do começo da década de 90, e uma proposta do petista Carlos Zarattini.

No Senado, está em tramitação um projeto de lei do senador Walter Pinheiro (PT-BA), relatado por Ricardo Ferraço (sem partido-ES).

O assunto é acompanhado com ansiedade pelo setor privado. O advogado Álvaro Jorge, do escritório Palma e Guedes Advogados, diz que seus clientes estão inseguros e o consultam a cada passo que planejam dar. O advogado tem recomendado cautela aos clientes porque muitas iniciativas que não eram consideradas problema, hoje começam a ser colocadas sob suspeita.

"Não se pode achar que qualquer contato é ilegal. Não é o contato que caracteriza a ilegalidade. É o fato de a pessoa não estar sustentando uma posição, de ser, na verdade, uma troca de favores", afirma.

Steven Bipes, diretor superintendente da Câmara de Comércio Americana do Rio de Janeiro (Amcham-Rio), abriu a entidade para debater o tema por demanda dos associados. Ele diz que grandes empresas, que também são grandes doadoras de campanhas, têm força em vários lugares, mas no Brasil a falta de regulamentação gera assimetria entre quem tem ética e quem não tem.

"Aqui, o que não é regulado é proibido. É bom atuar dentro da área regulamentada", resume, e cita o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), investigado na Operação Zelotes.

"É um quinto poder, um tribunal administrativo criado para ser imune a interferência. As empresas sempre perdiam. É importante criar um espaço para mediação. As empresas têm que ter espaço legal para operar", completa.

A confusão entre lobistas e operadores é um dos pontos que incomoda o setor. Conselheira do Instituto de Relações Governamentais (Irelgov), Kelly Aguilar ressalta o esforço de convencimento que faz parte do seu dia a dia e rejeita a percepção negativa da atividade.

"Lobistas não andam com mala de dinheiro por aí. Isso quem faz é operador", diz a profissional que tem o cargo de gerente de assuntos corporativos, mas faz parte de um grupo de WhatsApp chamado "Mulheres lobistas usam Prada".

Formação e apresentação também estão entre as maiores preocupações do advogado Caio Leonardo Bessa Rodrigues, presidente da Associação Brasileira de Profissionais de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig).

Ele apresentou os pontos da entidade à deputada Cristiane Brasil. O advogado defende um projeto que tenha a transparência como viés e não a restrição. "Para o setor, interessa garantir formalidade e publicidade nas relações. A atividade é extremamente formal", afirma.

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Deputada investiga atuação de Lula

Por Bruno Peres e Thiago Resende | De Brasília

Relatório da deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ) na comissão de deputados que investiga operações envolvendo o BNDES afirma que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva favoreceu empresas brasileiras no exterior, com acesso a recursos do banco de fomento. Questiona ainda se o esforço governista e do PT para acabar com a CPI do BNDES se deu principalmente para evitar que fosse apurada a hipótese de tráfico de influência internacional do ex-presidente em favor da Odebrecht - por ora em fase preliminar de investigação pelo Ministério Público Federal (MPF), na qual Lula é considerado suspeito.

A comissão volta a se reunir na próxima semana para concluir, em cerca de duas semanas, o trabalho de investigação das atividades do banco, com a análise do documento final e de três relatórios setoriais: negócios nacionais e internacionais, financiamento a entes federados e participações em empresas.

O relator da CPI do BNDES, deputado José Rocha (PR-BA), é alinhado com o governo. No entanto, promete acolher as sugestões das análises temáticas elaboradas pelos demais relatores.

A filha do ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) é responsável na CPI pela análise dos contratos de financiamento que envolvem obras no exterior, cujo relatório o Valor teve acesso. Ela destaca que, mesmo após deixar em 2011 o cargo de presidente da República, Lula permaneceu como interlocutor preferencial entre empresas brasileiras e autoridades daquele continente interessadas em estreitar os laços comerciais com o Brasil, ainda que para isso fosse necessário "flexibilizar exigências" do BNDES para empréstimos, conforme apontado em comunicação diplomática, classificada como "reservada", obtida pela CPI.

Uma contradição entre o depoimento do ex-presidente ao MPF e as notas elaboradas pelos representantes do Brasil em Angola, que acompanharam a comitiva brasileira em viagem ao país em 2014, é citada pela deputada.

Conforme documento emitido pela embaixada do Brasil em Angola, em viagem ao país em maio de 2014, Lula conversou expressamente com o presidente José Eduardo dos Santos a respeito do financiamento do banco para a construção da hidrelétrica de Laúca. Em depoimento ao MPF em outubro de 2015, Lula afirmou jamais ter conversado com o presidente angolano sobre qualquer financiamento do BNDES.

Outra comunicação diplomática mencionada pela deputada ressalta cita uma visita de Lula ao Benin em março de 2013. Segundo o informe, "o evento ajudou a dinamizar as discussões em torno da relação entre atores privados dos dois países".

O Instituto Lula respondeu, em nota, que o ex-presidente não comenta questões pertinentes ao Congresso Nacional, "como é o caso de uma proposta de relatório que sequer aponta alguma irregularidade na conduta". Segundo o instituto, a atuação do ex-presidente "sempre foi pública e legítima" e teve como objetivo central o estímulo "ao comércio internacional do Brasil". A Odebrecht em nota afirmou que "mantém relações institucionais transparentes com chefes de Estado, de forma condizente com a importância do cargo, em benefício de interesses nacionais e das empresas brasileiras".

Durante as reuniões da CPI no ano passado, aliados ao Palácio do Planalto impediram a convocação de representantes do Ministério das Relações Exterior em busca de esclarecimentos.

A relatora também afirma, diante da limitação de prazo para a CPI articulada por governistas, a importância de analisar toda a documentação atribuída à atuação de Lula em favor da Vale na África. "Verifica-se que o ex-presidente esteve envolvido na negociação que favorecia o interesse da empresa brasileira em Moçambique, onde ajudou a Vale a conquistar a exploração da maior mina de carvão do mundo", aponta o relatório. Procurada, a Vale informou que participou de forma transparente da concorrência conduzida pelo governo moçambicano.

Cristiane sustenta que, até julho de 2015, o BNDES se utilizou de entendimento equivocado sobre o sigilo bancário, para barrar ações de órgãos de controle. Além disso, auditorias responsáveis por analisar negócios internacionais foram contratadas por empresas que receberam recursos, o que é, avalia ela, uma fragilidade no controle.