Presidente e vice falam de economia e literatura em reunião
Andrea Jubé e Bruno Peres
21/01/2016
Num esforço de recomposição política, a presidente Dilma Rousseff e o vice-presidente Michel Temer reuniram-se ontem no Palácio do Planalto pela primeira vez neste ano. A conversa de uma hora tratou da crise econômica, das medidas do governo para superá-la e até de literatura. O terreno para o encontro foi preparado com antecedência pelo ministro-chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, que se reunira com Temer no início do mês.
Dilma e Temer conversaram reservadamente na primeira parte do encontro. Depois os ministros Jaques Wagner e Ricardo Berzoini, da Secretaria de Governo, juntaram-se à reunião. Conforme relatos de fontes do Planalto, Dilma iniciou a conversa com o vice abordando o relatório "Panorama Econômico Mundial", divulgado na terça-feira pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), segundo o qual a economia mundial crescerá 3,4% neste ano.
Foi o mote para Dilma argumentar que o relatório comprova que a crise econômica enfrentada pelo Brasil não é localizada, mas, sim, parte de uma conjuntura de retração da economia mundial, que tem como uma das causas o fim do ciclo de alta das commodities. No caso do Brasil, a projeção do FMI é de contração de 3,5% da economia neste ano.
Diante desse quadro, Temer sugeriu a Dilma que o governo adote uma nova postura, menos impositivo, mais "servidor", disposto a ouvir mais e considerar as sugestões de setores da economia para superação da crise. Recomendou que Dilma estimule o debate sobre a crise com os aliados e com a sociedade, e atue para transformar boas sugestões em políticas públicas.
Dilma relatou que está reativando o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), o Conselhão, e convidou o vice para a reunião, agendada para o dia 28. Temer, contudo, não comparecerá. Nesta data, ele visita o Paraná e Santa Catarina, no conjunto das viagens que fará em campanha pela reeleição para a presidência do PMDB.
O vice mencionou, ainda, o documento de autoria do PMDB, "Uma ponte para o futuro", a plataforma para um futuro governo do partido, com propostas para a retomada do crescimento. Entre elas, medidas que o governo já endossou, como a reforma da Previdência. Dilma afirmou que leu o documento e o encaminhou para análise do ministro da Fazenda, Nelson Barbosa.
Temas sensíveis como a Operação Lava-Jato e o impeachment não foram abordados, segundo as fontes ouvidas pelo Valor. Mas houve brecha para o entretenimento: Temer sugeriu a Dilma o último livro de Umberto Eco, "Número Zero".
Ambos falaram também sobre a visita oficial de Temer aos Estados Unidos, a convite do vice-presidente Joe Biden, ainda sem data marcada. Dilma incentivou a viagem. Biden foi citado na controversa carta enviada por Temer a Dilma no dia 7 de dezembro, considerada o estopim da crise entre ambos. "O que é que houve que numa reunião com o vice-presidente dos Estados Unidos, o do Brasil não se faz presente? (...) Tudo isso tem significado absoluta falta de confiança", acusou Temer na correspondência a Dilma, divulgada na imprensa.
A desconfiança mútua foi a principal causa do desgaste no relacionamento. Quando Temer devolveu o cargo de articulador político, em agosto, acusou ministros petistas de sabotarem sua atuação. Quando o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), acolheu o requerimento de impeachment, setores do Planalto acusaram Temer de se alinhar à ala do PMDB favorável ao afastamento de Dilma.
"Sempre tive ciência da absoluta desconfiança da senhora e do seu entorno em relação a mim e ao PMDB", escreveu Temer. Segundo interlocutores de ambos os lados ouvidos, não há sinais de inversão deste cenário após essa reunião. Tudo indica que a relação seguirá como está: protocolar e institucional.
Valor econômico, v. 16 , n. 3834, 21/01/2016. Política, p. A7