O globo, n. 30095, 30/12/2015. País, p. 5

Promessa de ano novo

ISABEL BRAGA

Cunha diz que não oculta outras contas fora do país e que dará o dinheiro se algo for encontrado; presidente da Câmara afirma ainda que pedido de afastamento é ‘peça teatral’.

Denunciado junto ao Supremo Tribunal Federal no âmbito da Lava-Jato, e com pedido de afastamento do mandato, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), em quase duas horas de conversa com jornalistas, ontem pela manhã, comentou diversos temas, mas recusou-se a abordar o mérito das acusações criminais a que responde na Justiça. Foi irônico dizendo que daria “de presente” o dinheiro, quando questionado sobre a possível ocultação de outras contas no exterior, além das quatro já descobertas na Suíça.

— Vocês podem preparar qualquer escritório de advocacia internacional, qualquer documento que diga empresa, trust, de qualquer natureza, para eu assinar procuração de doação, busca, verificação, não só do Israel não. Israel, da Arábia Saudita, do Líbano, de qualquer ligar do mundo que você queira e de qualquer conta bancária que eu dou de presente para reverter a quem quiser, porque não existe — respondeu Cunha.

Em delação premiada, o empresário Ricardo Pernambucano disse ter pago propina a Cunha em conta no Israel Discount Bank e em outras duas contas no BSI e no Merrill Lynch. Cunha negou.

O presidente da Câmara mais uma vez acusou o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de fazer uma investigação seletiva. Citou o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-RJ), como exemplo. Cunha disse que na ação cautelar que motivou a busca e apreensão em suas residências existe um relatório com 632 páginas e que, dessas, 60 páginas tratam do presidente Renan. Janot pediu a realização de buscas também nos endereços de Renan, mas o ministro Teori Zavascki, do STF, rejeitou. O documento a que Cunha se refere é sigiloso. A assessoria de Renan foi procurada e não retornou os questionamentos da reportagem.

Chamando de “peça teatral” o pedido de seu afastamento do mandato protocolado há duas semanas por Janot, Cunha diz “estar convicto” que o Supremo não o aceitará e ele permanecerá na presidência da Casa até o fim. Afirmou que vai contestar no STF, ponto a ponto, os 11 atos apontados pelo procurador.

Cunha não poupou críticas ao governo Dilma Rousseff e ressaltou que o pagamento das “pedaladas fiscais” não evitam o crime de responsabilidade cometido em 2015 com a assinatura, pela presidente, de decretos sem autorização do Congresso Nacional, que desrespeitariam a Lei Orçamentária.

— A quitação das pedaladas é uma dívida que o governo assumiu de 2011 a 2014. Nós não colocamos nada no despacho em relação a 2014. O que colocamos é o descumprimento, em 2015, de edição de decretos em desacordo com a Lei Orçamentária. O ato equivocado foi em 2015. Não existe na lei de responsabilidade que um tributo não pago gere a extinção da punibilidade — disse Cunha.