O globo, n. 30095, 30/12/2015. País, p. 4

Proposta feita por governadores elevaria custo dos planos de saúde

ANDRÉ SOUZA DE E EVANDRO ÉBOLI

Especialistas em Saúde Pública alertam que cobrar não resolve problema do SUS.

-BRASÍLIA- Entidades que representam as operadoras dos planos de saúde reagiram à proposta apresentada anteontem pelos governadores, que querem receber uma compensação pelos atendimentos prestados no Sistema Único de Saúde (SUS). Hoje, vários procedimentos dos clientes de planos são feitos na rede pública, mas só a União, por meio da Agência Nacional de Saúde (ANS), pode fazer a cobrança. Entre outros pontos, as entidades dizem que mudanças poderão levar ao aumento dos preços cobrados de seus clientes. E que é direito de todo o brasileiro, independentemente de ter plano ou não, ser atendido na rede pública. Há 50 milhões de pessoas com planos, um quarto da população do país.

“É importante destacar que os custos na saúde têm aumentado reiteradamente, e o ressarcimento ao SUS compõe parte dos custos gerais das operadoras de saúde. Eventuais alterações no sistema de arrecadação poderão impor novos custos administrativos e operacionais às empresas, com consequente impacto nos preços aos beneficiários”, destacou em nota a Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge), que representa as operadoras de planos de saúde.

A Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) diz que a “alegação” de que os beneficiários de planos de saúde sobrecarregam a rede pública é uma descrição completamente invertida dos fatos, já que é obrigação do poder público oferecer atendimento integral e com acesso universal. “Antes de serem beneficiários de planos de saúde, brasileiros que contratam a saúde privada também são cidadãos e podem optar pelo meio de atendimento à saúde que lhes for mais conveniente. Esse é um direito constitucional”, afirmou, em nota, a entidade, que reúne as principais operadoras em atuação no mercado.

Especialistas em Saúde Pública ouvidos pelo GLOBO defendem que haja algum tipo de ressarcimento, mas criticaram a proposta apresentada pelos governadores. Eles destacam que o dinheiro arrecadado com a medida é pouco, frente aos recursos necessários para financiar a saúde. O orçamento do Ministério da Saúde para 2016 — excluídos os gastos de estados e municípios — é de R$ 118,4 bilhões. “PROPOSTA INCIPIENTE” O valor fica muito acima dos R$ 335,7 milhões ressarcidos pelos planos de saúde em 2014 e dos R$ 183,7 milhões em 2013. Embora tenha havido crescimento de um ano para o outro, o vicepresidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, Mário Scheffer, destacou que a arrecadação deve ser menor em 2015:

— Essa proposta é incipiente, não irá solucionar o subfinanciamento da saúde. O SUS entrou em colapso em vários estados devido à má gestão, mas também ao ajuste fiscal e ao contingenciamento de mais de R$ 13 bilhões do Ministério da Saúde em 2015. Além disso, estados e municípios reduziram convênios, atendimentos e internações, por causa da sangria dos tributos relacionados à atividade econômica.

Lígia Bahia, professora do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ, faz avaliação semelhante. Segundo ela, os valores repassados são uma mixaria.

— Essa mixaria decorre de duas razões. A primeira menos conhecida é que o ressarcimento se refere apenas e tão somente a internações eletivas, as que não são de urgência e emergência. A segunda é que, ainda assim, as empresas alegam de tudo para não ressarcir. Apenas 30% das internações eletivas identificadas até 2013 como de clientes de planos de saúde se tornaram de fato objeto de cobrança da ANS — afirmou Lígia, defendendo que tudo seja ressarcido e que a cobrança seja imediata: — Os planos não pagam para a União. Por que pagariam para os estados?

O governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg, anfitrião da reunião que reuniu mais nove governadores anteontem em Brasília, defendeu a medida.

— No ambiente em que estamos, não podemos abrir mão de recursos. São recursos que estão indo indevidamente para as operadoras. Buscamos várias alternativas, ainda que isso não seja a solução definitiva — disse Rollemberg, acrescentando: — O governo (federal) não está cobrando isso. Ou começa a cobrar e repassa aos estados, ou delega para estados e municípios.

Na segunda, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, não se comprometeu a atender o pleito. Ele ficou de conversar com o ministro da Saúde, Marcelo Castro. Ontem, o ministério informou que Castro não foi procurado.