O globo, n. 30095, 30/12/2015. País, p. 3

Wagner aponta erros

BIAGGIO TALENTO

Ministro diz que país não suportou volume de desonerações e financiamentos feitos por Dilma.

“Se cometemos erros – e isso é possível – vamos superá-los e seguir em frente”
Dilma Rousseff
Em vídeo gravado no Dia da Independência deste ano “Nós perdemos receita, além de erros que foram cometidos em 2013, 2014, com desoneração exagerada, programas de financiamentos feitos num volume muito maior do que a gente aguentava”
Jaques Wagner
Ministro da Casa Civil, ontem

Salário mínimo subirá 11,6%, para R$ 880, com custo de R$ 30 bilhões para a Previdência

O petista Jaques Wagner, ministro da Casa Civil, admitiu que erros cometidos pelo governo Dilma em 2013 e 2014 contribuíram para a grave crise que o país enfrenta. O ano de 2015 “foi tão duro” por causa deles, disse Wagner, citando a “desoneração exagerada” e “programas de financiamento num volume muito maior do que a gente aguentava”. O governo anunciou aumento de 11,67% para o salário mínimo, que passará a R$ 880 em 1º de janeiro. O ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, admitiu ontem que parte dos problemas econômicos enfrentados pelo país foi provocada por medidas adotadas no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. O Banco Central previu na semana passada que a inflação neste ano deverá ficar em 10,8%, acima do teto da meta e maior taxa desde 2002. O governo estima ainda uma queda de 3,1% no Produto Interno Bruto (PIB) em 2015. Já o índice de desemprego registrado em novembro, aferido pelo IBGE em seis regiões metropolitanas, ficou em 7,5%, contra 4,8% do mesmo mês do ano passado. As contas do governo central, formado por Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central também passam por um momento complicado: desde o início do ano, o déficit acumulado é de R$ 54,33 bilhões, o maior valor da série histórica, iniciada em 1997.

Segundo Wagner, a diminuição na arrecadação de impostos, resultado da retração econômica, e “erros” cometidos em anos anteriores são as razões da crise.

— Nós (governo) perdemos receitas, além de erros que foram cometidos em 2013, 2014, como desoneração (tributária) exagerada, programas de financiamento que foram feitos num volume muito maior do que a gente aguentava e que, portanto, quando a gente abriu a porta de 2015, você estava com uma situação fiscal... Por isso que o ano foi tão duro — avaliou, em entrevista à Rádio Metrópole, de Salvador.

Esta foi a primeira vez que um integrante do governo explicitou claramente os erros na condução da política econômica no primeiro mandato de Dilma. Em setembro, em vídeo divulgado nas redes sociais no Dia da Independência, Dilma disse que, se erros haviam sido cometidos, iria superá-los. No início de outubro, quando anunciou a reforma ministerial, a presidente voltou a tratar do assunto na condicional: “Sabemos que, se erramos, precisamos consertar os erros e, se acertamos, precisamos avançar nos acertos e seguir em frente.” Em agosto, o então ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, já havia citado, de forma genérica, possíveis erros: “Vivemos um momento politizado, com erros que cometemos, e se comete quando se governa.” REMÉDIO DE LEVY “VIROU VENENO” Na entrevista à rádio baiana, Wagner considerou correta a troca de Joaquim Levy por Nelson Barbosa no Ministério da Fazenda. Segundo ele, houve rigor excessivo nas medidas aplicadas por Levy no período em que ficou à frente da pasta.

— Ele (Levy) estava num processo de desgaste na relação com o governo e o Congresso. É uma pessoa de boa fé, que conhece o riscado, mas veio com uma linha muito dura, sem diálogo, e as coisas não funcionam assim. Acho que a dose que o Levy aplicou (na economia), no lugar de ser remédio, virou veneno — criticou.

Para Wagner, Barbosa é “mais formulador e aberto ao diálogo” que Levy:

— Nessas horas de dificuldade, é preciso gastar tempo explicando para as pessoas o que você vai fazer. Acho que ele (Barbosa) tem uma visão mais geral da economia. O Levy tinha uma visão muito específica do livro-caixa, do cofre, então ele estava obcecado por aquilo ali. Não acho que (a troca) é seis por meia dúzia.

Wagner revelou que em reunião anteontem, da qual participaram, além dele próprio e Barbosa, os ministros Ricardo Berzoini (Secretaria de Governo) e Valdir Simão (Planejamento), Dilma destacou a necessidade de separar recursos para combater a seca no Nordeste. Para o ministro, é um exemplo de que o Tesouro precisa gastar, mas sem fazer “farra”.

— Já cortamos esse ano mais de R$ 130 bilhões, entre programas e despesas. Mas chega um ponto em que, se você cortar mais, vai matar o paciente. Tem seca no nordeste, tem enchente no sul, tem zika vírus com microcefalia, tem que gastar dinheiro para combater o mosquito. Isso tudo é dinheiro, o que vou fazer? Vou dizer para o cara: “amigo, você está com microcefalia, mas meu ajuste fiscal diz que não posso lhe dar dinheiro, morra”. Não pode ser assim — destacou.

Para o ministro, o que o governo deve buscar é “um ponto de equilíbrio entre uma rota de crescimento e a manutenção da responsabilidade fiscal”.

