O globo, n. 30090, 25/12/2015. País, p. 3

Investigadas e sem dinheiro

Cleide Carvalho e Renato Onofre

Empresas acusadas na Lava-Jato receberam de contratos da União 65% menos que em 2014.

As empreiteiras envolvidas na operação Lava-Jato viram despencar em 64,7%, de 2014 para 2015, os valores recebidos do governo federal, segundo levantamento feito pelo GLOBO. Além do impacto das investigações, a situação é agravada pela crise econômica. O total pago às dez empresas que tiveram dirigentes condenados caiu de R$ 3,35 bilhões para R$ 1,18 bilhão.

Os repasses em 2015 à Odebrecht, que liderava o ranking no ano passado, caíram 76%. Três empresas entraram em recuperação judicial: Galvão Engenharia, OAS e Schahin. -SÃO PAULO- As investigações da Operação Lava-Jato e a crise econômica fizeram despencar os valores pagos pelo governo federal às principais construtoras do país. Dez empreiteiras investigadas na operação ou que tiveram dirigentes já condenados na Justiça por corrupção e lavagem de dinheiro receberam este ano R$ 1,184 bilhão, 64,7% a menos do que os R$ 3,353 bilhões pagos em 2014, segundo dados do Portal da Transparência, que reúne os pagamentos diretos feitos pela União a empresas e pessoas físicas. O levantamento feito pelo GLOBO inclui os desembolsos registrados até a primeira semana de dezembro.

Em 2014, a Odebrecht foi a construtora que mais recebeu dinheiro do governo federal, com R$ 1,13 bilhão pelas obras do projeto de desenvolvimento do submarino nuclear brasileiro (Prosub). Se consideradas empresas de todos os setores econômicos, ocupou a terceira posição, atrás apenas do Itaú Unibanco e da Embraer.

Em 2015, com a prisão de seus principais executivos, a Odebrecht perdeu o primeiro lugar para a construtora Queiroz Galvão, que aparece na Lava-Jato apenas na condição de investigada. Os pagamentos feitos à Odebrecht pelo Prosub caíram para R$ 269,6 milhões — 76% a menos. SEIS EMPRESAS, 57% DOS INVESTIMENTOS A Queiroz Galvão foi a única das dez empreiteiras incluídas no levantamento que conseguiu aumentar o valor recebido do governo federal este ano. O aumento foi de 60% em relação a 2014, passando de R$ 250 milhões para R$ 399,6 milhões. Suas principais obras foram um trecho da Ferrovia Norte-Sul, a segunda ponte sobre o Rio Guaíba (RS) e construções relacionadas ao eixo norte da transposição do Rio São Francisco.

Um relatório da Polícia Federal, encaminhado à Justiça Federal de Curitiba, mostrou que apenas seis empresas que integravam o cartel da Petrobras, alvo da Lava-Jato, ficaram com 57% dos investimentos da estatal entre 2004 e 2014. Entre as construtoras, as mais beneficiadas com obras da petrolífera foram Odebrecht (16,6%), Queiroz Galvão (9,6%), Camargo Corrêa (9,2%), Engevix (6,8%) e UTC (5,2%).

Primeira a assinar acordo de leniência com o Ministério Público Federal, reconhecendo a corrupção e se comprometendo a ressarcir R$ 800 milhões aos cofres públicos, a Camargo Corrêa viu os pagamentos do governo federal minguarem. Em 2014, recebeu R$ 545,5 milhões, segundo maior valor pago às investigadas na Lava-Jato.

Este ano, foram R$ 71,9 milhões, e as principais obras em curso são a construção de um trecho da Ferrovia NorteSul em Goiás, do Perímetro Irrigado Platôs de Guadalupe, no Piauí, e de um trecho da BR-101 na divisa de Santa Catarina com o Rio Grande do Sul.

Juntas, as obras de transposição do Rio São Francisco e os investimentos em ferrovias garantiram a continuidade dos pagamentos às investigadas da Lava-Jato.

A Andrade Gutierrez, que também deve regularizar sua situação e negocia acordo de leniência, havia recebido R$ 132,4 miuma lhões em 2014. Este ano, ficou com apenas R$ 43,8 milhões, graças à construção da Ferrovia de Integração Oeste-Leste, que liga Ilhéus a Caetité, na Bahia.

A obra, que faz parte do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) e foi orçada em R$ 1,4 bilhão, foi a origem também do pagamento de R$ 41,1 milhões à Galvão Engenharia, que em 2014 havia recebido R$ 363,7 milhões da União. A UTC/Constran, que angariou o trecho Caetité/Barreiras, recebeu este ano R$ 109,5 milhões — um terço do faturado em 2014 com a União.

