O globo, n. 30088, 23/12/2015. Rio, p. 12

Judiciário x Executivo

LUIZ GUSTAVO SCHMITT
VERA ARAÚJO

TJ causa mal-estar ao recorrer ao STF para ter salários pagos antes de outros poderes.

“Eles (Judiciário) não estão entendendo a gravidade na área da saúde. Não vou privilegiar desembargadores em detrimento de outros servidores”
Luiz Fernando Pezão
Governador

Enquanto o Rio enfrenta uma das suas mais agudas crises na saúde, o Tribunal de Justiça passou de aliado — chegou a autorizar o uso de parte dos recursos dos depósitos judiciais para amenizar os problemas de caixa do estado — a uma pedra no sapato do governador Luiz Fernando Pezão. Ontem, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, determinou que o governo estadual pague, no próximo dia 30, os salários do Judiciário referentes ao mês de dezembro, cerca de R$ 250 milhões. Com déficit nas contas, Pezão havia alterado todo o calendário de pagamento de salários dos servidores, que agora podem ser depositados até o sétimo dia útil de cada mês. Inconformado, o TJ entrou com um mandado de segurança contra a medida no Supremo.

O pedido foi feito pelo presidente do tribunal, desembargador Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho, conforme antecipou o blog de Ancelmo Gois, no site do GLOBO. A liminar concedida pelo STF teve como relatora a ministra Cármen Lúcia. STF ALEGA DIREITO PREVISTO EM LEI O TJ não informou o valor da folha, mas, como manda a lei, o Judiciário recebe 6% da receita corrente líquida do estado, que este ano está estimada em cerca de R$ 50 bilhões. Pelo cálculo, o valor da folha de dezembro deve ficar em torno de R$ 250 milhões.

Na ação no STF, Luiz Fernando afirma que o mandado de segurança estava sendo impetrado contra o estado em razão de “ato omissivo, consistente em não repassar o duodécimo orçamentário do Poder Judiciário fluminense no vigésimo dia de cada mês”. De acordo com a ação, esse é um direito garantido pelo artigo 168 da Constituição Federal.

O artigo prevê a mesma data de pagamento para a Defensoria Pública, o Ministério Público e o Poder Legislativo, que, no entanto, não entraram com medida de segurança.

A ação do TJ no Supremo azedou o clima entre Pezão e a presidência do tribunal. Afinal, havia um acordo firmado para a mudança no calendário de salários, que incluía ainda o Legislativo. Antes disso, um outro episódio já tinha incomodado o governo. Na sexta-feira, o desembargador Luiz Fernando suspendeu os efeitos de uma liminar, concedida pela 14ª Vara de Fazenda Pública da Capital, que determinava a transferência, do Banco do Brasil para o tesouro do estado, de 70% de todos os depósitos judiciais em que órgãos ou empresas estaduais fossem parte na Justiça do Trabalho. A decisão seguiu o entendimento de que a transferência poderia gerar sérios prejuízos a trabalhadores com processos contra o estado.

Antes disso, porém, o TJ havia contribuído para reduzir o rombo nas contas, liberando, em maio, R$ 6,8 bilhões do Fundo Especial do Judiciário para garantir o pagamento de aposentados e pensionistas do estado, que, na ocasião, já estava ameaçado.

PEZÃO SE DISSE SURPREENDIDO

Ontem, Pezão disse ter sido surpreendido com a ação no STF.

— Eles (Judiciário) não estão entendendo a gravidade na área da saúde. Uma crise que está fechando hospitais. Eu não vou privilegiar desembargadores em detrimento de outros servidores do estado. Pedimos a mudança de data para para honrar nossos compromissos, inclusive com os funcionários da Justiça. Faltou sensibilidade — criticou Pezão, que ontem estimou em R$ 350 milhões os recursos necessários para contornar os problemas mais imediatos da saúde.

O presidente do Tribunal de Justiça negou ter havido insensibilidade.

— Fomos buscar o cumprimento da lei ao impetrarmos o mandado de segurança — disse. — Não é que sejamos insensíveis à crise da saúde. Somos guardiões da Constituição Federal. O problema da suspensão dos repasses dos royalties do petróleo, do não pagamento das dívidas do ICMS, realmente se agravou, e isso se reflete na queda da arrecadação. Mas não há qualquer relação do nosso pedido com a crise na saúde.

Ainda antes do imbróglio jurídico chegar ao STF, houve outro mal-estar entre os poderes. O estado havia determinado o pagamento do 13º salário de aposentados e pensionistas em cinco vezes. Mas o Tribunal de Justiça enviou ao Bradesco a folha para o pagamento integral dos valores devidos, que foi efetuado pelo banco. Com isso, o governo teve que repassar à instituição bancária cerca de R$ 24 milhões. A atitude do Judiciário acabou tendo reflexos também na Alerj e no MP estadual, que resolveram usar recursos próprios para pagar o valor integral do 13º de seus aposentados e pensionistas.

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Justiça nega a Pezão uso do plantão para cobrar ICMS

CARINA BACELAR

Governador queria que ações fossem julgadas durante recesso.

Pouco antes do embate com o desembargador Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho, presidente do Tribunal de Justiça, o governador Luiz Fernando Pezão havia pedido a ele que mobilizasse plantonistas no TJ, durante o recesso do Judiciário, para apreciar ações de cobrança de ICMS atrasado. O recesso começou ontem e termina dia 4 de janeiro. De acordo com o desembargador, a crise do estado não será resolvida com a “criação de um plantão especial”:

— São grandes empresas devedoras que tentam fugir da dívida do estado. Enfim, não posso criar esse plantão porque já existe o plantão judiciário para medidas urgentes. A criação de uma força-tarefa, como pede o governador, não resolve o problema. Quem tem que movimentar a execução judicial é a Procuradoria Geral do Estado. Não estou dizendo que é culpa dela ou do recesso.

DÍVIDAS CHEGAM A R$ 28 BI

O governo não divulgou o nome das empresas devedoras, devido ao sigilo fiscal. Ao todo, a dívida é de R$ 28 bilhões. As próprias companhias já reconheceram R$ 7 bilhões, valor que o estado esperava receber com a ajuda do Judiciário. Segundo o secretário de Fazenda, Julio Bueno, o total dos débitos (R$ 28 bilhões) é referente a quatro mil empresas.

Pezão disse que o desembargador havia, inicialmente, acenado com mobilização dos juízes:

— Tenho recursos para receber das empresas, mas dependo da Justiça, que está em recesso, para me ajudar.