— Tem muita gente refletindo, mas sem maluquice, sem porra louquice de “vou gastar”. Não posso fazer um negócio de matar de fome todo mundo. Eu acredito que estamos buscando esse ponto de equilíbrio, da rota de retomada do desenvolvimento. Não vai ser um desenvolvimento de crescer muito, mas de voltar a crescer, para ter expectativa, confiança de empresários e trabalhadores. É tentar retomar esse ambiente. Não é simples, não vou vender facilidade, mas estamos trabalhando para isso — disse Wagner. IMPOPULARIDADE PODE SER CORRIGIDA O ministro também atribuiu a baixa popularidade de Dilma às turbulências econômicas. A pesquisa mais recente do Datafolha aponta um índice de aprovação da presidente de 12%, um aumento de quatro pontos percentuais em relação ao levantamento anterior.

— Não vou ficar me enganando. Tenho consciência de que participo de um governo que não está num bom momento de popularidade. Sei das dificuldades, em consequência da economia, da gestão da política, por que passa o governo. Mas impopularidade não é crime, é problema, é defeito. É algo que pode ser sanado se você tomar as medidas, melhorar a economia e a gestão da política — afirmou.

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Aumento do mínimo terá custo extra de R$ 30 bi em 2016

DANILO FARIELLO, BÁRBARA NASCIMENTO E JÚNIA GAMA

Reajuste de 11,67% praticamente repõe inflação prevista para o ano; Previdência seguirá percentual.

-BRASÍLIA- O salário mínimo aumentará de R$ 788 para R$ 880 a partir do dia 1º de janeiro. O reajuste de 11,67% refere-se praticamente à reposição da inflação prevista para este ano, de 11,57% pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). O ganho real de apenas 0,1% leva em conta o crescimento da economia em 2014, conforme a política que vem sendo adotada pelo governo desde 2007 e que deve continuar até 2019. Mesmo com o aumento real praticamente nulo, o reajuste do mínimo implicará custo adicional de R$ 30,2 bilhões aos cofres federais em pagamentos de benefícios sociais e aposentadorias, em 2016.

O ministro do Trabalho e da Previdência Social, Miguel Rossetto, destacou o fato de o Brasil ser um dos poucos países que assegura a valorização do mínimo. Segundo ele, essa política é importante para a retomada do crescimento da economia, garantindo emprego e renda e preservando o poder de compra da população.

— O recado para o trabalhador brasileiro é que ele está sendo respeitado em seus direitos, a partir da presidenta Dilma Rousseff, que assegura uma política de valorização do salário mínimo. Ela garante a correção do seu salário pela inflação e pelo crescimento da economia, que é um esforço coletivo — disse Rossetto, quando questionado sobre a queda do aumento real em 2016 em relação a anos anteriores (ver quadro).

No fim de novembro, a equipe econômica, encabeçada pelo então ministro da Fazenda, Joaquim Levy, chegou a discutir a possibilidade de adiar o reajuste de janeiro para maio, como forma de aliviar o peso sobre os cofres públicos em meio ao ajuste fiscal. À época, a sugestão encontrou forte resistência do atual titular da pasta e então ocupante do Planejamento, Nelson Barbosa. O próprio Levy chegou a negar que a ideia tenha saído do ministério e afirmou que houve apenas estudos técnicos do Congresso Nacional.

Em nota, a Presidência da República afirmou que, com a medida, o governo “dá continuidade à sua política de valorização do salário mínimo, com impacto direto sobre cerca de 40 milhões de trabalhadores e aposentados, que atualmente recebem o piso nacional”.

Parlamentares da oposição que integram a Comissão Mista de Orçamento (CMO) criticaram a fórmula que se baseia no crescimento do PIB e na inflação, avaliando que a crise econômica acabou por penalizar os trabalhadores.

— No ano que vem vai ser dramático porque o crescimento negativo do PIB exigirá uma rediscussão da fórmula para que o salário não perca seu poder de compra e continue sendo valorizado. O mínimo necessário para se sobreviver, hoje, daria algo em torno de R$ 2.500, o que está muito distante do patamar atual — afirmou o deputado Edmilson Rodrigues (PSOL-PA).

— O país não está gerando riqueza, não está crescendo. Como a política de salário mínimo está vinculada a crescimento do PIB, acaba prejudicando o trabalhador, principalmente o que ganha menos. O país precisa crescer — disseo deputado Samuel Moreira (PSDB-SP).

Em nota divulgada ontem, o Ministério do Planejamento informou que, por conta da revisão do mínimo de 2016 — previsto em R$ 865,46 na Proposta de Lei Orçamentária e atualizado a R$ 880 ontem —, o custo fiscal subiu R$ 4,77 bilhões (chegando a R$ 30,2 bilhões), dos quais R$ 1,87 bilhão já havia sido incorporado à proposta, em revisão de parâmetros macroeconômicos pelo relator. “Os outros R$ 2,9 bilhões de impacto para absorção do novo valor do salário mínimo não foram previstos na lei orçamentária anual.”

Segundo Rossetto, todos os valores de pagamento da previdência social seguirão basicamente o mesmo reajuste de 11,6%, porque levam em conta a inflação. O teto do benefício da previdência social, por exemplo, deverá subir de R$ 4.663 para R$ 5.203.