O globo, n. 30088, 23/12/2015. País, p. 8

Curto-circuito em luminária pode ter causado incêndio em museu

 

MARIANA SANCHES, SILVIA AMORIM THIAGO HERDY

Polícia investigará falta de documentos de segurança para funcionamento.

-SÃO PAULO- Um dia depois de um incêndio ter consumido o Museu da Língua Portuguesa, na capital paulista, surgiram os primeiros indícios da causa da tragédia. Um dos funcionários da instituição afirmou à Defesa Civil que um curto-circuito ocorreu quando ele trocava uma luminária no primeiro andar do prédio. A polícia abriu inquérito para investigar as circunstâncias do incêndio e da morte do bombeiro civil Ronaldo da Cruz, de 38 anos. Ontem, os bombeiros ainda debelavam pequenos focos de fogo. Não há previsão de reabertura do prédio, onde também funciona a Estação da Luz, que continua interditada.

Responsáveis pela gestão do prédio da Estação da Luz, a Secretaria estadual de Cultura, a Companha Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e a organização social ID Brasil acusaram-se ontem mutuamente pela falta de documentos obrigatórios para funcionamento do espaço, como o alvará da prefeitura de São Paulo e o Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB). Alegaram, porém, que foram tomadas todas as medidas de segurança necessárias. O museu tinha todos os equipamentos contra incêndio em funcionamento. O incêndio começou no meio da tarde de segunda-feira, e foi debelado três horas depois.

— Um funcionário disse que retirou a luminária, desceu da escada e se afastou para pegar a luminária nova. Quando voltou, já tinha um curto e um foco de incêndio — afirmou Milton Persoli, coordenador da Defesa Civil.

Segundo ele, a escada usada pelo funcionário era de alumínio e ainda estava onde havia sido deixada por ele. Havia cerca de 30 pessoas no museu, que estava fechado ao público.

— Ainda é prematuro dizer o que causou o incêndio. O laudo pericial deve levar 30 dias pra ficar pronto. Essa é uma investigação de meses e, a princípio, se houver responsabilidade, ela me parece ser culposa (quando não há intenção de cometer crime) — afirmou o delegado Marco Antônio Olivato, responsável pela investigação.

De acordo com Olivato, a polícia intimará gestores e funcionários do museu a prestar esclarecimentos sobre a suposta troca de luminárias e as condições de segurança do prédio.

— Precisamos saber, por exemplo, se o funcionário responsável pelo serviço era um técnico ou um curioso, um leigo — disse o delegado. FALTAM PORTAS CORTA-FOGO O inquérito também apurará a morte do bombeiro civil, que sofreu uma parada cardiorrespiratória enquanto tentava debelar as chamas. Os investigadores querem saber se ele era o único brigadista para atender a todo o edifício e que tipo de equipamentos dispunha. A polícia pedirá cópia das imagens de segurança.

O fato de o museu estar sem o AVCB dos Bombeiros também será questionado. Ontem, o comandante-geral da corporação, coronel Rogério Duarte, listou as principais pendências para concessão do documento, que precisava atender a toda a Estação da Luz, e não apenas à área do museu. Segundo ele, faltava criar estruturas para dificultar a propagação de chamas, como portas corta-fogo; criar um sistema para saída da fumaça em caso de emergência; e fazer adaptações no sistema de detecção de incêndio.

— Em anos anteriores foram realizadas vistorias dos Bombeiros no prédio. No entanto, a última vigorou até agosto de 2010. Só agora, em 2015, eles apresentaram um novo projeto, que ainda precisa ser adaptado para obter o AVCB — afirmou o coronel Duarte.

Diretor responsável pelo museu desde sua inauguração, Antônio Sartini disse não ter obtido o documento “pelas características do prédio que o museu ocupa, em condomínio com outros órgãos e instituições”.

— O AVCB só poderia ser dado para o prédio como um todo. Diante disso, periodicamente chamávamos os bombeiros, que faziam laudos e apontavam recomendações técnicas. Todas eram implementadas — alegou.

Ontem, a prefeitura de São Paulo informou ter recebido do museu um pedido de alvará de funcionamento em 2006, negado quatro anos depois, em 2010, por falta de um termo de conclusão de reformas feitas no local e de “atendimento à legislação estadual”. Segundo a prefeitura, em agosto de 2015 o museu voltou a pedir um alvará, que ainda está sob análise.

O GLOBO perguntou à prefeitura por que permitiu o funcionamento do museu sem o documento obrigatório. Ela informou ter considerado suficiente a apresentação, por parte do museu, do “Laudo Técnico de Segurança”, e de outros documentos que atestavam o funcionamento dos equipamentos contra incêndio. O Decreto 49.969/08 diz que “nenhum imóvel poderá ser ocupado sem prévia emissão, pela prefeitura, da licença correspondente, sem a qual será considerado em situação irregular quanto ao uso”.

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‘O espaço tinha todos os equipamentos’

Silvia Amorim

Secretário de Cultura diz que responsabilidade por solicitar vistoria era da companhia de trens.

No dia do acidente, o museu passou por manutenção. Foram serviços de rotina ou reparação de algum problema?

Toda segunda-feira, quando o museu está fechado ao público, são feitas as rotinas de manutenção. Tinha uma equipe trocando lâmpadas em um outro espaço, diferente de onde começou o incêndio. O incêndio começou, segundo informações que recebemos, no primeiro andar. A equipe do museu estava com uma empresa contratada no segundo andar. Acho que não há nenhum elemento que permita dizer que há uma relação direta entre o incêndio e a manutenção.

Qual a dificuldade de obter um alvará de funcionamento para o museu?

Nunca conseguimos um alvará porque a emissão dele depende de o prédio ter o AVCB (Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros). Apesar de o museu apresentar condições muito boas e, eu diria, ideais de prevenção e combate a incêndio, elas ainda não foram suficientes para a obtenção do AVCB, porque a emissão não é feita só para a parte do edifício ocupado pelo museu, mas para a Estação da Luz como um todo. Esse é um edifício extremamente complexo, porque é um prédio histórico e com uso compartilhado por outras empresas. O espaço ocupado pelo museu tinha todos os equipamentos e procedimentos necessários e adequados.

O prédio é dividido entre o museu, o metrô e a CPTM (companhia de trens). A Secretaria de Cultura é quem conduz a regularização junto aos bombeiros?

Não. A responsabilidade pela solicitação do AVCB não é nossa.

De quem é?

Da CPTM. A nossa responsabilidade sempre foi tomar as providências no espaço do museu e fornecer a documentação, que era apensada a essa análise mais ampla do prédio.

Por quais motivos o prédio não consegue o AVCB?

Não sei.

É razoável um equipamento da importância do Museu da Língua Portuguesa funcionar sem a documentação?

O museu sempre teve a preocupação de fazer esse pedido de alvará à prefeitura, sabendo inclusive que ele não poderá ser expedido porque não há um AVCB. Mas, mesmo assim, apresentamos toda a documentação para comprovar a nossa parte técnica.

Mas o senhor diria que o museu estava cumprindo a lei?

Essa não é uma questão de lei. É um procedimento complexo, principalmente no caso de edifícios públicos. O fundamental é o compromisso do museu com a observância das normas técnicas de segurança.