O globo, n. 30094, 29/12/2015. País, p. 3

De pires na mão

Governadores querem cobrar planos de saúde por uso da rede pública; novo indexador é acertado.

-BRASÍLIA- Sufocados por dificuldades financeiras, representantes de onze estados (dez governadores e um vice) se reuniram ontem com o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, para pedir mais recursos. Em meio à crise na área da Saúde, que atinge o Rio de Janeiro e outros estados, os governadores levaram uma pauta de seis itens. Entre eles um que tenta cobrar dos planos de saúde pelo uso da rede pública por conveniados. Barbosa se mostrou favorável à ideia e disse que irá conversar com o ministro da Saúde. Os governadores pediram também a atualização da tabela do Sistema Único de Saúde (SUS), mas não obtiveram o compromisso do ministro.

GIVALDO BARBOSAReunião. Os governadores Pezão (RJ), Alckmin (SP), Perillo (GO), Sartori (RS), Dias (PI) e o vice do Maranhão, Carlos Brandão, conversam com Nelson Barbosa: pedidos de mais recursos

— Com essa crise, as pessoas estão com dificuldade de pagar seus planos de saúde e cada vez mais se socorrem na rede pública. Isso está sobrecarregando muito — disse o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, que na semana passada decretou situação de emergência na Saúde do estado.

— Essa cobrança dos planos de saúde é feita pelo governo federal, mas não é feita fortemente. Passar essa cobrança para os estados e municípios pode ser uma nova fonte de receita. Não sei se precisa de projeto porque o governo federal já tem essa faculdade de cobrar — acrescentou Pezão.

Apesar da boa vontade demonstrada por Barbosa, apenas um dos pedidos para aliviar o caixa dos estados foi atendido: a publicação nos primeiros 15 dias de janeiro do novo indexador das dívidas dos estados e municípios com a União.

MINISTRO TRATA DA CPMF Antes do encontro com Barbosa, os governadores discutiram uma pauta comum para recuperar a economia dos estados. Além da rediscussão da dívida, e das medidas relativas à saúde, foi pedida a retomada das operações de crédito para recuperar a capacidade de investimentos; a utilização dos recursos de compensação previdenciária a que os estados têm direito para abater a dívida com a União; a criação do fundo federal garantidor para promover parcerias público-privadas nos estados: o alongamento dos prazos para o pagamento dos precatórios e a aprovação da PEC que permite utilizar 40% dos recursos de depósitos judiciais em que o estado não é parte para o pagamento de precatório.

— Houve pelo menos uma proatividade muito grande do ministro. Ele colocou prazos, o que facilita muito a gente se preparar para 2016. Nos primeiros 15 dias de janeiro o governo vai fazer a publicação do indexador da dívida, que vai facilitar ver o que melhora na nossa receita corrente líquida. O estoque (da dívida) que a gente tem vai cair e isso abre capacidade de endividamento dos estados — disse Pezão.

Aprovada em 2014, a mudança do indexador ainda carece de regulamentação. No início do ano, os prefeitos do Rio, Eduardo Paes (PMDB), e de São Paulo, Fernando Haddad (PT), foram à Justiça para exigir a aplicação imediata do novo cálculo. O então ministro da Fazenda Joaquim Levy negociou e em julho deste ano uma nova lei deu prazo até 31 de janeiro de 2016 para que o novo indexador entre em vigor, com correção retroativa das dívidas contraídas antes de 1º de janeiro de 2013.

Segundo governadores ouvidos pelo GLOBO, o assunto “impeachment” não foi tratado no encontro. Nos preparativos para o evento, o governador do Distrito federal, Rodrigo Rollemberg (PSB) garantiu que o encontro não ocorreria para prestar apoio a ninguém, mas sim para construir uma agenda de “bom senso” para a superação da crise. A ideia é manter um fórum permanente, com o próximo encontro já marcado para 1º de fevereiro.

— Os governadores têm uma força de articulação política muito grande. Vamos trabalhar com pontos comuns e que sejam exequíveis — disse Rollemberg.

A CPMF foi um dos assuntos polêmicos tratados na reunião. Segundo relatos de governadores, Barbosa indicou que a CPMF é uma das ferramentas para o governo resolver o problema de falta de recursos para a saúde, mas admitiu que não há consenso no Congresso pela sua aprovação.

Sobre a retomada das operações de crédito pelos estados, o ministro informou que o governo irá fazê-la “paulatinamente”. Barbosa negou o pedido de utilização dos recursos de compensação previdenciária que os estados têm direito para abater a dívida com a União.

A respeito da criação do fundo garantidor para promover parcerias público-privadas, Barbosa disse que o governo já fez sua parte, encaminhando a venda de terrenos para compor esse fundo.

— A união dos governadores nesse momento grave que o Brasil está passando ajuda a melhorar o ambiente político, o que ajuda a melhorar a economia. Temos que ajudar para a gente conseguir atravessar 2016. Existe um conjunto de reformas que não são mais de disputa ideológica, mas de interesse do país — afirmou o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin.

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Brasília aumenta até ingresso no zoológico


Para tentar colocar gastos no limite da Lei de Responsabilidade Fiscal, capital do país suspende reajustes salariais, eleva impostos e ocupa o caro e ocioso estádio Mané Garrincha com secretarias.

Mesmo com uma situação particular de ter o orçamento reforçado pelo chamado Fundo Constitucional - um repasse do governo federal para gastos com segurança, educação e saúde -, Brasília começou 2015 tendo que resolver problemas financeiros, que levaram a atrasos no pagamento de servidores, fornecedores e tercerizados. Cortes de gastos e medidas para aumentar a arrecadação foram adotadas, mas, ainda assim, o governo ultrapassou o limite tolerado com o pagamento de salários do funcionalismo.

A administração comandada por Rodrigo Rollemberg (PSB), estima que o governo passado deixou um rombo de R$ 6,5 bilhões, entre dívidas e comprometimento com gastos que ultrapassam a receita. Um ano depois, a atual gestão diz que o rombo caiu para R$ 3 bilhões, com a diminuição do número de cargos comissionados e cortes nos gastos com viagens, combustíveis e aluguéis, entre outros. Nem a tradicional iluminação de Natal de Brasília escapou e as ruas têm menos luzes que em anos anteriores. Na avaliação de Rollemberg, a situação melhorou: passou de desesperadora para difícil:

— Entramos em janeiro com dificuldade muito grande de pagar salários. Tivemos que parcelar os dois primeiros meses. Mas ajustamos. Conseguimos pagar os salários todos em dia. Pagamos o décimo terceiro dos servidores todos em dia.

Símbolo de gasto exagerado, o estádio Mané Garrincha, para 72 mil pessoas, palco de sete jogos da Copa, recebeu apenas 13 partidas em 2015. Com um estádio ocioso e caro, o governo transferiu para lá em março algumas secretarias.

Em setembro, o governo disse ter gasto 50,8% da receita corrente líquida com salários, ultrapassando o limite de 49% tolerado pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Para tentar melhorar as contas, Rollemberg suspendeu reajustes salariais e extinguiu cargos comissionados e órgãos de governo, entre outras medidas. Do lado das receitas, aumentou o preço da passagem de ônibus e metrô, diminuiu as desonerações fiscais, elevou impostos e até os valores cobrados no jardim zoológico e nos restaurantes comunitários. Ainda não se sabe se isso será suficiente para colocar os gastos dentro do limite.