Desigualdade volta a aumentar com Dilma

Rosana Hessel

09/10/2015

A presidente Dilma Rousseff perdeu a batalha no combate à desigualdade. Desde que assumiu o poder, ela não conseguiu reduzir o fosso que separa os mais ricos dos mais pobres e ainda ajudou a piorar a situação econômica. No primeiro mandato, Dilma ostentou as mais baixas taxas de crescimento econômico desde a redemocratização; no início do segundo, mergulhou o país na recessão - situação que, segundo especialistas, deve provocar um novo aumento da distância que separa as classes de maior e de menor renda.

Marcelo Medeiros, professor da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), revela que, ao contrário do que o governo propagava, a diferença social se manteve inalterada entre 2006 e 2012. "A concentração da renda não mudou. A fatia do 1% mais rico da população continuou detentora de ¼ da renda produzida no país, e 5% mantiveram metade do rendimento total no período", destaca.

Apesar de não dispor de dados mais recentes, Medeiros admite que, com a desaceleração da economia a partir de 2011, o aumento do desemprego e a inflação em alta, a desigualdade deverá aumentar, "se não houver queda na renda dos mais ricos". "Para se ter uma ideia precisa são necessários uma análise mais densa e um período mais longo de análise", ressalva.

O economista Jorge Arbache, professor da Universidade de Brasília, no entanto, não tem dúvidas de que a desigualdade vem crescendo, principalmente, devido à disparada do desemprego e do custo de vida. Na avaliação dele, boa parte do ganho de renda obtida pelos brasileiros em períodos anteriores está se perdendo devido às trapalhadas do governo na área fiscal, que fizeram a economia cair na recessão. "As pessoas estão ficando mais pobres. Isso é fato. A renda per capita deverá diminuir 7,45% entre 2014 e 2017", calcula.

Descontrole

Para Arbache, a ausência de medidas e de um plano estratégico para fazer o país voltar a crescer deixam qualquer empresário sem vontade de investir, em meio à recessão e à crise política. O descontrole nas contas públicas já levou a agência de classificação de risco Standard & Poor's, no início de setembro, a retirar do Brasil o grau de investimento - um certificado que dá mais confiança a investidores para manter recursos aplicados no país. A expectativa é de que ainda este ano o mesmo seja feito pela Moody's.

Para coroar esse quadro preocupante, as maquiagens contábeis feitas às vésperas das eleições de 2014, em desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal - as pedaladas fiscais (atrasos nos repasses de recursos a bancos públicos) -, foram cruciais para que o Tribunal de Contas da União (TCU) rejeitasse as contas de Dilma de 2014, o que pode dar base à abertura de um processo de impeachment da presidente.


 
Pobreza

Durante a última campanha eleitoral, o governo suspendeu a divulgação de vários estudos do Ipea que indicavam aumento da pobreza - entre eles, um feito por Medeiros. Em protesto, o economista pediu exoneração do cargo de coordenador que ocupava na época. Por conta disso, ele deve ser chamado a depor no processo de impugnação da chapa Dilma/Temer que tramita no Tribunal Superior Eleitoral.

Em outro trabalho, em parceria com o pesquisador Pedro H. Souza, Medeiros cruzou dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com informações da Receita Federal sobre o Imposto de Renda. A conclusão do estudo, terminado recentemente, foi que a desigualdade se manteve estável entre 2006 e 2012.

"Vários testes apontam um resultado que parece ser importante, mas ainda não sabemos explicar adequadamente: o comportamento da desigualdade observado nas Pnads muda de direção quando os dados do Imposto de Renda são utilizados. Isso sugere a possibilidade de que os determinantes do nível de renda para a população mais baixa sejam diferentes dos de rendimento dos mais ricos", diz o estudo A estabilidade da desigualdade no Brasil entre 2006 e 2012: resultados adicionais, ainda não publicado.

"Em outras palavras, temos alguma evidência de que aquilo que explica a pobreza e o centro da distribuição não explica bem a riqueza. Por óbvio que possa parecer, isso indica que precisamos reavaliar algumas das conclusões de nossas pesquisas sobre a desigualdade. No entanto, este é apenas um indício. Sua interpretação deve ser feita com cautela. Ainda precisamos de mais evidências para ter segurança", destaca.

Ascensão bloqueada

O economista Claudio Porto, presidente  da consultoria Macroplan é taxativo ao apontar o maior perdedor da crise atual: a chamada nova classe média, como o governo batizou a camada da população que conseguiu sair da pobreza. "Não há dúvida. Quem ascendeu socialmente é quem perde mais com esta inflação alta. Para essas pessoas, mesmo que o consumo de energia, uma das principais despesas da casa, não tenha aumentado, a conta de luz dobrou. Logo, elas não estão mais conseguindo adquirir as mesmas coisas que compravam antes", destaca. Monica Baumgarten de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e diretora da consultoria Galanto/MBB, em Washington, também acredita que a pessoas que conseguiram migrar para a classe C serão as que mais sofrerão com  a crise. "O retrocesso da redução da desigualdade será inevitável", lamenta.

Retrocesso

Sem alternativa a população já começou a abrir mão do nível de consumo que tinha alcançado nos anos de bonança. É o caso da empregada doméstica Adriana Pinto, 32 anos. "Está cada vez mais difícil fazer compras no supermercado. Está tudo muito caro. Há um ano comprava dois sacos de arroz por mês. Agora levo um só. Carne só de vez em quando.  E, leite, nem compro mais", diz . Ela conta que reduziu as idas ao cinema com a família e que não leva mais o filho para lanchar na rua. "A passagem do ônibus subiu e preciso economizar para continuar indo trabalhar", explica.

A corretora de imóveis, Isabel Cristina, 31 anos, cortou plano de saúde, idas ao shopping e ao supermercado. "Estou trabalhando o dobro para sobreviver com pouco. Coloquei meus filhos no colégio público, senão não consigo ter o básico para viver", lamenta.

A manicure Krishna Vieira, 32 anos, também reduziu despesas e passou a fazer pesquisas em quatro supermercados antes de sair às compras. Comer fora e fazer passeios são luxos que ela riscou da lista nos finais de semana. "Não gasto mais com vaidade. Está impossível. Até a metade do ano passado eu tinha muitos clientes, mas o movimento caiu. Cancelei TVE por assinatura. Eu ia colocar a minha filha numa escola particular, mas desisti", conta.

Para Monica de Bolle, o retrocesso que o país vem sofrendo será dolorido para a população. "A situação está muito  desarranjada dos pontos de vista político e econômico", pondera.

Correio braziliense, n. 19131 , 12/10/2015. Economia, p. 06