Das principais empreiteiras da LavaJato, três entraram em recuperação judicial ao longo do ano: Galvão Engenharia, OAS e Schahin.

A OAS viu os pagamentos da União serem reduzidos de R$ 61,4 milhões em 2014 para R$ 24,8 milhões este ano — queda de 60%. Atualmente, a empresa é responsável pelas obras de estradas em Alagoas, nas divisas com Pernambuco e Sergipe.

A Schahin, uma das últimas a aparecer na Lava-Jato, com contratos vinculados principalmente à exploração de petróleo, teve seus recebimentos da União reduzidos a pouco mais de 10% — de R$ 101 milhões em 2014 para R$ 12 milhões este ano. A obra em andamento é o prédio do Instituto Nacional de Câncer.

Depois das gigantes Odebrecht e Queiroz Galvão, a Mendes Junior foi a que conseguiu manter o maior valor em recebimentos federais em 2015. Os pagamentos à empresa somaram R$ 185 milhões por obras no Rio São Francisco, irrigação no Piauí e na BR-163 no Mato Grosso — 52% a menos em relação aos R$ 390 milhões de 2014.

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Em menos de dois anos, 35 denúncias e 61 condenados

Cleide Carvalho e Renato Onofre

Somadas, penas das 15 sentenças já julgadas por Moro chegam a total de 679 anos.

-SÃO PAULO- O ano de 2015 consolidou a Operação Lava-Jato como a principal ação de combate à corrupção na História do Brasil. Em um ano e nove meses, as investigações levaram à condenação de 61 réus. Fazem parte dessa lista os donos das maiores empreiteiras do país, ex-dirigentes da estatal, empresários, doleiros, políticos e até seus familiares.

Até o momento, o Ministério Público Federal (MPF) apresentou ao juiz Sérgio Moro 35 denúncias contra 173 pessoas. Somadas, as penas aplicadas chegam a 679 anos, 5 meses e 15 dias nas 15 sentenças já proferidas por Moro. O juiz também absolveu 17 pessoas. 116 MANDADOS DE PRISÃO Na última coletiva de 2015, em 14 de dezembro, o MPF fez um balanço da atuação da força-tarefa da Lava-Jato. Desde o início das investigações, foram instaurados 941 procedimentos de investigação, sendo que 266 ainda permanecem em sigilo máximo.

As ações levaram à decretação de 116 mandados de prisão, sendo 61 preventivas e 55 temporárias. Além de 88 mandados de condução coercitiva, onde a pessoa é obrigada a ir prestar depoimento na Polícia Federal.

Além disso, os agentes realizaram 360 mandados de buscas e apreensões que levaram ao bloqueio de R$ 2,4 bilhões. Foram feitos 35 acordos de delação premiada e quatro acordos de leniência.

Até o momento, o ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque é quem recebeu a maior pena: 20 anos e 8 meses de prisão. Depois dele, o ex-deputado Pedro Corrêa (ex-PP-PE), que também foi condenado no mensalão, recebeu pena de 20 anos, 7 meses e 10 dias por corrupção e lavagem de dinheiro.

O doleiro Alberto Youssef, um dos delatores, recebeu o maior número de condenações: 7. Se fosse cumprir sua pena integralmente, o doleiro passaria quase cem anos na cadeia. Por conta do acordo de delação, no total, Youssef ficará três anos preso na carceragem da Polícia Federal em Curitiba e depois cumprirá dois anos de regime domiciliar. CAMPANHA DE MOBILIZAÇÃO O procurador da República Deltan Dallagnol, que coordena a equipe do Ministério Público Federal, disse que, apesar dos números, ainda não há o que comemorar. Dallagnol defendeu a necessidade de uma mudança na sociedade e ressaltou a campanha “10 Medidas Contra a Corrupção” como um instrumento para isso. O projeto dessa campanha surgiu durante a Lava-Jato como instrumento de mobilização da sociedade.

— Estamos vendo o cavalo enseiado das mudanças contra a corrupção passar sem que nós tenhamos montado até o momento — disse, ressaltando que as propostas das “10 Medidas Contra a Corrupção” dão um caminho para o combate à corrupção no Brasil.

Em seis meses, a iniciativa ultrapassou um milhão de assinaturas para o projeto de inciativa popular, criando instrumentos para criminalização do enriquecimento ilícito; aumento das penas e crime hediondo para corrupção de altos valores; celeridade nas ações de improbidade administrativa; reforma no sistema de prescrição penal; responsabilização dos partidos políticos e criminalização do caixa 2, entre outros ajustes na legislação.