Voto de Barroso contraria o do relator e é seguido pela maioria

ANDRÉ SOUZA, CAROLINA BRÍGIDO TIAGO DANTAS

Por 8 a 3, STF deu palavra final ao Senado; por 7 a 4, proibiu chapa avulsa.

-BRASÍLIA- O voto do ministro Luís Roberto Barroso conduziu a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que mudou o rito do processo de impeachment que estava sendo adotado pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Foi Barroso quem primeiro defendeu a anulação da escolha dos integrantes da comissão do impeachment. Para ele, a votação teria de ter sido aberta, e não deveriam ter sido admitidas candidaturas avulsas, somente por indicação dos partidos. O relator, Edson Fachin, defendia a manutenção do ato do presidente da Câmara, e acabou derrotado.

— O voto secreto foi instituído por uma deliberação unipessoal do presidente da Câmara. Sem autorização legal, sem autorização constitucional e sem autorização regimental. Por vontade própria. Ele disse: “Aqui vai ser secreto porque eu quero”. A vida na democracia não funciona assim. Um procedimento com a gravidade de um processo de impeachment tem que prestar a reverência máxima aos princípios republicanos de transparência — disse Barroso.

Fachin defendia que, com o processo aberto na Câmara, o Senado teria que aceitar a denúncia automaticamente, o que implicaria afastamento da presidente Dilma Rousseff do cargo por 180 dias. Barroso afirmou que a deliberação do Senado não pode ser automática. Argumentou que a Constituição dá ao Senado a atribuição de processar e julgar o chefe do Executivo em crimes de responsabilidade. Sete ministros concordaram com Barroso. Apenas Dias Toffoli e Gilmar Mendes concordaram com Fachin.

Por unanimidade, o STF negou à presidente Dilma o direito à defesa prévia. O governo queria que a defesa se manifestasse antes da abertura do processo de impeachment. No entanto, os ministros explicaram que esse direito só será exercido depois que a comissão do impeachment elaborar seu parecer dizendo se o processo deve ser aprovado ou não. Esse parecer será votado no plenário da Câmara.

Barroso também foi taxativo ao condenar as candidaturas avulsas para a comissão do impeachment. Ele lembrou que está na Constituição e no Regimento Interno da Câmara que os integrantes devem ser indicados por líderes partidários.

Coube a Gilmar Mendes fazer defesa veemente do voto de Fachin — e, por consequência, das decisões tomadas por Cunha até agora. Gilmar fez duras críticas ao governo federal e disse que, ao decidir pelo voto aberto na comissão do impeachment, o STF estaria manipulando o processo. Gilmar defendeu o voto secreto, as candidaturas avulsas e um rito em que o Senado não tenha poder para barrar o processo aprovado na Câmara.

— Estamos ladeira abaixo. Fomos desclassificados por mais uma agência (de classificação de risco) ontem. (Estamos) Sem governo, sem condições de governar, com modelo de fisiologismo que nos enche de vergonha e sem capacidade de retomar — disse Gilmar.

Gilmar criticou o voto aberto para a escolha dos integrantes da comissão. Ele disse que esse tipo de artifício não seria o mais indicado para segurar um cargo uma presidente que não tem apoio no Congresso:

— Ninguém vai cessar (processo de impeachment) por interferência do Judiciário. Se (o presidente) não tiver base parlamentar, não resiste.

Luiz Fux concordou com a maior parte do voto de Barroso:

— Mistério, segredo e democracia não combinam. Não havendo regra (sobre votação secreta), há de se prevalecer a Constituição, que privilegia o conceito de publicidade.

Celso de Mello entendeu que o Senado tem poder para barrar eventual decisão da Câmara autorizando a instauração do processo de impeachment.

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Processo ganha maior clareza

MICHAEL MOHALLEM

Dilma saiu em vantagem. A decisão do Supremo permite que o Senado rejeite a denúncia contra ela. Agora, mesmo que a maioria de 66% da Câmara decidam que o impeachment deve prosseguir, o Senado poderá barrar o processo. O pressuposto dessa análise é que a presidente terá mais votos no Senado do que na Câmara. A conjuntura política flutuante pode se alterar, mas neste momento o campo de batalha é mais favorável no Senado.

Primeiro, cria-se uma votação antes do julgamento do mérito. Será o juízo de admissibilidade, quando o processo do impeachment poderá ser barrado por maioria simples dos senadores. Portanto, em tese, se apenas 41 senadores abrirem a sessão de votação, bastaria o voto contrário de 21 deles para que o processo de impeachment seja arquivado.

Em segundo lugar — e mais importante —, ela fica no cargo de presidente até que o Senado receba o processo e então instaure o julgamento. Ganha tempo precioso para organizar a sua maioria no Senado, sentada na cadeira de presidente, com as prerrogativas e poderes naturais da função. Caso a presidente seja derrotada na primeira votação do Senado, terá que reunir 27 votos a seu favor para encerrar o impeachment.

Mas o STF não decidiu apenas sobre o papel do Senado. Disse ainda que as votações de todas as etapas do processo de impeachment na Câmara devem ser abertas. Rejeita-se definitivamente qualquer tentativa de voto secreto. Mais do que uma vitória de Dilma ou sua oposição, essa é uma vitória da transparência.

O Supremo definiu também que a comissão especial que fará o parecer sobre o impeachment na Câmara deve ser formada por meio de indicação das lideranças partidárias. Essas duas decisões — fim do voto secreto e fim da chapa avulsa — anulam a comissão e forçam a Câmara a definir novamente quais serão os deputados que se manifestarão sobre a abertura do impeachment. Se por um lado o STF atrasou o processo ao determinar um passo para trás, por outro ganha-se maior clareza nas etapas seguintes.

O assunto do dia no Supremo era o assunto do ano no Brasil. E, para resolver o futuro do impeachment, o Supremo procurou antecipar as regras para evitar que outras ações sejam recebidas, mas certamente não evitará que seja chamado novamente ao papel de árbitro desta disputa. Ao menos, sabemos agora o que esperar dos seus 11 ministros.